Quaresma e conversão missionária

A A
28/02/2020 - 09:30

Com o rito penitencial da imposição das cinzas, a Igreja nos chama a viver a Quaresma, em preparação à Páscoa. “Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1,15). Essas palavras de Jesus são um convite a prestar atenção para a novidade do Evangelho do Reino de Deus, por Ele anunciado.
Converter-se é parar, prestar atenção, voltar-se e discernir, para ver de onde vem esse anúncio e acolhê-lo com alegria, reorientando a vida de acordo com o que o anúncio indica. Jesus, claramente, convidava a voltar-se para Ele, a ouvir de sua boca a 
Boa-Nova do Reino de Deus e a segui-lo. A conversão, portanto, não significava apenas um “ajuste” no comportamento, mas era um convite a mudar de rumo, voltando-se para a pessoa de Jesus e seu Evangelho.
Quantas vezes na vida precisamos ouvir esse apelo? De maneira pedagógica, a Igreja nos lembra todos os anos da necessidade de conversão, pois todos somos pecadores e temos a necessidade de refazer e aprofundar nossas escolhas por Cristo e pelo Evangelho. Quem mais cresce em santidade mais percebe a necessidade de se converter. À medida que alguém sai do escuro e se aproxima da luz, vai percebendo melhor a necessidade de limpar as manchas da sujeira e de se arrumar como convém...  
A Quaresma aponta os exercícios que nos ajudam no processo de conversão: escuta atenta e acolhida da Palavra de Deus, oração melhor e mais intensa, penitência, caridade e obras de misericórdia. O caminho da conversão quaresmal deve incluir o arrependimento e a confissão sacramental dos pecados. A renovação das promessas do Batismo, na Vigília Pascal, completa os exercícios de conversão, mediante a renovação da profissão de fé e das promessas batismais.
Também a Campanha da Fraternidade é uma preciosa ajuda para realizar o caminho de conversão. O tema deste ano – “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” – nos coloca diante da valorização da vida humana e de toda vida ao nosso redor. A vida está sendo vilipendiada de muitas formas, quer a vida humana, quer a vida da natureza, nossa “casa comum”. A campanha indica a atitude conveniente, que requer fraternidade e gera fraternidade: o cuidado e a superação de toda forma de indiferença e agressão contra a vida. Respeitar a vida, cuidar bem de todos os seres vivos, especialmente das pessoas mais frágeis, vulneráveis e ameaçadas, é sinal de humanidade e dever de fraternidade. Descuidar da vida e usar de violência contra ela é sinal de perda de humanidade.
Em nossa Arquidiocese, porém, temos mais um chamado à conversão quaresmal: é o tema do nosso sínodo arquidiocesano, que está entrando no seu terceiro ano de trabalhos. O sínodo é um “caminho de comunhão, conversão e renovação missionária” para toda a nossa Arquidiocese. É um grande esforço conjunto de toda a nossa Igreja em São Paulo para nos voltarmos com renovada atenção e interesse para a nossa missão, como Igreja de Cristo. Cabe a nós fazer o melhor que podemos para realizar bem a missão que nos foi confiada nesta metrópole. Após termos visto e ouvido muitas coisas sobre a situação pastoral e religiosa de nosso povo em São Paulo, chegamos, neste ano, ao momento de nos perguntarmos, como o Apóstolo São Paulo no seu encontro com Cristo às portas de Damasco: O que devemos fazer? O que devemos fazer para melhor acolher os apelos de Deus, que nos chegam por meio da Palavra do Evangelho, da voz da Igreja e dos muitos “sinais dos tempos”?
A conversão requer uma atitude de fé e disponibilidade. Sem “dar fé” à voz de Deus, continuaremos distraídos, ou demasiadamente ocupados no nosso dia a dia, na mesmice do que fazemos, embalados pela confortável rotina que nos deixa cegos e insensíveis ao que se passa ao nosso redor. Pela fé, levantamos o nosso olhar e abrimos nossos ouvidos, deixamos tocar nosso coração e nos interrogamos: Que voz é essa? O que está acontecendo? O que devo fazer? Deixar-se questionar: eis um primeiro passo importante para a conversão pessoal e também pastoral. Oxalá o caminho quaresmal deste ano, em preparação à Páscoa, nos ajude também a dar passos no caminho sinodal de “conversão e renovação missionária” em nossa Igreja em São Paulo.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 27/02/2020