Faculdade de Direito Canônico oferece curso inédito sobre nulidade matrimonial

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Participaram 230 pessoas de todo o Brasil, entre bispos, padres e leigos com o objetivo de aprofundar as mudanças que entrarão em vigor em 8 de dezembro
Publicado em: 18/11/2015 - 15:00
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3078

Com o objetivo de oferecer uma formação acadêmica sobre as reformas apresentadas pelo Papa Francisco em relação aos processos de verificação de nulidade matrimonial, publicadas em setembro, a Faculdade de Direito Canônico São Paulo Apóstolo ofereceu um curso de extensão inédito entre os dias 16 e 17. Participaram 230 pessoas de todo o Brasil, entre bispos, padres e leigos servidores dos tribunais eclesiásticos, além de estudantes de Direito Canônico, com o objetivo de aprofundar as mudanças contidas na carta apostólica em forma de Motu Proprio “Mitis Iudex Dominus Iesus” (Senhor Jesus, meigo juiz), que entrarão em vigor em 8 de dezembro.

A abertura do curso contou com a presença do Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo e grão-chanceler da Faculdade; Dom Sergio de Deus Borges, bispo auxiliar da Arquidiocese e moderador do Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Primeira Instância; Dom Tarcísio Scaramussa, bispo de Santos (SP) e membro do Conselho Diretivo da Faculdade, que foi fundada no ano passado, sendo a primeira da área no Brasil.  

O assessor principal do curso foi o decano da Faculdade e vigário judicial da Arquidiocese, Cônego Martin Segú Girona. Ele explicou que com o Motu Proprio, o Papa propõe “reformar” no Código de Direito Canônico sua terceira parte, que trata dos procedimentos e ações para os processos de declaração de nulidade, abrangendo 20 cânones.

“Esses 20 cânones que durante os 32 anos de vigência do Código foram usados o processual, a partir de 8 de dezembro serão ab-rogados pela nova lei”, explicou o Cônego. “Nota-se, antes de mais nada, que o Romano Pontífice não fez uma mera instrução, mas sim uma nova lei”, acrescentou o Decano, salientando a necessidade de uma formação acadêmica a respeito da nova legislação.

Processos breves

Entre as novidades da reforma está a brevidade do processo, que consiste especificamente naquelas questões nas quais se verifica com evidência a nulidade sem a necessidade de uma investigação aprofundada. A própria carta apostólica do Papa diz que entre as circunstâncias que podem permitir o tratamento da causa de nulidade do Matrimônio por meio do processo mais breve, contam-se, por exemplo: “aquela falta de fé que pode gerar a simulação do consentimento ou o erro que determina a vontade, a brevidade da convivência conjugal, o aborto procurado para impedir a procriação, a permanência obstinada numa relação extraconjugal no momento do Matrimônio ou imediatamente depois, a ocultação dolosa da esterilidade ou de uma grave doença contagiosa ou de filhos nascidos de uma relação anterior ou de um encarceramento, a causa do Matrimônio que seja completamente alheia à vida conjugal ou uma gravidez imprevista da mulher, a violência física infligida para extorquir o consentimento, a falta de uso da razão comprovada através de documentos médicos, etc”.

Esses processos breves devem ser julgados pelo bispo diocesano que, como ressalta o Papa, é o único juiz da Igreja local. “O Romano Pontífice diz que o juiz é aquele que tem por múnus ou ofício conhecer e dirimir as dúvidas que lhe são propostas por aqueles que procuram a justiça eclesiástica”, afirmou Cônego Segú, acrescentando que o Papa também diz claramente que o juiz não deve ser apenas aquele que se pronuncia e diz com quem está com a razão e o direito, mas tem que ser mitis, isto é, meigo. Com isso, o Papa Francisco chama a atenção para o papel da “Pastoral Judiciária”.
“Nós lidamos com papéis, mas por trás deles há vidas humanas, pessoas que têm fé e que acreditam na Igreja, por isso estão buscando na justiça eclesiástica a solução de seus problemas”, frisou o Decano.

Para o vice-decano da Faculdade, Padre Carlos Roberto Santana da Silva, o Código de Direito Canônico é nada mais do que a expressão codificada do Concílio Vaticano II, no qual se fala expressamente sobre a função da “pastoralidade” do Código. “Nós somos pastores, não somos simplesmente juízes ou imbuídos de uma ciência eclesiástica e canônica na qual se aplica a lei pela lei”, disse.  “Por isso, quem atua no tribunal precisa ter ciência para que não use do ‘laxismo’ diante de uma situação na qual houve um vínculo matrimonial validamente celebrado que não pode ser tirado por mãos humanas, ou, por outro lado, de um rigorismo muito forte no sentido de pesar mais a cruz dessas pessoas”, complementou.

Tribunais diocesanos

Ainda comentando sobre o papel do bispo diocesano como juiz, Padre Carlos Roberto explicou que o Papa evidenciou algo que já existia e precisa ser mais exercido. Tanto que Francisco pede para que sejam criados os tribunais diocesanos, tornando o acesso mais próximo dos fiéis. Nesse sentido, o curso oferecido em São Paulo contribui para que sejam estruturados esses tribunais.  

Uma das dioceses que irá implantar um tribunal diocesano é Franca (SP), que enviou alguns de seus padres para o curso, entre eles o Padre Antônio de Pádua Dias, mestre em Direito Canônico e atualmente cojuiz no Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Ribeirão Preto (SP). “Este curso nos ajudará a formar o tribunal junto com nosso bispo e ajudar as pessoas que o procuram”, disse.

Além do serviço no tribunal, Padre Antônio é pároco na cidade de Ribeirão Corrente (SP), com 5 mil habitantes. Ele afirmou ao O SÃO PAULO que a reforma dos processos já gerou uma maior busca por informações em relação à nulidade matrimonial. “Na minha paróquia, houve grande procura principalmente das pessoas mais pobres, depois de ouvirem que o Papa incentiva que os processos sejam mais acessíveis financeiramente ou até gratuitos. São pessoas que carregam um peso e se sentem excluídas e precisam de acolhida e de uma resposta para suas situações”. Para isso, acrescentou o Padre, “é preciso se preparar muito bem nesse serviço, para que os processos de declaração de nulidade não se transformem numa espécie de ‘divórcio’, como erroneamente é compreendido por muitas pessoas”.