A Catedral da Sé em diálogo com a metrópole

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Projetos culturais e sociais estão sendo pensados para que a Catedral da Sé possa ser, cada vez mais, referência religiosa e cultural no centro da cidade e ajude a transformá-lo
Publicado em: 02/02/2018 - 12:00
Créditos: Redação

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

Tocar uma pedra e descobrir, por meio de um painel interativo, onde ela foi utilizada na construção da Catedral da Sé, dentro de um museu histórico, é apenas um dos muitos projetos que estão sendo pensados para tornar a Catedral, localizada no coração de São Paulo, um lugar que concentre informações sobre a construção da própria igreja, da praça e da cidade para fiéis e turistas de modo geral. 

No dia 25 de janeiro, quando a cidade de São Paulo chegou ao seu 464º aniversário e a Catedral 64 anos de inauguração, foi pensada uma série de atividades que marcasse a data, já tradicionalmente comemorada pelos paulistanos de diferentes maneiras. 

Em entrevista ao O SÃO PAULO , Camilo Cassoli, consultor responsável pela captação de recursos e ação cultural da Catedral da Sé, falou sobre ações que já estão sendo realizadas e muitas outras que serão implementadas a médio e longo prazo. Uma delas é justamente um museu permanente que conte a história da construção da Catedral da Sé, as mudanças na Praça e, ao mesmo tempo, o crescimento da cidade ao seu entorno.

No dia do aniversário da cidade, após a missa, as pessoas puderam prestigiar, gratuitamente, um concerto da Bachiana Filarmônica Sesi-SP, sob a direção do Maestro, internacionalmente reconhecido, João Carlos Martins e, posteriormente, as que adquiriram o convite, um Brunch especial que incluía a oportunidade de visitar as torres e a cúpula da Catedral, considerada o maior templo neogótico do País.

 

MÚSICA, MAESTRO!

Pelo terceiro ano consecutivo, a Bachiana Filarmônica Sesi-SP se apresentou na Catedral da Sé, por ocasião do dia 25 de janeiro. Dessa vez, o Maestro, além de conduzir um repertório surpresa, tocou ao piano algumas peças, entre elas uma de Mozart, e regeu outras como ‘Jesus alegria dos homens’, de Bach, compositor que dá nome à orquestra, Beethoven, Vila Lobos, e ‘Trem das Onze’, de Adoniram Barbosa, durante a qual o Maestro convidou o público para cantar junto. 

Em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO , João Carlos Martins, pianista e maestro, fundador da Fundação Bachiana e considerado por mídias internacionais um dos maiores intérpretes de Bach do século XX, disse que considera ‘Trem das Onze’ um hino de São Paulo e que vive, junto à sua orquestra, a missão de difundir a música clássica. “É normal acontecerem concertos dentro das igrejas e, no Brasil, estamos aplicando isso em muitas cidades do interior, mostrando que aqueles fiéis que vão à igreja, depois voltam para uma sala de concerto. É uma missão que a Bachiana tem e que estamos tentando cumprir tendo como carro chefe a Catedral da Sé”, disse. 

João Carlos, que começou sua carreira como maestro, após problemas físicos que dificultaram suas execuções ao piano, enfatizou que só existe – ou deveria existir – um tipo de música, aquela de bom gosto. “Quando a música é de bom gosto, pode ser popular ou de qualquer gênero, eu sempre estou ao lado e apoiando. Eu só não gosto quando a música não tem nenhum fundamento emocional, nem nenhuma mensagem.”

Além disso, o Maestro salientou que está na música sacra a origem da música. “Tudo começa com o canto gregoriano que depois, no renascimento, foi ganhando forma. A música ocidental, com um sistema temperado, tem em Bach seu maior compositor.” Ao ser perguntado sobre seu desejo para a cidade de São Paulo, João Carlos Martins disse que os cidadãos paulistanos estão precisando de esperança. “Desejo que a esperança faça parte de todos os habitantes de São Paulo, é isso que nós precisamos: esperança.” 

Foi a terceira vez, também, que Cesar Miranda, spalla e violinista da Bachiana, apresentou-se na Catedral da Sé. Ele, que faz os solos de violino nas apresentações, é o braço direito do maestro e disse que é sempre uma experiência única tocar dentro da igreja. “A Catedral é belíssima e é muito bom tocar dentro dela e sentir a alegria do local”, afirmou Cesar, que estudou violino de forma independente.

Para Camilo, os concertos são atividades muito interessantes, e o objetivo é que eles se tornem parte de uma agenda fixa de eventos. “Queremos aproveitar a posição geográfica e também histórica da Catedral na cidade para trazer outras pessoas e, com estes eventos, ajudar na manutenção do próprio templo”, explicou. 

 

À MESA!

Pela quarta vez, em momentos pontuais e com cardápios variados, a Catedral abriu as portas para acolher um evento que traz para os espaços internos da igreja um momento de descontração e cultura: o Brunch . “É uma forma de manter contato com pessoas que podem apoiar os projetos e colaborar na viabilização do evento, com patrocínios e troca de serviços, além da oportunidade de participar das celebrações e conhecer espaços que ainda não estão abertos ao público”, continuou Camilo, que falou ainda sobre outras modalidades de eventos que estão sendo pensados para atingir públicos variados. Na atual, com chefes de cozinha que assinam o cardápio, a participação no Brunch tem o custo médio de R$ 200,00. 

