1 milhão de famílias acompanhadas mensalmente

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No domingo, 26, agentes de todo o estado de São Paulo reuniram-se na catedral da Sé para celebrar 35 anos da Pastoral da Criança
Publicado em: 30/08/2018 - 17:00
Créditos: Redação

Nos prédios do centro da capital paulista, Armandinha Sarmento Pereira e outras agentes da Pastoral da Criança acompanham 56 famílias e cerca de 70 crianças que estão nas ocupações das ruas José Bonifácio e Álvaro de Carvalho. O trabalho começou há pouco mais de um ano, e novas líderes estão se capacitando para ampliar o atendimento numa das regiões da cidade com um dos mais altos índices de mortalidade infantil. 

Numa sexta-feira, após seu expediente de trabalho como agente de saúde da prefeitura, Armandinha identificou-se na portaria de um dos prédios e informouse sobre as famílias que estavam em casa para começar as visitas. Em um dos apartamentos, no terceiro andar, num cômodo único que servia como quarto de dormir, sala e cozinha, uma pequena tinha acabado de tomar banho e estava na cama brincando com a futura madrinha, que a distraía enquanto a mãe preparava o jantar. Aos 6 meses de vida, ela iria ser batizada junto com outras crianças na Paróquia São Francisco de Assis, igreja histórica que abriga o convento dos frades franciscanos. 

Entre as informações fornecidas pela agente da Pastoral da Criança, estavam os requisitos necessários para a madrinha e como a família deveria preparar-se para o Batismo da pequena, primeira filha do casal. Ali, no mural que fica na recepção do prédio, Armandinha afixou os cartazes que informam sobre os horários das atividades na Paróquia e, sobretudo, dia e horário da celebração da vida, que agrega todas as famílias acompanhadas pela Pastoral na região.

 

A PASTORAL DA CRIANÇA

Em todo o Brasil, uma média de 83 mil voluntários acompanham mensalmente 800 mil crianças e quase 50 mil gestantes em 3.349 municípios. Só no Estado de São Paulo, cerca de 65 mil famílias recebem, da Pastoral da Criança, apoio para cuidar da saúde das crianças de 0 a 6 anos e orientações sobre alimentação saudável, amamentação, campanhas de vacinação etc. “Mas a base da Pastoral da Criança é, sem dúvida, a Evangelização”, disse, à reportagem do O SÃO PAULO, Irmã Veneranda Alencar, coordenadora nacional da Pastoral da Criança.

Após receberem capacitação adequada de outras líderes, os agentes da Pastoral da Criança fazem as visitas às famílias com um caderno na mão. 90% dos agentes são mulheres e muitas delas já foram acompanhados pela Pastoral, como gestantes ou mães de filhos menores de 6 anos. As informações sobre peso, vacinas, problemas de saúde, visitas médicas, alimentação, restrições ou mesmo situações específicas vividas pelas famílias são anotadas nesse caderno personalizado, que vai sendo preenchido a cada visita, com novos dados.

As informações são enviadas com certa periodicidade à central da Pastoral da Criança, em Curitiba (PR), que pode realizar um acompanhamento efetivo das famílias e verificar quais as prioridades do acompanhamento realizado pela Pastoral.

“Muitas famílias aproximam-se da Igreja Católica por meio da Pastoral da Criança. Mensalmente, fazemos a celebração da vida em que as famílias se reúnem para rezar e partilhar a vida. Em geral, são nessas ocasiões que a Paróquia, por meio de outras pastorais, ajuda as famílias a compreenderem o valor dos sacramentos e da vida em comunidade”, comentou Armandinha, que falou também sobre o grande número de imigrantes que são acompanhados pela Pastoral da Criança no centro de São Paulo. 

 

CELEBRAÇÃO

A celebração dos 35 anos da Pastoral da Criança acontece em âmbito estadual em dias e horários delimitados por cada região. No domingo, 26, grupos da Pastoral de todo o Estado de São Paulo reuniram-se na Catedral da Sé para atividades que tiveram início com a caminhada do Pateo do Collegio rumo à Praça da Sé e continuaram após a missa presidida pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, dentro da Catedral. 

A igreja ficou lotada para a missa, que começou às 11h, precedida por atividades de animação que aconteceram no palco montado em frente à Catedral. Na homilia, Dom Odilo agradeceu o trabalho da Pastoral da Criança e lembrou a Doutora Zilda Arns e o Cardeal Geraldo Majella Agnelo, fundadores da Pastoral da Criança.

