Brasil: fatos que fazem pensar

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01/06/2016 - 09:30

Nessas últimas semanas, estamos sendo bombardeados com regularidade por notícias sobre fatos de corrupção na vida política brasileira, envolvendo os mais altos escalões. O afastamento temporário da Presidente da República não acalmou os ânimos: pelo contrário, mais e mais vai se aprofundando a impressão de que vivemos uma crise política, econômica e ética sem precedentes em nosso país.

As delações premiadas de personagens ilustres, sobre escândalos de corrupção na administração da Petrobras envolvem lideranças dos mais variados partidos, que também atuam nos mais altos cargos das instituições da República. Ministros do governo interino da República, Presidente da Câmara e do Senado, lideranças partidárias, parlamentares, gestores da administração pública: sobram suspeitas para todos. Resta ver se a Justiça vai dar conta de investigar e elucidar tudo devidamente.

O estrago, no entanto, já é muito grande; o pior é o desencanto dos cidadãos com a política e os políticos. Perplexas, as pessoas se perguntam: em quem ainda se pode confiar? A tentação, sempre insinuante, é a invocação de “homens fortes”, ou “salvadores da pátria”, que venham resolver de maneira autocrática e voluntarista os problemas pendentes do país. Os discursos inflamados e acusatórios, as propostas populistas e privadas de realismo conseguem fácil adesão; o clima de frustração e desmoralização no exercício da política pode favorecer o surgimento de ditadores e de totalitarismos. E não é isso que falta ao Brasil.

Por mais que seja defeituoso o funcionamento das instituições do Estado democrático de direito, essas sempre são preferíveis ao Estado autoritário e limitador dos direitos individuais e das liberdades democráticas. Neste momento, mais do que nunca, é necessária a vigilância atenta do povo para monitorar e acompanhar os passos e decisões das instituições do Estado e o exercício da política. A crise política que vivemos decorre de uma profunda crise ética, refletida no desvio de finalidade do poder conferido, mesmo democraticamente: poder que deveria ser sempre exercido em vista do bem comum e não para o benefício privado ou de grupos de poder e influência.

Mas não se deve perder a esperança: a situação que vivemos também é favorável a um amadurecimento da consciência política do povo brasileiro. À medida que os cidadãos se interessam pela vida política, vigiam o exercício do poder e se envolvem na busca de soluções, o futuro do Brasil continua promissor; a própria investigação dos desvios e dos fatos de corrupção na política e na administração pública ajuda a conscientizar sobre a necessidade de mudanças e de superação de padrões arcaicos e corruptos na vida política brasileira.

Também faz pensar, e muito, a chocante notícia do estupro coletivo de uma jovem de 16 anos, no Rio de Janeiro, na semana que passou. Autores da barbárie repugnante ainda se gloriaram, a ponto de postar imagens e gravações de sua ação depravada nas mídias sociais. A condenação foi geral, ainda bem! É de se esperar que os fatos sejam devidamente elucidados e os autores, confrontados com suas responsabilidades.

O fato merece uma reflexão sobre o nível de corrupção dos costumes a que se chegou, envolvendo o tráfico de drogas, o uso de armas, a violência, o desrespeito à pessoa, levando a práticas sexuais depravadas (dá para chamar diversamente?!), e à “coisificação” da mulher, feita objeto de uso e de abuso... Foi um fato isolado? As manifestações vindas de vários lados referem-se a certa “cultura do estupro”, que estaria ligada à persistência de uma cultura machista. É bom que se façam todas as avaliações pertinentes. E que se passe às consequências, não apenas com leis repressivas mais severas. É preciso também refletir sobre a educação dada nas famílias, instituições de educação e mecanismos de formação da cultura e dos costumes.

Não posso deixar de aludir à necessidade de uma adequada educação para as implicações morais das nossas decisões e ações pessoais. O Papa Francisco trata disso na Exortação “Amoris laetitia, sobre o amor na família”. No mesmo documento, Francisco trata da correta educação sexual a ser dada às crianças e aos adolescentes (cf AL 280-286). “Quem ainda fala disso?” – questiona o Papa. É possível que a educação da consciência moral seja absolutamente inadequada ou até, inexistente; e que a educação sexual seja deixada por conta do material pornográfico, amplamente comercializado com grandes lucros para seus autores e imensos danos para os costumes. Isso também é parte de um sistema corrupto. Vale a pena pensar sobre isso?

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3104 - 1º a 7 de junho de 2016.