Comunicar a misericórdia

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Em mensagem para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, Papa Francisco incentiva o uso de “palavras e gestos” que promovam encontro e inclusão
Publicado em: 01/02/2016 - 10:00
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3086

Por Filipe Domingues,
da Cidade do Vaticano

A forma como se transmite a mensagem da misericórdia de Deus é tão importante quanto o conteúdo. Essa é uma possível linha de leitura da mensagem do Papa Francisco para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que será celebrado no dia 8 de maio. Neste ano, o Pontífice propõe uma reflexão sobre “Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo”.

O texto foi divulgado pelo Vaticano na sexta-feira, 22, em coletiva de imprensa da qual O SÃO PAULO participou. “O que dizemos e como o dizemos, cada palavra e cada gesto devem poder exprimir a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos”, afirma o Papa. Em vários pontos, ele incentiva a Igreja a utilizar uma linguagem inclusiva, dedicando atenção especial ao “modo de comunicar”. E não só a Igreja, mas todos os povos, a política e a diplomacia.

O poder das palavras

“Como filhos de Deus, somos chamados a nos comunicar com todos, sem exclusão. Em especial, é próprio da linguagem e das ações da Igreja transmitir misericórdia, de modo a tocar os corações das pessoas”, detalha. Segundo o Papa, as palavras devem ajudar a “aumentar a comunhão” e, mesmo quando o cristão deve condenar algum mal, precisa procurar “não despedaçar jamais a relação e a comunicação”. Diz no texto: “Como é belo ver pessoas empenhadas em escolher com cuidado as palavras e os gestos para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia.”

Mais adiante, o Pontífice repete que “somente palavras pronunciadas com amor e acompanhadas de brandura e misericórdia tocam os corações de nós, pecadores”. Em vez disso, “palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queremos conduzir à conversão e à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa”. Para as autoridades públicas e os jornalistas, Francisco faz o mesmo pedido: “Estejam sempre vigilantes sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age de forma diferente ou ainda de quem possa ter errado. É fácil ceder à tentação de explorar tais situações e, assim, alimentar as chamas da desconfiança, do medo, do ódio.”

Segundo o presidente do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, Dom Claudio Maria Celli, a mensagem do Papa reforça o que o Pontífice chama de “uma Igreja em saída”, aberta aos pobres e em profundo espírito de oração.

“Deus nos manda pregar e, ao mesmo tempo, estar com Ele. Parece uma contradição, mas não estar com Ele é cansar-se, ocupar-se de muitas coisas, mas não ‘acordar em nós o espírito de alegria’, como diz São Francisco de Sales”, observou o Arcebispo, em missa celebrada anualmente com jornalistas no Vaticano. Para Dom Celli, os profissionais da comunicação devem descobrir como ajudar os outros a sentir “um pouco de perfume do Evangelho”, nas palavras de São Francisco de Sales.

Uma regra fundamental

A ênfase que o Santo Padre atribui ao “modo” da comunicação leva a uma associação quase imediata com o seu próprio estilo de liderar a Igreja, marcado por frases de efeito e gestos de aproximação a quem sofre. Porém, questionado pelo O SÃO PAULO sobre essa relação, o Monsenhor Dario Viganò, Prefeito da recém-criada Secretaria para a Comunicação da Santa Sé, respondeu que o “como se diz” é uma regra fundamental da comunicação, presente em todos os pontificados. “Digamos que essa mensagem explicita este elemento do que é dito e como é dito. Mas essa é uma regra fundamental que atravessa todas as grandes mensagens dos papas”, afirmou.

“Penso, por exemplo, no modo como Papa Bento XVI comunicou que por graves motivos de saúde, de idade, de força física, não poderia mais gerir a Igreja como papa”, acrescentou. “Naquele modo, emergiu toda a sua dimensão fortemente espiritual. Existia a consciência, claramente manifestada no modo, que a Igreja é acima de tudo a Igreja de Jesus. Portanto, são elementos sempre presentes. Existe uma grande continuidade.”

Comentando a mensagem do Papa Francisco, Monsenhor Viganò, que também é professor de Comunicação, recordou que “a misericórdia é o traço distintivo do agir e do ser da Igreja”. Ele explicou que, por ser portadora da memória de Jesus, a Igreja não pode recusar suas palavras de misericórdia. “São palavras esperadas por quem pensa estar longe do Deus da misericórdia, do qual frequentemente temos uma imagem deformada, como Deus sendo um juiz impiedoso e incapaz de se envolver com os limites do sofrimento”, disse. Ele recordou, ainda, as palavras do Papa João XXIII, de que a Igreja “prefere usar o remédio da misericórdia que empunhar as armas do rigor”.

De fato, no mesmo sentido, segue a mensagem do Papa Francisco quando afirma: “Como eu gostaria que o nosso modo de comunicar e também o nosso serviço de pastores na Igreja nunca expressassem o orgulho soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhassem aqueles que a mentalidade do mundo considera perdedores e descartáveis”.

O próprio modo como a mensagem do Papa foi escrita é por si só um exemplo de como “o modo de comunicar” é essencial. Possivelmente buscando mostrar que a misericórdia é um valor também para quem não crê em Deus, o Pontífice escolhe palavras do escritor inglês William Shakespeare em “O mercador de Veneza”, e insiste: “A misericórdia não é uma obrigação. Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É uma dupla bênção: abençoa quem a dá e quem a recebe”.