Encíclica: o cuidado da casa de todos

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24/06/2015 - 10:00

A nova encíclica do Papa Francisco – “Laudato sì – e trata das questões ambientais com suas várias implicações. Não é a primeira vez que o magistério da Igreja se ocupa com questões ambientais, São João Paulo II abordou o tema em diversas ocasiões, mas antes dele já havia sido abordado. 

Bento XVI abordou o tema principalmente na encíclica Cáritas in Veritate, em 2009, convidando a humanidade a um novo relacionamento com a natureza tendo em conta o desígnio de Deus criador e a solidariedade social. Falou da urgente necessidade moral de uma nova solidariedade, ensinou que a responsabilidade pelo cuidado com a natureza é global, que é preciso pensar em um governo responsável sobre a natureza para cuidar dela, fazê-la frutificar e cultivar para que ela possa acolher e alimentar dignamente a família humana e quem mais nela habita.

Bento XVI chamou a atenção ainda para a missão ética de nossa relação ética com a natureza, não é apenas uma relação poética ou utilitária, mas é ética “o ambiente natural não é apenas matéria de que posamos dispor a nosso bel prazer, mas obra admirável do criador contendo uma gramática sobre o cuidado da casa comum” – propõe uma reflexão fundamental para encarar com seriedade e responsabilidade a questão ambiental. Antes de tudo, desvincula o “discurso ecológico” das ideologias de partido, como se isso interessasse apenas a alguns ou a uma parte da sociedade. Por isso, o Papa não se dirige apenas aos católicos e cristãos: o seu apelo é dirigido a toda a família humana, a quem tem religião e a quem não tem também (cf n. 13-14).

A questão interessa a todos, pois se trata de cuidar da “casa comum”, que é a natureza e, de modo geral, o mundo que nos hospeda, abriga, sustenta e encanta, junto com todos os seres que o habitam. O subtítulo da encíclica – “sobre o cuidado da casa comum” – dá a entender, justamente, aonde o Papa quer chegar: que todos juntos cuidemos desse “bem comum global”, que é a natureza.

A globalização, sobretudo da informação e do mercado, nos permitem hoje perceber, melhor do que em outros tempos, que o mundo, sobretudo nosso planeta Terra, por grande que seja, é uma “aldeia global”; nele, todos estão relacionados e dependentes todos, no que acontece de bom e de mal, mesmo sem o saber. E os estudos científicos também mostram sempre mais que, na natureza, todas as coisas também estão relacionadas ente si e dependem umas das outras.

Isso está plenamente de acordo com o relato da criação, no começo da Bíblia. O ato criador de Deus foi também um ato organizador do “abismo”, sobre o qual o Espírito do Criador já pairava, “no princípio” (cf Gn 1,1). Deus não deu origem ao caos, nem introduziu no mundo um princípio de desordem e confusão, ou uma espécie de  princípio de desagregação e destruição. Pelo contrário: organizou todas as coisas com sabedoria e harmonia. E, depois que havia feito todas as coisas, Deus “viu que tudo era bom”. Muito bom! (cf Gn 1,31). Nada estava em desordem na “casa comum”.

E, logo em seguida, vem a questão: quem foi que introduziu novamente o caos e a confusão no mundo? Segue, então, a narração sobre o pecado, lá nas origens da história do homem. E o paraíso deixou de ser um “jardim” para o homem. Mesmo assim, Deus confiou a terra ao homem e à mulher para que dela cuidassem (cf Gn 3).

No primeiro capítulo da Encíclica, o Papa pergunta: Que está acontecendo com nossa casa? Nada mais natural: se na nossa casa há goteiras, infiltrações, rachaduras nas paredes, curtos-circuitos, insetos pelos cantos ou mofo aparecendo nas paredes, nada mais natural que perguntar: que está acontecendo? Que precisamos fazer para cuidar melhor da nossa casa? A primeira coisa é uma boa tomada de consciência da situação. É o que o Papa faz, ao tratar da natureza, casa comum da família humana.

As constatações são aquelas que estão sendo faladas, discutidas e divulgadas há tempos por muitos: poluição do ar, das águas e do solo; mudanças climáticas, que começam a mostrar sempre mais claramente as suas consequências; o problema da água potável que, além de escassear em muitas partes do mundo, ainda está sendo desperdiçada, contaminada e empregada mal. E quem mais sofre com isso? Aqui mesmo, em São Paulo, ameaçados pela carestia desse bem indispensável à vida, estamos aprendendo duramente que a água potável é um bem precioso, que precisamos cuidar melhor.

Mas existe mais: a natureza está perdendo rapidamente sua biodiversidade, com muitas espécies em fase de extinção, ou já extintas. E não é somente a natureza que se vai degradando: a qualidade da vida humana vai junto com essa degradação. A vida social e as relações entre os povos são marcadas por novas tensões e conflitos, em consequência de problemas ambientais. A própria paz fica ameaçada. O problema do degrado ambiental já passou até os limites da atmosfera: lá no alto, muito acima de nossas cabeças, já flutua uma infinidade de “lixo” cósmico, produzido pelo homem. Onde as coisas vão parar?!

O Papa Francisco constata que as reações do homem, de suas organizações e seus governantes e responsáveis, ainda são muito fracas. Há discussões infinitas, mas pouco consenso e ação efetiva para cuidar melhor da nossa casa comum. Que fazer? Por onde começar?

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3057 , 24 a 30 de junho de 2015