Eles não foram enviados por nós

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04/05/2016 - 10:00

Os modernos meios de comunicação abriram enormes possibilidades de relação entre as pessoas. Se, no passado, havia poucos formadores de opinião pública, podemos dizer que, no presente, com o celular conectado à internet à mão, cada usuário tornou-se um comunicador e formador de opinião. Essa democratização da comunicação tem seu lado bom, pois amplia a percepção da realidade.

Ao mesmo tempo, porém, isso requer um senso crítico mais apurado: na maioria das vezes, não se conhece quem está comunicando e não se consegue saber quem está por trás de um texto que circula nas mídias sociais. A comunicação pode perder seu sentido e tornar-se risco quando ela não está a serviço da verdade, do bem e da justiça. Dá para levar a sério afirmações sem autor identificável, com a clara intenção de ferir, caluniar, desmoralizar pessoas ou espalhar discórdia na convivência?

Nos Atos dos Apóstolos, lemos sobre o motivo da assembleia dos apóstolos, também conhecida como “Concílio Apostólico” (cf. At 15). Alguns pregadores levaram desorientação e incerteza à comunidade cristã de Antioquia, afirmando que os cristãos vindos do paganismo deviam passar, antes, pelas observâncias da Lei Mosaica, no Judaísmo; que a fé em Cristo e o batismo cristão não bastavam para a salvação. Paulo e Barnabé travaram intensa discussão com esses “comunicadores”, que semeavam confusão na comunidade.

Depois, resolveram levar a questão ao discernimento e à decisão dos demais apóstolos e anciãos da comunidade-mãe de Jerusalém; buscaram um critério de verdade e de orientação segura; após a reunião, a decisão é levada à comunidade de Antioquia. A comunicação vai e vem, a serviço da verdade e da paz. O informe dos Apóstolos, no Concílio Apostólico, é confiado a pessoas de segura idoneidade e fidelidade: (“resolveram escolher alguns da comunidade para mandá-los a Antioquia com Paulo e Barnabé. Escolheram Judas, chamado Bársabas, e Silas, que eram muito respeitados pelos irmãos”). Contaram com pessoas dignas de crédito, capazes de serem referência para fazer opinião pública segura.

O comunicado dos apóstolos traz uma introdução: “ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram o vosso espírito. Eles não foram enviados por nós”. Na comunidade cristã, há os que têm o carisma de conduzir a Igreja na verdade e de anunciar a doutrina da Igreja com credibilidade. A comunicação da verdade do Evangelho precisa de testemunhas idôneas e reconhecidas; do contrário, gera-se a confusão e a desorientação no meio do povo fiel. Os apóstolos informam sem meias palavras. “Eles não foram enviados por nós”. Portanto, não merecem crédito!

Na Igreja Católica, a referência comum para a fé é a Sagrada Escritura e a tradição de fé da Igreja; podem surgir dúvidas sobre a interpretação dessas fontes da fé cristã. Quem esclarece as dúvidas com autoridade? Quem interpreta as fontes da fé com autenticidade, sem deixar que se infiltrem “perturbações” ou desorientações no seio da comunidade cristã?  É o Magistério da Igreja, representado pelo Papa e pelos bispos em comunhão com ele. As demais vozes precisam estar em sintonia com essas referências de interpretação segura das fontes da fé.

A comunicação da decisão apostólica no Concílio de Jerusalém também tem uma introdução muito interessante: “decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo, além destas coisas indispensáveis” (At 15,28). Os apóstolos contam com a assistência segura do Espírito Santo, enviado por Jesus.

O mesmo Espírito Santo continua a assistir a Igreja também hoje, para que ela não se engane na sua fé. Por certo, o Espírito Santo também assiste a Igreja inteira, para que ela se mantenha na verdade do Evangelho e fiel a Cristo. Contudo, o papa e os bispos, enquanto sucessores dos apóstolos, mestres e educadores do povo de Deus, contam com a especial assistência do Espírito Santo no desempenho de sua insubstituível missão.

É justo e necessário que muitos anunciem o Evangelho e transmitam os ensinamentos da Igreja. No entanto, quando alguém cria desorientação no seio da comunidade, divergindo do ensinamento autêntico do Magistério da Igreja na palavra dos Concílios, do Papa, dos bispos, do Catecismo, ou quando alguém pretende ser “mais católico que o papa”, discordando até mesmo dele, o que fazer? Nesses casos, será preciso informar que tais pregadores não têm autoridade, perturbam a paz do povo fiel e não merecem crédito.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3100 - 4 a 10 de maio de 2016