Convento são Francisco de assis completa 370 anos no coração de São Paulo

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O complexo que abriga duas igrejas, o convento dos freis franciscanos e a faculdade de direito da USP era o maior prédio construído de São Paulo, em 1647
Publicado em: 11/09/2017 - 12:00
Créditos: Redação

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO

A chegada ao Santuário São Francisco de Assis é acompanhada pela cena de um frei franciscano que, com alegria e solicitude, vende pães feitos pelos próprios religiosos que moram no Convento ao lado da igreja. O Convento e Santuário, que completa 370 anos no dia 17 de setembro, mantém o chamado “pão dos pobres” e distribui, diariamente, refeições para cerca de 800 pessoas em situação de rua. “O que é arrecadado com a venda é revertido para a fabricação dos pães que são distribuídos para os pobres”, explicou Frei Marcos Melo à reportagem. 

A data de fundação do Convento – 17 de setembro - é simbólica, pois, no mesmo dia, toda a família franciscana celebra a festa das Chagas de São Francisco. O Santuário São Francisco de Assis, antes uma igreja conventual, tornou-se paróquia em 1940, santuário em 1997, e faz parte de um grande complexo localizado no Largo São Francisco. Em 1647, quando foi fundado, após quatro anos de obras, era o maior prédio construído de São Paulo e, por isso, escolhido para sediar um dos cursos jurídicos instituídos por decreto, por Dom Pedro I, em 1827.

A inauguração da atual Faculdade de Direito da USP aconteceu no dia 11 de agosto de 1827. Na ocasião, a Ordem dos Frades Menores Franciscanos (ofm) passava por um período de crise, com apenas seis religiosos residindo no Convento - que já havia abrigado mais de 200. “Acreditava-se que essa acomodação [da Faculdade de Ciências Jurídicas] seria por pouco tempo e, pela generosa contribuição para a cidade, os freis aceitaram o pedido”, descreve o livro “Convento e Santuário São Francisco”, que será lançado no dia 17 e poderá ser adquirido na secretaria da Paróquia. 

Em outro texto, publicado pela “Revista Brasil-Europa : Correspondência Euro-Brasileira ”, em 2014, o motivo de uma aparente decadência do Convento era “resultado da opressão da Ordem por parte do Estado e da política à época. O impedimento de aceitação de noviços levava ao envelhecimento da vida conventual e a uma gradual extinção dos conventos”. Assim, devido ao tamanho e ao número reduzido de religiosos, o edifício foi solicitado pelo Governo para a instalação da Academia de Direito. 

Construída em taipa de pilão, a antiga Igreja de São Francisco e São Domingos tem paredes com 1,5 metros de espessura. Embora sucessivas reformas tenham dado ao seu interior características barrocas, ela tinha, a princípio, características da arquitetura colonial, como o Pateo do Collegio. 

Em 1884, após um incêndio que danificou a igreja, a fachada – restaurada no mês de agosto, por ocasião dos 370 anos – foi modificada e a entrada central foi aberta.

Por esse motivo, o complexo que faz aniversário em 2017 corresponde ao espaço do atual Santuário São Francisco e a algumas salas anexas, que antes pertenciam também ao Convento e não foram demolidas em 1930, como os demais espaços que deram origem ao novo prédio da Faculdade de Direito, de estilo neocolonial.

 

Casa dos pobres

Em entrevista ao O SÃO PAULO , Frei Alvaci Mendes da Luz, ofm, Pároco e Reitor do Santuário, recontou a história de 370 anos da pequena igreja e falou sobre os projetos que têm sido realizados para que o serviço religioso dialogue sempre mais com a região geográfica na qual o Santuário está localizado. 

“O Convento sempre teve uma característica social. Era conhecido como “Casa dos Pobres”. E, ainda hoje, existe o ‘pão dos pobres’, pães que são feitos com as doações das pessoas, seja em dinheiro, seja com os ingredientes necessários para fazer o pão, como farinha de trigo. Antigamente, os próprios freis cultivavam horta, cozinhavam e distribuíam alimentos preparados por eles. A Marquesa de Santos também fazia, nas dependências do Convento, suas ações pelos pobres”, contou Frei Alvaci. 

Ao adentrar pelos corredores que abrigam a secretaria e um departamento chamado pelos freis de Pró-vocações, é possível ver o teto de vidro sobre o espaço onde as pessoas em situação de rua são atendidas diariamente. Ali, a Ordem dos Frades Menores Franciscanos mantém a Associação Franciscana de Solidariedade (Sefras) e presta auxílio a cerca de 800 pessoas ininterruptamente. 

“No verão, servimos todas as refeições: café da manhã, almoço e jantar, além de um chá da tarde, que ficou conhecido como ‘Chá do Padre’. No inverno, de maio a outubro, o espaço transforma-se numa hospedaria. As mesas dão lugar a camas, onde dormem cerca de cem pessoas”, detalhou Frei Alvaci. 

Em relação às pastorais, o Pároco explicou que o trabalho da Pastoral da Criança tem crescido muito na Paróquia. “Temos procurado dialogar com o centro. A Pastoral da Criança, que foi implantada há um ano na Paróquia, já alcançou ótimos resultados. Eles entram nos prédios ocupados e, uma vez por mês, há uma celebração aqui no Santuário. Já são 170 famílias inscritas na Pastoral, que tem crescido bastante e, na minha opinião, tem tudo a ver com São Francisco. A Pastoral da Criança realiza um trabalho muito sério e as equipes sempre contam com a presença de médicos e profissionais da saúde, o que dá muita credibilidade. A Catequese, por conta da Pastoral da Criança, também tem crescido bastante. Temos quase 80 crianças e adolescentes na Catequese, a grande maioria vinda das ocupações do centro”, salientou o franciscano.

