Dom Odilo defende o dever do Estado em garantir a liberdade religiosa e de expressão

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Raquel Dodge, Cardeal Odilo Scherer, Luís Roberto Barroso, Geovania de Sá e Flávia Oliveira participaram de painel na ‘Brazil Conference 2019’
Publicado em: 12/04/2019 - 17:45
Créditos: Redação

Anualmente, desde 2015, a comunidade de estudantes brasileiros na região de Boston, nos Estados Unidos, organiza a “Brazil Conference at Harvard & MIT”, um espaço plural para discutir o passado, o presente e o futuro do Brasil.

A edição 2019 aconteceu entre os dias 5 e 7, com diferentes painéis de diálogos envolvendo pesquisadores acadêmicos, políticos e autoridades civis e religiosas.

No sábado, 6, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, participou de um dos painéis, que tratou das relações entre Estado e Religião no Brasil, com enfoque na questão da laicidade do Estado.

Mediada pela jornalista Flávia Oliveira, do grupo Globo, a atividade também contou com a participação de Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); de Raquel Dodge, procuradora-geral da República; e da deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC), que integra a bancada evangélica na Câmara dos Deputados.

O SÃO PAULO apresenta a seguir uma síntese da fala do Cardeal Scherer no evento.

 

LAICIDADE

Inicialmente, o Arcebispo de São Paulo lembrou que no Estado laico não há uma religião oficial, garantindo-se, assim, a liberdade a todos os cidadãos e organizações religiosas de manifestação a respeito da própria religiosidade.

Dom Odilo recordou uma fala do Papa emérito Bento XVI na Conferência de Aparecida, em 2007, na qual o Pontífice afirmou que se a Igreja se transformasse diretamente em sujeito político, perderia sua independência e autoridade moral.

“A autonomia dos âmbitos estatal e religioso é, sem dúvida, um bem, quando adequadamente compreendida e praticada”, afirmou o Arcebispo, apontando, ainda, que tal independência não implica, necessariamente, ruptura ou hostilidade de ambas as partes nem obrigatório alinhamento quanto ao entendimento de temas referentes ao bem comum, direitos humanos, justiça social, entre outros.

 

PLURALISMO E NÃO TOTALITARISMO

Dom Odilo ressaltou que o Estado também deve garantir a todos os cidadãos a liberdade de expressão: “Se os cidadãos que têm fé religiosa não pudessem expressar livremente suas convicções ou lhes fosse tolhido o direito a participar das responsabilidades da sociedade e do próprio Estado, estaríamos diante do pensamento único e oficial, próprio dos Estados totalitários. A liberdade religiosa e o sadio pluralismo da convivência social ficariam comprometidos e os cidadãos religiosos passariam a ser discriminados e considerados de segunda categoria, o que não é raro acontecer”.

 

LIVRE ORGANIZAÇÃO

O Arcebispo de São Paulo também disse que no Estado laico deve ser assegurada às organizações religiosas “sua livre organização para atingir seus objetivos, sempre no respeito à lei comum. Não é, pois, aceitável que o Estado seja alocado a serviço de uma única corrente de pensamento, seja laico, seja religioso”.

Dom Odilo afirmou, ainda, que há uma ética natural, com valores fundamentais consolidados ao longo de milênios, como o respeito à vida, à família, à liberdade religiosa, à liberdade em geral, à justiça, à solidariedade, que devem ser respeitados.

 

O LUGAR E O AGIR NA POLÍTICA

Dom Odilo ressaltou que não cabe à Igreja substituir o Estado, mas que, como uma das organizações da sociedade, “a Igreja sente-se no dever de oferecer a sua contribuição específica, também por meio da formação ética e da oferta de critérios de discernimento coerentes, que tornem as exigências da justiça compreensíveis e politicamente realizáveis nas diversas circunstâncias históricas e sociais”.

Apontou, também, que cabe aos leigos e não à instituição eclesial participar da militância política. “No Estado laico, os católicos proporão as suas próprias convicções e agirão em nome próprio como cidadãos e não como representantes da instituição religiosa”, e que, por essa razão, “o templo católico não pode ser o local adequado para manifestações meramente cívicas ou políticas, sejam elas de quaisquer coloridos políticos ou ideológicos. Em tempos de plena liberdade democrática, como vivemos no Brasil, o lugar para essas manifestações é a praça pública e os espaços representativos da sociedade”, afirmou.

O Arcebispo de São Paulo também lembrou que o Papa Francisco tem exortado os católicos na América Latina a participar ativamente da vida pública.

 

POR QUE NÃO HÁ UMA FRENTE CATÓLICA NA CÂMARA?

Na fala final do painel, Dom Odilo esclareceu o porquê de a Igreja Católica não ter uma espécie de frente parlamentar no Congresso Nacional para tratar de algumas pautas.

“Achamos que não é o caso de fazer uma bancada católica, pois o parlamentar católico deve se sentir à vontade em participar de todas as causas boas que apareçam em qualquer frente e proposta que sejam apresentadas no Parlamento”, comentou, afirmando, ainda, que a participação na Igreja Católica dará a esse parlamentar princípios e convicções dos quais ele se valerá na hora de defender e propor leis.

 

PAPEL DA FAMÍLIA

Durante o evento, Dom Odilo foi questionado por um dos participantes sobre a função da família na sociedade brasileira.

O Arcebispo de São Paulo enfatizou que a família deve ser protegida, estimulada e amparada para que possa assumir suas funções humana e social, competências estas que não devem ser repassadas ao Estado. Ele comentou, ainda, que quando não há uma boa formação das pessoas no seio da família, o Estado colhe os maus frutos, como a delinquência e outros desajustes sociais.

“A família natural é formada por um homem e uma mulher, naturalmente considerando os filhos que podem vir ou não. Essa constituição originária da família, segundo a natureza, é prioritária. Por isso, as outras formas ou expressões de famílias não podem ser simplesmente igualadas ao que seria a família natural em seu papel humano e social”, afirmou.

Dom Odilo também reiterou o posicionamento da Igreja em favor da dignidade humana em todas as idades, da concepção à morte, opondo-se, assim, a práticas como aborto e eutanásia.

 

O QUE DISSERAM OS OUTROS PARTICIPANTES DO PAINEL

RAQUEL DODGE, procuradora-geral da República

Ao fazer uma retomada sobre as relações entre o Estado e as religiões no Brasil, ressaltou que o Estado deve assegurar a liberdade da prática religiosa e dos posicionamentos das religiões sobre diferentes temas, e que os debates a respeito destes devem ressoar no Parlamento brasileiro para que os frutos das reflexões sejam sistematizados em leis.

LUIS ROBERTO BARROSO, ministro do STF

Defendeu o direito de as Igrejas não realizarem celebrações de casamentos homoafetivos. Elogiou o fato de o STF ter equiparado tais uniões civis a uniões estáveis convencionais. Barroso também considerou o aborto como uma prática ruim, que o Estado deve evitar que ocorra, mas sem, no entanto, criminalizar a mulher que o pratica.

GEOVANIA DE SÁ, deputada federal

Destacou que as diferentes Igrejas chegam aonde nem sempre as devidas políticas públicas do Estado chegam. Comentou que os valores de amor e respeito, cultivados na família, na escola e na Igreja, são fundamentais para a manutenção da democracia. E destacou que, no Estado laico, a pluralidade de ideias e opiniões deve ser respeitada.