Aos agentes da Pastoral da Criança, o Cardeal salientou que é importante preocupar-se não somente com o pão que serve para a saúde do corpo, mas também com o pão da Palavra. “Que vocês se preocupem com a ‘papinha’ do pão verdadeiro, da Palavra de Deus, transmitida de maneira simples, às famílias”, disse Dom Odilo. “Não tenham medo de dizer que vocês estão servindo ao Senhor ao cuidar das crianças, ao servir as famílias”, continuou.

“É neste cenário que estamos hoje reunidos com muita alegria e o coração transbordando para render graças a Deus pela missão a nós confiada. Vocês todos são os anjos que se dedicam, misericordiosamente, na missão da Pastoral da Criança, de levar vida e vida em abundância. A festa que hoje comemoramos é a festa da vida sobre a morte, isso sim é digno de ser celebrado, pois a vida é o dom mais precioso que recebemos de Deus”, disse, no fim da celebração, Eunice Gomes Rodrigues, coordenadora da Pastoral da Criança em São Paulo. 

Com cartazes e flores nas mãos, os agentes da Pastoral fizeram uma homenagem à Doutora Zilda Arns, que nasceu no dia 25 de agosto, dia em que a Pastoral da Criança escolheu para comemorar sua data de fundação. Na ocasião, durante a missa, também foram recordados o aniversário de fundação da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, em 1977, e os 12 anos de morte de Dom Luciano Mendes de Almeida – em 27 de agosto de 2006 –, um dos fundadores da Pastoral do Menor. 

 

HISTÓRIA

Em 1983, a pedido da CNBB, Zilda Arns criou a Pastoral da Criança juntamente com o Cardeal Geraldo Majella, Arcebispo Emérito de São Salvador da Bahia, que na época era Arcebispo de Londrina (PR).

O método desenvolvido para a Pastoral foi a da multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres, baseando-se no texto sobre o milagre da multiplicação dos dois peixes e cinco pães que saciaram 5 mil homens, trecho narrado no Evangelho de São João (Jo 6, 1-15). A educação das mães realizada por líderes comunitários capacitados revelou-se a melhor forma de combater a maior parte das doenças facilmente preveníveis, em grande parte dos casos.

De porta em porta, os agentes acreditavam que fosse possível reduzir a mortalidade infantil causada pela desnutrição, por meio de uma simples fórmula, baseada na orientação às famílias mais carentes e na oferta da multimistura, um complemento alimentar.

Coordenadora da Pastoral da Criança há 2 anos, Irmã Veneranda atua na Pastoral há 22 anos e recorda que, com a diminuição da mortalidade infantil no Brasil, um dos principais desafios apresentados à Pastoral é o da obesidade e da má alimentação das crianças, com o excesso de ingestão de alimentos industrializados. 

“A obesidade apresenta-se como um problema sério do nosso tempo, mas nós sempre refletimos que o que dá sentido à Pastoral e o seu pedestal é a evangelização. Às vezes, nos perguntamos: ‘e se as crianças não precisassem mais do trabalho social desenvolvido pela Pastoral, se todas estivessem em segurança e sendo acompanhadas pelo Governo e por suas famílias de maneira adequada – o que hoje no Brasil é um sonho – a Pastoral deixaria de existir?’. A resposta é muito clara para nós: ‘a Pastoral jamais deixaria de existir, pois nossa missão é evangelizar’”, continuou Irmã Veneranda.

 

MARCAS

Júlia Adrielly Menezes, 20, e Wellington dos Santos, 25, vieram da cidade de Serrana (SP) para participar da celebração de 35 anos da Pastoral da Criança na Catedral da Sé. Júlia acompanha sua mãe desde os 8 anos de idade na missão da Pastoral e ainda criança viveu uma experiência que marcaria para sempre sua vida. 

“Nós fomos em família fazer as visitas nas casas. Éramos minha avó, meus pais e eu. Lembro-me que chegamos a uma casa em que um menino, com cerca de 2 anos de idade, estava comendo a mistura de fubá com água. Minha avó pegou a criança no colo para ajudá-la a comer e, quando acabou o que estava no prato, ele disse à sua mãe que queria mais um pouco. A mãe respondeu que não tinha mais e aquele era o último fubá que eles tinham em casa. Eu nunca esqueci aquela cena e, desde então, decidi que queria continuar na Igreja para ajudar as pessoas, em tudo o que eu pudesse”, contou a jovem. 