Cinco missas diárias são celebradas no Santuário São Francisco, que mantém horários de confissão das 8h às 17h e missas especiais, uma vez por mês, com intérprete de libras, além das festas de Santo Antônio, São Francisco, Santa Clara, e outros santos franciscanos mais conhecidos. O Convento ficou conhecido na Arquidiocese de São Paulo como um lugar que acolhia muitas pessoas para o sacramento da Confissão.“O próprio Dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016) chamou este Convento de Confessionário de São Paulo”, contou Frei Alvaci. O Cardeal Arns, inclusive, quando Arcebispo Emérito de São Paulo, atendia no Convento e, durante anos, fez do espaço seu lugar de encontro com as pessoas. 

 

Arte!

Como espaço cultural, o Convento tem procurado manter exposições e participar dos eventos promovidos pelo município. No dia 1º, por ocasião do aniversário do Santuário, duas exposições foram abertas ao público, com visitações de segunda-feira a sábado, das 7h30 às 17h30, e aos domingos, das 7h30, às 13h. São elas: “Cores da Fé”, com quadros do artista Edu das Águas, e “Os caminhos de Dom Paulo em São Paulo”, com fotos de Douglas Mansur, que retratam a trajetória do franciscano Dom Paulo Evaristo Arns (veja mais na programação abaixo). Em janeiro de 2018 terá início uma exposição que retrata o rio São Francisco. 

Além disso, anualmente, o Convento promove a “Exposição Franciscana de Presépios”, que em 2017 chegará à 28ª edição, com exposição de presépios de diferentes lugares do mundo. “Nos fins de semana, acolhemos também muitos turistas e temos uma parceria com a Associação Viva o Centro, além de participar das Viradas do Patrimônio”, continuou Frei Alvaci. 

“Já no que se refere ao interior do Santuário, e às obras de arte, temos azulejos que são assinados pelo Liceu de Artes de São Paulo, e pinturas que retratam vários fatos da vida franciscana e estavam escondidas desde 2007, quando começou o restauro do teto. Além das imagens portuguesas, aqui temos móveis de jacarandá, nas estalas do coro e na sacristia”, disse o Frei. As imagens de São Francisco e da Imaculada Conceição, por sua vez, são consideradas entre as mais belas do País e constam, por exemplo, em livros de história quando tratam sobre obras de arte no Brasil. 

O Reitor salientou, também, que a igreja passou por muitas intervenções e foi alvo de disputa entre a Ordem Franciscana e a Faculdade, que queria o espaço para ampliar suas dependências. Outro problema que descaracterizou a decoração original foi um incêndio que aconteceu em 1980. “Só as imagens da Imaculada Conceição e de São Francisco foram salvas. Depois de 1980, tudo foi refeito. O altar, que era de madeira, foi substituído por outro, cujas peças foram trazidas da Alemanha.” 

Os contratempos históricos e a construção da Faculdade de Direito, onde antes era o Convento, trouxeram também outras perdas para a Ordem em seu patrimônio cultural. A biblioteca, por exemplo, que hoje pertence à Faculdade, tem livros raros e bíblias antigas. Aberta ao público, ela possui cerca de 300 mil títulos, muitos de autoria de ex-alunos, como Rui Barbosa, Castro Alves, Monteiro Lobato e Álvares de Azevedo.
 

 

Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco

Ao lado do Santuário São Francisco está a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, que pertence e é mantida pela Ordem Terceira Franciscana. Originalmente, uma capela construída em 1676, a Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco foi terminada apenas em 1787. Tombada pelo patrimônio histórico em 1982, contém bustos de terracota do século XVII, estátuas de santos e documentos do século XVIII, castiçais banhados em ouro e pinturas em tela e nos forros. Com características barrocas que seguem a linha do rococó, tem altares folheados a ouro, e suas estátuas exibem três fases do barroco – a clássica, a primitiva e a posterior.

 

Espiritualidade

Inspiradas em São Francisco de Assis, as diferentes ordens e congregações franciscanas que surgiram ao longo da história veem nele e nos demais santos franciscanos modelos de vida e testemunhas do seguimento a Jesus. A simplicidade de vida, a proximidade aos mais pobres e a oração constante são características do franciscanismo. 

Por isso, ainda hoje, os frades de todo o mundo se reúnem, em Assis, na Itália, para o “Capítulo das Esteiras”. O nome teve origem em um evento, três anos após a fundação da Ordem, quando Francisco chamou os freis de todo o mundo para retornarem a Assis. “Como a cidade era e ainda é muito pequena, cada frei levou sua esteira, para dormir, o que ficou conhecido como ‘Capítulo das Esteiras’. Então, a cada quatro anos, a Ordem dos Frades Franciscanos realiza o ‘Capítulo das Esteiras’, que é um encontro de fé e espiritualidade”, explicou, à reportagem, Frei Alvaci. 

O Convento está passando por uma grande reforma, que tem previsão para ser concluída no fim de 2018. O projeto prevê que a casa continuará a ser um lugar para encontros e retiros que poderá ser usado pela Ordem Franciscana, por outros institutos e também pela Arquidiocese. A ideia veio devido à localização do Convento e a proposta é abrigar uma média de 50 pessoas. 

Ali, no Convento São Francisco, no centro da Capital Paulista, morou, durante 60 anos, Santo Antônio de Sant’Anna Galvão, o Frei Galvão, canonizado pelo Papa Bento XVI, em 2007. Dali, o Santo acompanhou a construção do Mosteiro de São Bento, onde morou nos três últimos anos da sua vida, e onde veio a falecer, em 1822.