Teus pecados estão perdoados. Vai em paz!

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15/06/2016 - 08:45

O Jubileu da Misericórdia ajuda a refletir sobre alguns aspectos centrais da nossa fé e vivência religiosa. “Precisamos sempre contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz”, ensina o Papa Francisco na Bula Misericordiae Vultus, com a qual promulgou o Ano Santo extraordinário da Misericórdia (nº 2).

De fato, o homem soberbo, que pensa poder dispensar a misericórdia de Deus e não reconhece ter pecados, não tem paz, pois coloca a sua confiança e redenção, em última análise, apenas em si mesmo. Não precisa de mais ninguém, nem de Deus. Basta a si mesmo. Será mesmo? Para todos chega a hora de experimentar os próprios limites e de agarrar a mão estendida, que se estende e oferece ajuda. Por que não aceitar?

As leituras do 11º Domingo do Tempo Comum, 12 de junho, vão nessa direção. O rei Davi bem que achou que já podia fazer o que queria, sem a necessidade de respeitar a Deus, nem aos homens (cf Sm 17, 1-13). Seguindo simplesmente sua paixão e dominado por ela, cometeu adultério e ainda mandou matar o marido da mulher, para casar-se com ela. Mas teve que ouvir o profeta Natã: “Por que desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que lhe desagrada?”

Davi caiu em si e reconheceu: “pequei contra o Senhor!” Com essa confissão humilde de sua culpa e de seu limite, reconheceu que, também ele, apesar de rei, tinha que observar a lei de Deus e ser fiel à palavra do Senhor. A oração e a confissão de Davi, rei arrependido e penitente, está no salmo 50, que também nós continuamos a recitar: “Pequei, Senhor, misericórdia!” Deus lhe perdoa e renova para ele seus favores e sua bênção. A misericórdia de Deus é maior que nossos pecados e nos renova, quando nos arrependemos.

A outra cena extraordinária sobre o pecado do homem e a misericórdia de Deus está no trecho do Evangelho de São Lucas (7, 36-50), também lido no domingo passado. Jesus está à mesa em casa do fariseu Simão. Os fariseus tinham-se por íntegros no cumprimento da Lei de Moisés; eram soberbos, primavam pela sua perfeição ritual e confiavam nos próprios méritos. Não precisavam da misericórdia de Deus. Jesus censurou diversas vezes essa santidade falsa e fingida: “Sepulcros caiados, brancos por fora mas, por dentro, cheios de podridão!”

Durante a refeição, entrou na casa de Simão uma mulher pecadora, sem ser convidada. Chega-se a Jesus, chora e banha os pés dele com as lágrimas, enxuga-os com os cabelos; beija-os e os unge com perfumes. Em seu coração, o fariseu pensa mal de Jesus e da mulher: “Se Jesus fosse um profeta, ele não deixaria fazer o que essa mulher faz, pois é uma pecadora conhecida na cidade!” Ele nem precisa falar, e Jesus já compreende seu pensamento: “Simão, quero lhe dizer uma coisa”. O fariseu respondeu educadamente: “Pode falar, Mestre!”

E Jesus conta a história dos dois devedores inadimplentes e incapazes de saldar sua dívida; ambos foram perdoados pelo patrão. Quem amará mais o patrão? Claro, aquele que foi perdoado da dívida maior! E Jesus cobra de Simão: tudo o que esta mulher fez, era você quem devia fazer para demonstrar amor e boa acolhida em sua casa: lavar os pés do hóspede, dar o beijo de boas-vindas, ungir com óleo a cabeça do hóspede... E não fez. Ela fez tudo isso com muito amor, chorando de arrependimento e reconhecendo que Jesus é um profeta, e muito mais que isso: que também pode perdoar seu pecado.

Por isso, Jesus diz a ela: “mulher, teus pecados estão perdoados. Vai em paz, a tua fé te salvou!” Ela teve fé na misericórdia de Deus, que se fazia presente ali mesmo, na pessoa de Jesus, o Filho de Deus. Teve a coragem de enfrentar tudo, mesmo aquele ambiente farisaico, porque teve confiança em Jesus, reconhecendo nele o rosto misericordioso de Deus – “misericordiae vultus” - entre os homens.

A soberba religiosa ou a indiferença em relação a Deus levam à insegurança e à falta de paz. Como pode alguém estar totalmente seguro de seus próprios méritos, sem se submeter ao juízo de outrem? E quando se trata da vida eterna, como pode alguém achar que se salva sozinho, sem passar pela aprovação do julgamento de Deus?! A aceitação da misericórdia de Deus e dos próprios limites, com a confissão humilde do pecado, traz serenidade e paz. E quem o faz, pode ouvir as mesmas palavras ditas por Jesus à mulher: tua fé te salvou, vai em paz!

 Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3106 -15 a 22 de junho de 2016