Para André Ahn, que está à frente do restaurante Clos, na Vila Nova Conceição, há dois anos, este foi um dos eventos mais importantes da sua trajetória como chefe de cozinha. “Foi uma grande honra e uma imensa felicidade ter sido convidado para cozinhar em espaços anexos do templo da  Catedral da Sé, ainda mais no aniversário da cidade. Comemorar esse dia num evento para a cidade, num símbolo como a Catedral da Sé, é realmente muito especial”, afirmou.

Aos 35 anos, o paulista de Santos (SP) pensou num cardápio que dialogasse com o espaço. Por isso, no menu formado por uma entrada com oito tipos de canapés, utilizou em cada receita um ingrediente que decora a Catedral, como jabuticaba, laranja, caju, baunilha e amendoim. Além disso, as sobremesas foram feitas a partir de biscoitos e licores que são vendidos, diariamente, na lojinha que fica na entrada da igreja e que são produzidos dentro de mosteiros e casas de congregações religiosas. 

No dia 25, uma equipe com cerca de 40 pessoas serviu aproximadamente 140 convidados, que além de participarem da missa e do concerto com João Carlos Martins, puderam apreciar os pratos pensados por André e conhecer melhor os espaços da  Catedral. ​

Na quarta edição, o ‘Brunch na Catedral da Sé’ - que teve à frente o chefe de cozinha André Ahn -faz parte dos projetos culturais que estão sendo pensados para que se desenvolvam na Catedral, atividades que dialoguem com o centro da cidade, como concertos, oficinas e a criação de um museu histórico; além da venda de produtos com a marca oficial
 

 

CENTRO CULTURAL E RELIGIOSO

Uma nova marca da Catedral foi criada e com ela já estão sendo desenvolvidos produtos específicos como cadernos e canetas. “Pelo fato de a Catedral ser uma construção relativamente recente em relação à outras catedrais, temos muitas imagens de sua construção. Já foram realizadas, por exemplo, a reprodução de fotos em padrão museológico, com certificado de autenticidade, que as tornam obras de arte e que estão sendo comercializadas. A partir dessas fotos, pretendemos produzir cadernos, camisetas, por exemplo, que sejam mais acessíveis ao público e que possam ser adquiridos por quem quer uma lembrança da Catedral ou até mesmo pela internet, por pessoas que nunca a conheceram”, explicou Camilo. 

Outra ação, que promete transformar a relação das pessoas com o espaço é a criação de um museu histórico. “Tudo está em estágio inicial, a ideia é ter um museu permanente e também com exposições temporárias. Existem 400 metros entre o Pateo do Collegio e a Catedral e são 450 anos de história da cidade que separam estes dois marcos. Quando a Catedral é inaugurada, em 1954, São Paulo já é uma megalópole. Contar a história da Catedral é contar a história de São Paulo, incluindo não só a explosão ocupacional, mas das diferentes culturas que a construíram, de muitos lugares diferentes do mundo”, continuou Camilo, que falou também sobre os investimentos em tecnologia que precisam ser realizados e para os quais a equipe ainda está no processo de captação de recursos.

Outras ações, como a restauração do órgão estão contempladas neste grande projeto. O objetivo, contudo, é o diálogo com o entorno e a manutenção do próprio templo que hoje não é autossuficiente e não consegue manter-se com o que arrecada com doações e o dízimo dos fiéis. 

“Queremos atrair pessoas para fazer da Catedral um lugar de acolhida e de convergência das pessoas no centro da cidade. É claro que a grande oferta que a Catedral faz é do Evangelho, do encontro com Deus, seja pela pregação da Palavra, seja pelo acolhimento na igreja.  Nós queremos que muitas pessoas, se sentindo aqui acolhidas e seguras, comecem a vir também para participar das celebrações”, enfatizou Padre Luiz Eduardo Baronto, atual cura da Catedral. Ele salientou também que os projetos têm em vista a manutenção da Catedral.

 

PROJETOS SOCIAIS

Sobre o diálogo com o entorno, sobretudo em relação às pessoas em situação de rua que ficam, em grande número, na Praça da Sé, Camilo disse “que quanto melhor a Catedral estiver, isso refletirá na Praça e vice-versa”.  

Em parceria com a ‘Projeto Vida Nova’, que será inaugurado ainda este ano e manterá um prédio localizado em frente à Catedral, pretende-se desenvolver ações que incidam diretamente na vida das pessoas, como a geração de renda e oficinais musicais e artísticas. “Fala-se muito sobre a questão da revitalização do centro e essa é uma ação da Catedral que não pode estar isolada, mas acontece juntamente com ações do poder público e também da iniciativa privada. Tanto do ponto de vista cristão quanto do ponto de vista social, é importante que a Catedral e a Praça caminhem juntas em termos de melhoria e que esta seja uma ação sólida e permanente”, explicou Camilo Cassoli.