Júlia e o namorado, Wellington, atuam juntos na Pastoral da Criança e ela é uma das líderes que ajudam outras líderes no uso do aplicativo, desenvolvido pela Pastoral da Criança para atrair agentes jovens. “O aplicativo nada mais é do que o caderno, para o acompanhamento das famílias, só que de forma digital”, explicou Júlia, que além de agente da Pastoral da Criança, faz parte do grupo de jovens de sua paróquia. 

“Eu nunca tive vergonha de dizer que sou católica e que vou, junto com minha família, às atividades na comunidade. Pelo contrário, tenho orgulho de ser jovem e viver esta experiência de fé”, disse Júlia, em entrevista à reportagem. 

Keli Cristina também se sentiu chamada a fazer parte da Pastoral enquanto participava da missa na Paróquia Santa Gemma Galgani, em Santo André (SP), há 18 anos. “Eu trabalhava como professora e, quando o padre comentou sobre o trabalho da Pastoral da Criança, eu me identifiquei muito”, recordou. Hoje, Keli é responsável pelo setor “Brinquedos e Brincadeiras”, que estimula as famílias a brincar com os pequenos e a construir com eles brinquedos com materiais reciclados. 

 

DESAFIOS

No Brasil, milhões de famílias ainda convivem com esgoto a céu aberto, ausência de coleta regular de lixo e escassez de água potável. Essa cena se repete tanto em cidades menores quanto na periferia dos grandes centros urbanos. Segundo dados divulgados pelo Ministério das Cidades, por meio do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e mais de 100 milhões não são contemplados com coleta dos esgotos. 

Embora nos últimos 20 anos o Brasil tenha reduzido em 77% a mortalidade de crianças menores de cinco anos, um dos maiores percentuais de queda do mundo, bem como a incidência da desnutrição e de infecções, com o acesso ao sistema de saúde universalizado, a taxa de mortalidade na infância (proporção de óbitos de menores de cinco anos para cada mil nascidos vivos) subiu 11% em 2016, em comparação com o ano anterior. 

Os dados foram tabulados pela Fundação Abrinq, a partir de informações do Ministério da Saúde/DataSUS, IBGE e outras fontes oficiais. Seguindo as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), a mortalidade na infância caiu de 30,1/para cada mil nascidos vivos, no ano 2000, para 14,3, em 2015. 

As ações dos agentes da Pastoral da Criança visam garantir que cada criança tenha oportunidade de se desenvolver plenamente. Para isso, é preciso dar atenção especial aos primeiros mil dias de vida da criança, que incluem a gestação e os dois primeiros anos.

 

ZILDA ARNS

Nascida no dia 25 de agosto de 1934 na cidade de Forquilhinha (SC), Zilda Arns Neumann começou a Pastoral da Criança ao fazer o que a CNBB, na pessoa do seu irmão, Cardeal Paulo Evaristo Arns (1921-2016), lhe pediu, ainda no ano de 1982: o trabalho de acompanhamento das crianças brasileiras para tentar reduzir o número de mortes por desnutrição, que, nos anos de 1980, era de 80 para cada mil nascidos vivos. A Pastoral foi fundada oficialmente em 1983, na cidade de Florestópolis (PR), com o trabalho de Zilda Arns, médica sanitarista.

Zilda morreu no dia 12 de janeiro de 2010, no terremoto que devastou o Haiti. Nesse mesmo dia, discursou sobre como salvar vidas com medidas simples, educativas e preventivas. Fez o que sempre falou: congregar mais pessoas para se unirem na busca de “vida em abundância” para crianças e gestantes pobres.

“A Pastoral da Criança, desde o início, teve a preocupação não só de reduzir a mortalidade infantil e a desnutrição, mas também de promover a paz nas famílias e comunidades, pelas atitudes de solidariedade e a partilha do saber a todas as famílias”, afirmou Zilda Arns, em um dos trechos reproduzidos no site da Pastoral.

Mãe de cinco filhos e avó de dez netos, Zilda escolheu a medicina como missão e enveredou pelos caminhos da saúde pública, experiência fundamental para seu trabalho de 27 anos de dedicação à expansão da Pastoral da Criança no mundo, bem como a fundação da Pastoral da Pessoa Idosa, em 1993.