Em Roraima: o drama dos imigrantes venezuelanos

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15/01/2020 - 13:00

Em Roraima: o drama dos imigrantes venezuelanos

A semana de visita missionária e fraterna ao bispo diocesano de Roraima, Dom Mário
Antônio, proporcionou-me uma agenda intensa e rica de visitas e encontros com a
realidade migratória dos venezuelanos no Brasil. A capital de Roraima, Boa Vista, é a
sede da única diocese no Estado.
Roraima foi e ainda permanece uma região missionária, confiada inicialmente aos
Jesuítas (até 1727), em seguida, aos Carmelitas (até 1850) e aos Capuchinhos (até
1892). De 1892 a 1907, a missão em Roraima esteve na responsabilidade direta da
“diocese do Amazonas”. Em 1907 foi criada como prelazia territorial de Roraima,
confiada aos cuidados do Abade do mosteiro beneditino do Rio de Janeiro (até 1948).
Em seguida, a responsabilidade passou aos missionários da Consolata (1949 até 1996)
e, em 1979, a prelazia foi elevada em diocese. Atualmente, possui 23 paróquias e áreas
missionárias e mais 6 missões indígenas. A população do Estado é de 605 mil
habitantes, dos quais cerca de 50% são católicos. A extensão da diocese é de 225 mil
km2 e nela trabalham 49 padres e 24 religiosos(as).
Quase a metade do território do Estado está repartida em áreas indígenas, geralmente
demarcadas e os principais povos indígenas são os seguintes: Macuxi, Wapixana,
Yanomami, Ingaricó, Taurepang, Uaiuai, Yekuana, Waimiri-Atroari, Sanumá, Xiriana,
Xirixana, Xamatari. Todos têm a sua língua e seus costumes ancestrais bastante bem
preservados e, salvo dois grupos voluntariamente isolados, os demais estão em contato
com o restante da população. Boa Vista tem uma população de cerca de 400 mil
habitantes.
Nesse contexto, inseriu-se em 2016 o fato migratório dos Venezuelanos; os primeiros a
chegar foram os indígenas Warao, deslocados do delta do rio Orinoco, no Mar do
Caribe. Outros dois grupos indígenas chegaram em seguida. Os venezuelanos foram
chegando e continuam a sair do seu país em busca de melhores condições de vida e de
futuro. Entram pela fronteira seca de Pacaraima, cidadezinha brasileira na divisa. Uma
estrada asfaltada liga a fronteira da Venezuela a Caracas e, também, uma rodovia
asfaltada liga Pacaraima a Boa Vista (212km) e Manaus (992km).
A situação atual da entrada dos imigrantes em Pacaraima continua intensa mas está
bastante tranquila e controlada. Desde 2018, o Exército Brasileiro montou ali uma base
para a “operação acolhida”, onde os imigrantes recebem a documentação para entrarem
de maneira regular no Brasil, além de vacinas e demais cuidados da saúde, abrigo
temporário, alimentação e demais cuidados essenciais. É uma operação grande, que
chegou a acolher mais de mil pessoas por dia. Atualmente, em vista das festas de final
do ano, são um pouco menos, mas a tendência ainda é de cerca de 500 a 600 pessoas por
dia.
De Pacaraima, a maioria das pessoas são encaminhadas para Boa Vista, onde há uma
outra estrutura de abrigos provisórios para os imigrantes sob o comando do Exército,
contando com a colaboração de diversas entidades internacionais, como a Organização
Internacional para as Migrações (ONU) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR), a Cáritas Brasileira e local, muitas organizações e instituições
da Igreja e da sociedade civil. As pessoas querem trabalhar, morar, ganhar dinheiro para
viver e para enviar para os familiares que ficaram na Venezuela. O Governo Federal,

através do Ministério da Casa Civil, promove a interiorização para todo o Brasil dos
imigrantes que assim desejam e que tenham para onde ir e como trabalhar. Dependem,
então, de braços abertos e da oferta de oportunidades por conta de empresas,
comunidades, organizações da Igreja e da sociedade em todo o Brasil.
Em Boa Vista o drama dos Venezuelanos é grande, pois nem todos conseguem entrar no
programa de interiorização; nem todos estão em abrigos e há muita carência e
sofrimento de pessoas sem perspectivas de futuro. A diocese de Roraima e muitas
organizações da Igreja tentam fazer o que está ao seu alcance, oferecendo acolhida,
refeições, ajudas emergenciais e abrigo. Mas as pessoas precisam de muitas coisas e o
tempo de sua integração nas comunidades locais, Brasil afora, ainda pode ser longo.
A questão migratória venezuelana tem na sua base uma situação política complicada no
país vizinho e uma economia que praticamente paralisada. Resta torcer para que esse
drama não se estenda por tempo demasiado longo, pois muitos imigrados que estão no
Brasil e em outros países vizinhos desejam retornar à Venezuela, assim que as coisas
melhorarem por lá. Oxalá, isso não demore muito!

Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de S.Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, de 15 01 2020