De onde vêm as relíquias de São José de Anchieta?

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Toda a relíquia é um resgaste da memória de uma pessoa que foi importante, que teve a santidade e a proximidade com o Cristo reconhecidas pela Igreja
Publicado em: 21/06/2017 - 16:15
Créditos: Redação

Historiadora e coordenadora do Museu Anchieta, Carla Galdeano é a responsável por preparar as relíquias de São José de Anchieta, que são enviadas para as paróquias que têm devoção ao Santo ou que fazem alguma referência a ele no momento da dedicação dos seus altares.

 Os pedidos das relíquias são feitos ao Cardeal Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, e encaminhados para o Pateo do Collegio. As relíquias são retiradas do úmero – o maior e mais longo osso do braço – de Anchieta, que veio, junto a outros ossos, de Lisboa, Portugal, para o Brasil em 1980. Os ossos do Santo haviam sido levados para aquele País numa urna de madeira de jacarandá, após a expulsão dos padres da Companhia de Jesus (jesuítas) do Brasil, em 1759.

Carla lembrou que “a relíquia é um resgaste da memória de uma pessoa que foi importante, que teve a santidade e a proximidade com o Cristo reconhecidas pela Igreja”. Ao ser perguntada sobre o nome da função que desempenha, Carla riu. Nascida em São Paulo e trabalhando no Pateo do Collegio há 11 anos, ela disse que não conhece outra pessoa que realize esse trabalho de manusear fragmentos de ossos de um santo e enviá-los como relíquias. “Sinto-me honrada e feliz por fazer também esse trabalho, pois sou uma grande admiradora de Anchieta. Não há como não se inspirar em Anchieta que, com poucos recursos, fez grandes coisas. Anchieta superou sua saúde frágil e dificuldades de todo tipo. Ele era boticário, professor, tradutor e teatrólogo e, com todos esses dons, aproximou-se dos indígenas”, afirmou em entrevista ao O SÃO PAULO.

Viajante

 Ao entrar na igreja que está localizada junto ao museu do Pateo do Collegio, a pequena sala com uma luz amarelada e banquinhos de madeira convida à oração e ao recolhimento. Ali está colocado, num grande relicário, o fêmur de Anchieta, osso transportado para Roma, em 1610, quando foi aberto seu processo de canonização. O osso só retornou ao Brasil na década de 1920, aproximadamente 60 anos antes da sua beatificação, celebrada pelo Papa João Paulo II.

 O padre jesuíta José de Anchieta morreu em 1597, na cidade de Reritiba, (atual cidade de Anchieta) e foi imediatamente levado pelos indígenas para Vitória (ES). “É importante lembrar que o Anchieta tinha fama de santidade em vida. Assim, logo depois da sua morte, começou uma intensa peregrinação para visitar o corpo e, sendo a cidade onde ele morreu um lugar afastado e de difícil acesso, foi decidido que ele deveria ser enterrado na capital do Espírito Santo”, explicou Carla.

O corpo de Anchieta permaneceu em Vitória durante alguns anos, mas a quantidade de peregrinos era tão grande que o então provincial dos jesuítas resolveu transferi-lo para a Catedral de Salvador (BA), onde o Santo tinha, inclusive, sido ordenado sacerdote.

Os restos mortais de Anchieta – com exceção do fêmur que foi levado a Roma, junto com documentos e o processo de canonização – permaneceram em Salvador até a expulsão dos jesuítas do Brasil, pelo Marquês de Pombal, no século XVIII.

“Podemos dizer que essa expulsão aconteceu em três etapas: primeiro houve a destituição dos territórios da Companhia de Jesus, obras e construções por parte do Governo; depois, a Coroa expulsou as pessoas, ou seja, os membros da Companhia de Jesus e, num terceiro momento, houve esforços, por parte do Marquês, para apagar a memória da Companhia. Por isso, Pombal pediu que fossem destruídas bibliotecas e proibidas referências a santos da Companhia. Quando ele descobriu que o corpo de Anchieta estava em Salvador, mandou destruir o túmulo. Porém, a pessoa designada para a destruição havia estudado no colégio dos jesuítas, em Coimbra, Portugal, e, por um respeito a essa memória pessoal, recolheu os restos mortais e enviou para Portugal”, contou Carla. Só na década de 1980, com a finalização do processo de beatificação de Anchieta, essa urna com ossos foi encontrada em Lisboa. “As pesquisas realizadas por profissionais da USP identificaram que era a mesma urna que saiu de Salvador. Testes de DNA foram realizados a partir da comparação com o fêmur. Além do úmero, havia também uma tíbia – osso que, ao lado do fêmur, é o responsável por sustentar o corpo humano – que está na cidade de Anchieta, no Espírito Santo”.

Os santos e suas relíquias

Os cânones 1.186 a 1.190 do Código de Direito Canônico falam sobre o culto aos santos, imagens sagradas e as relíquias. Segundo o texto, a Igreja recomenda a veneração dos fiéis à Bem aventurada Mãe de Deus, bem como o autêntico culto dos outros santos, para fomentar a santificação do povo de Deus. Já nos primeiros séculos do Cristianismo, os restos mortais dos mártires eram mantidos em local digno e reverenciados, como aqueles que morreram testemunhando a fé em Jesus Cristo.

Devido às perseguições, por vezes os primeiros cristãos celebraram a Eucaristia nas catacumbas, perto ou sobre os túmulos dos mártires e santos. Mais tarde, altares, santuários e basílicas começaram a ser erguidas sobre ou perto dos túmulos dos mártires e santos, como as basílicas de São Pedro e São Paulo, em Roma. Ao longo da história, e para manter a tradição, as relíquias começaram a ser colocadas nos altares das igrejas. Assim, hoje, em cada igreja, no altar, são colocadas relíquias dos santos.

Na Igreja Católica, as imagens dos santos não são, de modo algum, motivos de idolatria ou adoração por parte dos fiéis. Elas são sinais que ajudam os católicos a lembrarem-se do testemunho desses homens e mulheres que, ao longo da história, tiveram uma vida de santidade e de vivência do Evangelho.

Diferentes tipos de relíquias

A palavra relíquia tem origem no latim [reliquiae], que significa literalmente “restante” do corpo de um determinado santo ou de um objeto dele ou que teve contato com ele. 1º grau: um fragmento do corpo; 2º grau: um fragmento da roupa o de algo que o santo usava durante sua vida (rosário, Bíblia, cruz etc). Também objetos associados ao sofrimento de um mártir; 3º grau: qualquer objetivo que tenha sido tocado a uma relíquia de primeiro grau ou no túmulo de um santo.