Será uma Páscoa diferente

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01/04/2020 - 11:30

Estamos vivendo no meio de uma tempestade e gritamos, como os apóstolos no meio do mar agitado: “Senhor, salva-nos!” Assim refletiu o Papa Francisco, no dia 27 de março passado, durante a impressionante celebração à frente da Basílica de São Pedro e da praça de mesmo nome, ambas completamente vazias. A cena era dramática e bela, ao mesmo tempo, num entardecer chuvoso de Roma, cidade antes sempre cheia de peregrinos e turistas, mas, agora, vazia e assustada.
“Senhor, salva-nos, estamos perecendo!” O Papa fazia essa súplica cheia de angústia em nome de toda a comunidade humana, convidando ao reconhecimento humilde de que somos frágeis criaturas, que precisamos de Deus e, também, uns dos outros. Sozinho, ninguém vence essa pandemia. Todos precisam fazer a sua parte no cuidado recíproco. O coronavírus atinge indistintamente pobres e ricos, tanto letrados quanto analfabetos, poderosos e simples cidadãos, quem crê e quem não crê.
Um mês atrás, mal nos dávamos conta, em São Paulo, de que o perigo rondava também a nós. Acompanhávamos, com certa indiferença, o que acontecia lá na China e na Coreia do Sul, ou Irã, já no Oriente Médio. Começamos a nos dar conta de que não estávamos livres dessa pandemia depois que a Itália e, em seguida, vários países da Europa, começaram a anunciar um número crescente de pessoas contagiadas e a contar os seus mortos em decorrência do coronavírus. E o vírus não demorou a chegar a São Paulo e a todo o Brasil. Ninguém, em sã consciência, pode negar o risco de contágio, se não se cuidar bem, seguindo orientações das autoridades sanitárias.
Agora estamos de quarentena e suspendemos, até nova decisão, as missas e outros atos religiosos e comunitários com a presença do povo. A recomendação é de que todos fiquem em casa, sobretudo as pessoas que fazem parte do grupo de risco, como os idosos e os que têm problemas de saúde e baixa imunidade. A Igreja em São Paulo participa dos cuidados para preservar a saúde e a vida do povo. Cuidando para não sermos contagiados, estaremos em condições de ajudar os outros que precisarem de nós.
Isso, porém, não significa que a nossa Igreja tenha entrado “em quarentena” ou abandonado o povo, justamente quando ele mais necessita. Agora podemos compreender melhor o que é a Igreja: não é somente o templo, onde nos reunimos para rezar pessoalmente e para celebrar com os outros. Nem é somente apenas o bispo, o padre e um punhado de colaboradores próximos deles. A Igreja é formada por todos os que foram batizados, todos os discípulos de Jesus, que compartilham a mesma fé recebida dos apóstolos, estão em comunhão de fé, esperança e caridade, conforme o testemunho e os ensinamentos do próprio Jesus Cristo. A vida e a missão da Igreja não estão “em quarentena”, mas continuam operantes, mesmo se não podemos fazer as coisas do mesmo jeito que fazíamos antes.
Por isso, nossa Igreja não está longe do povo. Ela é esse mesmo povo, reunido em cada casa, onde há pessoas reunidas no nome da Trindade Santa. Onde se vive a fé, a esperança, a caridade e as demais virtudes humanas e cristãs, onde há pessoas reunidas “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, ali se encontra uma pequena comunidade da Igreja. Em decorrência das circunstâncias atuais, redescobrimos algo importante, que andava bastante esquecido: a Igreja nas casas, Igreja-família. E essa Igreja está viva e continua operante! Os ministros da Igreja procuram, da forma como podem, dar assistência, alimento e apoio a essas “Igrejas domésticas”. Muitas celebrações, instruções e orientações são oferecidas ao povo pelos padres aos seus paroquianos por meio das mídias e dos demais meios de comunicação. Nossa Igreja, agora, ampliou sua presença e ação no espaço virtual.
E não será diferente durante as celebrações da próxima Semana Santa e da Páscoa. Já foram oferecidas aos padres e paróquias da Arquidiocese de São Paulo as orientações necessárias. Portanto, todos os católicos, mesmo sem saírem de casa, poderão acompanhar os ritos e celebrações da Semana Santa e da Páscoa por vários meios e mídias sociais. E seria bom acompanhar os da própria comunidade paroquial, daquela mesma onde cada fiel participa presencialmente. Eu também celebrarei os mesmos ritos em privado, como o próprio Papa Francisco vai fazer, no Vaticano, com transmissão das celebrações pelos diversos meios de comunicação e as mídias sociais.
Será uma Páscoa “diferente”, no modo de celebrar. Mas não diferente no seu significado: é sempre Jesus, que entrega sua vida na cruz, no seu infinito amor pela humanidade. Mas a vida é mais forte que a morte. A Ressurreição de Cristo nos dá a certeza de que a última palavra não é dos males e da morte, que agora nos atingem, mas de Deus, Senhor da vida, que nos ama com amor infinito.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 01/04/2020