Conversões quaresmais necessárias

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29/03/2017 - 08:15

Em tempos de Quaresma, somos chamados à conversão pessoal, eclesial e social. Para tanto, cabe o exame de consciência e a revisão de vida nas várias dimensões das nossas relações pessoais e comunitárias.

Nesse sentido, ao mesmo tempo em que nos preparamos para a celebração da Páscoa através das práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração, a Igreja no Brasil nos pede que também olhemos ao nosso redor, para a “casa comum”, o bioma ou ambiente da vida em que estamos inseridos. A natureza nos abriga, protege, nutre e alegra. Ao mesmo tempo, ela requer nosso respeito, cuidado e cultivo; contrariamente, ela se volta contra nós mesmos e nos nega o que dela esperamos obter.

Nisso está implicada a nossa fé em Deus: se cremos “em Deus, Pai criador do céu e da terra”, não devemos desprezar, nem estragar o que Deus fez e viu que era bom. Descuidar da natureza, ou fazer mau uso dela, é desprezar o Criador e doador desse dom precioso feito ao homem e às demais criaturas. Além disso, a Campanha de Fraternidade deste ano nos mostra que cuidar bem dos vários biomas também é questão de fraternidade e justiça, e envolve a ética pessoal e comunitária.

Outros temas sociais que requerem a conversão pessoal e social estão ligados às questões candentes, que agitam as discussões no mundo político e da imprensa, mas não devem deixar indiferentes os cidadãos, também aqueles que têm fé em Deus. Na semana passada, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se pronunciou sobre três dessas questões: reforma da Previdência Social, o “foro privilegiado” e a revisão da filantropia. As notas sobres esses três temas já foram divulgadas e se encontram facilmente na internet.

A Previdência Social brasileira precisa, certamente, ser reformada para assegurar os devidos benefícios a todos aqueles que têm esse direito, como assegurado pela Constituição Federal. Mas essa reforma precisa ser para melhor e para corrigir distorções que, atualmente, ameaçam inviabilizar a Previdência Social para o futuro. Entre outras questões, os devedores inadimplentes da Previdência precisam ser chamados a acertar suas contas; pode haver grandes devedores, como grupos econômicos e financeiros poderosos e também instituições e organismos do Estado e do Governo. Nessa mesma linha, é preciso que seja verificada a destinação dos recursos arrecadados para a Previdência, evitando que haja desvio de finalidade desse patrimônio de seguridade social. A revisão da Previdência Social não pode passar por cima das dimensões éticas, de justiça e de solidariedade social, nem se orientar pela lógica da exclusão social das categorias sociais mais vulneráveis e necessitadas de amparo.

Outra Nota da CNBB diz respeito à revisão da lei da filantropia; há também quem no Congresso Nacional propõe, simplesmente, acabar com a filantropia, que é concedida pelo Estado a instituições da sociedade civil por reconhecer que prestam determinados serviços à população nas áreas da educação, saúde, assistência social e cultura. É sempre possível que haja, entre as instituições filantrópicas, aquelas que se deixaram contaminar pelo vírus da corrupção, recebendo os benefícios da filantropia sem prestar a contrapartida com serviços prestados. Neste caso, porém, a solução não é acabar com a filantropia, mas vigiar mais atentamente sobre as instituições filantrópicas, evitando desvios e irregularidades. O fim da filantropia não seria uma solução para a Previdência, como alguns pensam; mas seria um desastre enorme para a sociedade, que se beneficia dos serviços valiosos prestados por elas.

A terceira nota da CNBB, bastante breve, trata da questão do foro especial, conhecido como “foro privilegiado”, ao qual têm direito certas personalidades em vista da função que ocupam. Assim, elas não são julgadas pela Justiça comum mas, imediatamente, pelas instâncias supremas da Justiça. Isso também existe em outros países, mas no Brasil o número de autoridades públicas que gozam de foro especial é muito alto, devendo chegar a mais de 22 mil personalidades. Nada justifica essa “justiça especial” para tantas pessoas! Geralmente, isso significa lentidão na aplicação da Justiça, podendo dar a impressão de... O foro especial deveria ser limitado a um número bem restrito de autoridades garantidoras da estabilidade das instituições do Estado, como os presidentes dos três Poderes.

A Quaresma é um tempo de revisão de vida, de arrependimento dos males cometidos e de correção dos rumos errados imprimidos à vida. Vale para a vida pessoal e deveria valer para a vida social e as instituições públicas....

 

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo Metropolitano de São Paulo

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3144 - De 29 de março a 4 de abril de 2017