'Barro com Fé' pelas mãos de Stela Kehd

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Exposição na sala Mas, anexo do museu de arte sacra no metrô tiradentes, fica até 3 de setembro
Publicado em: 25/08/2017 - 16:45
Créditos: Nayá Fernandes

Ela é mãe de quatro filhos e foi a maternidade que abriu para Stela Kehde caminhos não antes trilhados em sua vida. Química por formação, Stela acabou deixando a profissão para dedicar-se ao cuidado dos filhos e há cerca de cinco anos formou-se em Artes Visuais no Instituto de Artes da Unesp. Desde então, incentivada por um professor, começou a desenvolver seu trabalho como ceramista. As primeiras esculturas feitas por Stela foram as “Santas de Mão”, que ela decidiu modelar a partir de uma inquietação pessoal: de ter uma imagem que pudesse segurar com a mão e, assim, rezar nos momentos difíceis.

“A estatueta encaixa-se perfeitamente na mão esquerda, para que a direita esteja livre e possa segurar um livro de orações ou mesmo o apoio do ônibus”, disse a Artista, durante a entrevista que ela concedeu ao O SÃO PAULO , no espaço onde as obras estão expostas até o dia 3 de setembro. A sala é um anexo do Museu de Arte Sacra de São Paulo e encontra-se na estação Tiradentes do Metrô. Aberta ao público, abriga exposições temporárias como a “Barro com fé”, mostra individual itinerante da artista Stela Kehde. Tendo passado por outros estados, como Minas Gerais e Santa Catarina, a exposição tem a característica de, a cada edição, ter incorporadas novas obras, pensadas especialmente para o novo espaço.

A imagem de 1,5m de altura e 55kg acolhe os visitantes e, ao mesmo tempo, deseja a ele bons tempos futuros. “Nossa Senhora dos Bons Tempos”, foi o nome dado à escultura pela Artista. “As pessoas me perguntam como eu nomeio cada peça, e esclareço ser a peça que, quando terminada, pede para ser chamada com determinado nome. Importante que as pessoas entendam que não são títulos de Nossa Senhora reconhecidos pela Igreja Católica, mas obras de arte que evocam as imagens de Maria, Mãe de Jesus, e querem dialogar com seus interlocutores no cotidiano, de diferentes maneiras”, explicou Stela.

“Na minha caminhada artística, o barro foi o melhor suporte que encontrei para expressar os meus sentimentos. O manuseio da massa mole da argila, ainda úmida e flexível que aos poucos vai tomando forma, permite o nascimento da imagem”, afirmou a Ceramista no material que divulgação que está sendo distribuído ao público. 

Processo

No seu ateliê, em São Paulo, Stela desenvolve experiências de queima da argila e, por isso, disse à reportagem que a formação em Química a ajuda muito. A primeira queima da argila modelada acontece a 900ºC e, após a pigmentação ou uso de outros materiais, é realizada uma segunda queima com temperatura mais elevada, podendo chegar a 1.200ºC. “Uma técnica que tenho utilizado é, por exemplo, a do Raku, em que as esculturas são tiradas do forno ainda em chamas e colocadas numa lata com folhas secas. Desse processo resultam diferentes texturas e colorações”, explicou a Ceramista, que também ministra cursos, palestras e oficinas. Stela está sempre atenta ao que pode ser reaproveitado em suas obras, como pedaços de vidro, tecidos, tijolos e até mesmo panelas, como as que usou para a obra “Ali
mentare”: um conjunto de panelas de barro enfileiradas que contém pequenas imagens dentro e simbolizam, para a Artista, “o quanto é importante alimentar a fé”. Para colorir suas obras, a Artista usa pigmentos naturais e está sempre em busca de resultados diferentes dos já obtidos. “Cada peça é única, não somente porque feita à mão, mas também porque, na cerâmica, tudo conta, a cor da argila, a temperatura do forno e, é claro, a mão do artista”, disse enquanto mostrava uma de suas esculturas preferidas, a “Nossa Senhora do Cacau Amargo”. “Esse nome veio depois que a peça estava pronta, por causa da cor resultante. Aliás, ela é minha, não a vendo para ninguém, é aquela que escolhi para deixar na minha casa”, disse Stela, que faz também esculturas para jardim, mesa ou miniaturas, e as vende com valor a partir de R$ 100. Outra técnica muito utilizada por Stela é a colocação de rendas sobre a modelagem antes da segunda queima da argila. A “Nossa Senhora das Rendas” nasceu assim e é ornada também com pequenas flores que a Artista aprendeu a fazer ainda criança. “Eu modelava pequenas rosas com o miolo do pão e só depois comia”, brincou. Mal sabia Stela que sua brincadeira seria, anos mais tarde, admirada por milhares de pessoas e despertaria nelas sentimentos tão belos quanto aqueles vividos pelas crianças.
 
Espiritualidade

“Minha arte é simples e com ela pretendo despertar a fé nas pessoas, pois penso que o ser humano precisa acreditar em algo. Tenho percebido que as imagens têm cumprido essa missão e muitas pessoas vêm agradecer porque se sentiram melhor ao passar por elas”, contou Stela, que modela esculturas sem rosto, e provoca, dessa maneira, o observador a completar a obra. Católica, mãe e esposa, a Artista gosta de permanecer longos períodos em suas mostras para sentir o retorno do público e responder às dúvidas que tenham. “Não há nada mais gratificante para um artista do que ver pessoas que ficam por minutos ou até horas observando as obras”, exclamou. Além da inspiração em Nossa Senhora, Mãe de Jesus, representações de São Jorge e São Francisco de Assis também podem ser encontradas na exposição “Barro com fé”. “Desde que vi a imagem de São Jorge, as cores me chamaram muito a atenção e quis experimentar como seria esculpi-lo”, explicou. Uma das esculturas de “Barro com fé” foi escolhida para uma exposição que homenageará o tricentenário do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida nas águas do rio Paraíba do Sul, em Aparecida (SP). “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”, escultura de Argila Terra Cota Esmaltada/Betume Dourado, realizada em 2017, fará parte de uma exposição coletiva por ocasião do Ano Mariano Nacional.