Como Pedro e Paulo, cristãos edificam a Igreja pelo testemunho do martírio

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O sangue derramado por essas duas testemunhas do Senhor é o fundamento da existência da Igreja
Publicado em: 28/06/2019 - 16:00
Créditos: Fernando Geronazzo

A Solenidade de São Pedro e São Paulo, cuja data litúrgica é 29 de junho – no Brasil transferida para o domingo, 30 –, recorda o martírio desses dois apóstolos que são considerados as colunas da Igreja de Cristo. O sangue derramado por essas duas testemunhas do Senhor é o fundamento da existência da Igreja. 

Em um sermão sobre essa solenidade, Santo Agostinho (354-430) ressaltou que esses dois apóstolos eram como um só, pois, “embora tenham sido martirizados em dias diferentes, deram o mesmo testemunho”. Segundo a tradição, ambos foram mortos em Roma, entre os anos 64 e 67, durante a perseguição do imperador Nero. 
São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, a seu próprio pedido, por não se considerar digno de morrer como seu Senhor. Foi enterrado na colina do Vaticano, onde hoje está construída a Basílica de São Pedro. São Paulo foi decapitado e sepultado no local sobre o qual foi erguida a Basílica de São Paulo Fora dos Muros.
O martírio, contudo, não foi privilégio dos apóstolos. Como eles, milhares de cristãos derramaram seu sangue no Coliseu, no Circo de Nero e nos 
anfiteatros romanos em todo o Mediterrâneo. Ao longo de 21 séculos, milhares de cristãos, incluindo crianças, jovens, testemunharam a fé em Cristo até as últimas consequências. 

SUPREMO TESTEMUNHO
Mas qual é o fundamento do martírio? A resposta é o próprio Jesus, que ao ser crucificado, “deu a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28) e exortou todos aqueles que desejarem segui-Lo a renunciar às suas vidas e a tomar a sua cruz todos os dias. 
A palavra mártir vem do grego martys, martyros, que significa “testemunha”. O mártir é uma testemunha qualificada que chega ao derramamento do próprio sangue.  O Catecismo da Igreja Católica ensina que o martírio “é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte” (2473). Já a Constituição Dogmática  Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, destaca que o mártir segue o Senhor até o fim, aceitando livremente morrer para a salvação do mundo, em prova suprema de fé e de amor. 

UNIÃO COM CRISTO
A força para enfrentar o martírio nasce da profunda e íntima união com Cristo, como recordou o Papa Emérito Bento XVI, em uma Catequese de 2010. “Porque o martírio e a vocação ao martírio não constituem o resultado de um esforço humano, mas são a resposta a uma iniciativa e a uma chamada de Deus, são um dom da sua graça, que torna capaz de oferecer a própria vida por amor a Cristo e à Igreja, e, assim, ao mundo.”
O mártir cristão, portanto, não é aquele que busca a morte como um suicida, tampouco quem, com sua morte, provoque a morte de outros. Pelo contrário, é aquele que, como afirmou São Paulo, completa na sua carne “o que falta às tribulações de Cristo” por seu corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1,24).
A aceitação da morte pode ser explícita, como no caso em que o perseguidor deixa a escolha entre renegar a fé (ou uma virtude relacionada com a fé) e a morte. A aceitação livre pode ser implícita, quando a pessoa sabe que o seu compromisso cristão pode levá-la até a morte e, não obstante, é fiel a esse compromisso. 

SEMENTE DE CRISTÃOS
No século II, o cristão Tertuliano escreveu para o imperador sanguinário Marco Aurélio que não adiantava matar mais seguidores de Cristo porque “o sangue dos mártires é semente de novos cristãos”.  E a história da Igreja confirma que, em todos os lugares do mundo onde a semente do Evangelho foi lançada, teve de ser regada com o sangue dos mártires. Depois de 250 anos de perseguição romana, o imperador Constantino, convertido ao Cristianismo, proibiu a perseguição aos cristãos. 
No entanto, a era dos mártires não corresponde apenas ao período da Igreja primitiva. O Papa Francisco tem afirmado com frequência que hoje há mais mártires cristãos do que nos primeiros séculos. “Dão a vida no silêncio, porque o seu martírio não faz notícia, mas hoje há mais mártires cristãos do que nos primeiros séculos”, ressaltou, em uma publicação no Twitter, feita em 27 de maio. 

MÁRTIRES DE HOJE
Em junho, foi divulgado um levantamento solicitado pelo secretário de Estado para Assuntos Externos do Reino Unido, Jeremy Hunt, sobre a violência contra cristãos no mundo. Constatou-se que uma em cada três pessoas sofre perseguição religiosa no planeta, sendo que 80% do total são cristãs. O estudo mostrou, ainda, que em certas regiões do planeta, como o Oriente Médio e o norte da África, a perseguição é tão extrema que atende aos parâmetros da ONU para ser considerada genocídio. 
Outros estudos também confirmam essa realidade. Em 2016, o instituto de pesquisas Pew Research, dos Estados Unidos, já indicava que os cristãos são perseguidos em pelo menos 144 países. A ONG Open 
Doors, também norte-americana, publicou um relatório neste ano segundo o qual aproximadamente 245 milhões de cristãos nos 50 maiores países do mundo sofrem altos níveis de perseguição. 

CONTRACORRENTE
Em junho de 2017, durante uma Catequese sobre a esperança dos mártires, o Papa Francisco salientou que, ao ler as histórias dos mártires de ontem e de hoje, “ficamos maravilhados diante da força com que enfrentaram a prova”. 
O Pontífice acrescentou que os cristãos são homens e mulheres “contracorrente”, pois o mundo é marcado pelo pecado, que se manifesta em várias formas de egoísmo e de injustiça, e quem segue Cristo caminha em direção contrária. 
A respeito desse aspecto, Bento XVI também enfatizou que nem todos os cristãos são chamados ao martírio, mas ninguém está excluído do chamado divino à santidade, “a viver a medida alta da existência cristã, e isto exige que tomemos todos os dias a cruz sobre nós mesmos”. 
Durante uma vigília em Londres, em 2010, Bento XVI indicou que o preço a ser pago pela fidelidade ao Evangelho não é apenas “ser enforcado, desmembrado, esquartejado”. Ainda segundo o Pontífice, “aqueles que proclamam a fé com fidelidade nos tempos atuais, muitas vezes devem pagar outro preço: ‘ser excluído, ridicularizado’.”

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