Há 100 anos Arquivo Metropolitano conta a história da Igreja em São Paulo

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A reportagem do O SÃO PAULO fez uma viagem no tempo pelos corredores da sede do Arquivo, localizada no Ipiranga, na zona Sul da Capital
Publicado em: 30/10/2018 - 16:30
Créditos: Redação

Em 2018, o Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva completa cem anos de existência. Fundado pelo primeiro Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, esse é o maior arquivo diocesano do Brasil em relação ao volume de documentos de diversos períodos da história.

A reportagem do O SÃO PAULO fez uma viagem no tempo pelos corredores da sede do Arquivo, localizada no Ipiranga, na zona Sul da Capital, e encontrou relíquias que contam não só a história da Igreja como a do próprio País. A visita foi acompanhada Jair Mongelli por Júnior, diretor técnico do Arquivo, que trabalha na instituição há 34 anos. Hoje, o presidente do Arquivo é o Cônego Martin Segú Girona.

 

ORIGEM

O Código de Direito Canônico de 1917 determinava que cada diocese deveria ter seu arquivo histórico. Em 1918, Dom Duarte Leopoldo e Silva reestruturou o antigo arquivo da Cúria Metropolitana e nomeou como arquivista Francisco de Sales Collet e Silva, que foi seu diretor até 1934.

Em 1921, o mesmo Arcebispo teve uma iniciativa inédita nas dioceses da época e que é realizada até hoje: a criação de “livros duplicatas” de Batismo e Casamento, isto é, cada paróquia possui uma cópia dos registros desses sacramentos em um segundo livro, que, depois de preenchidos, são encaminhados ao Arquivo. “O Arcebispo criou uma espécie de backup analógico dos registros. Essa foi uma ideia fantástica. Se acontecesse algo em alguma paróquia, seria possível recuperar os documentos no arquivo”, explicou Jair.

Ao criar o novo arquivo, Dom Duarte decretou o recolhimento dos documentos mais antigos das paróquias e seminários.

 

ACERVO

Embora os arquivos das arquidioceses do Rio de Janeiro (RJ) e de Mariana (MG) tenham um grande acervo até o século XIX, o de São Paulo possui a maior diversidade de séries documentais e processos diversos: 57 ao todo, entre registros de Batismo, Matrimônio e Óbito, processos eclesiásticos, fotografias, partituras musicais, plantas e projetos arquitetônicos, testamentos e inventários, a maioria datada do final do século XVII.

Para cada paróquia que pertence ou pertenceu à Arquidiocese de São Paulo existem pastas de documentações avulsas. Quando criada, em 1745, a então Diocese de São Paulo abrangia os estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Sul de Minas Gerais. Portanto, o Arquivo possui documentos dessas regiões pelo menos até o período de abrangência da Igreja particular de São Paulo.

 

ACERVO REÚNE RELÍQUIAS ENTRE OS SÉCULOS XVII E XIX

Uma das relíquias do Arquivo Metropolitano são os registros do Batismo (1798), Matrimônio (1813) e Óbito (1867) de Domitila de Castro Canto e Mello, a Marquesa de Santos, contidos nos livros da antiga Sé de São Paulo. 

Nos cerca de 2 milhões processos matrimoniais, os mais antigos datados de 1640, há inúmeras informações como o local de nascimento dos noivos, possíveis impedimentos e dados complementares que indicam costumes e fatos históricos da época. Um exemplo disso é um processo matrimonial de Curitiba (PR), de 1753, que tem anexa a informação de uma reclamação de que o noivo havia feito uma promessa anterior de casamento a uma outra jovem em Guaratinguetá (SP). Segundo a lei da época, se um homem fizesse uma promessa de casamento a uma mulher, deveria cumpri-la. Ao ser chamado pelo juiz, o noivo explica que ele havia ido em romaria para Aparecida (SP). “No meio de um processo matrimonial de Curitiba há a informação que em 1753 já havia romaria para a Aparecida, 36 anos após o encontro da imagem de Nossa Senhora”, destacou Jair.

O Arquivo Metropolitano é uma rica fonte de pesquisa para informações anteriores à República. “Antes da República, não havia cartórios. Com o regime do padroado, que vigorou no período colonial e do império, a Igreja era o grande cartório do Estado. Portanto, os principais registros da vida de uma pessoa, Batismo (nascimento), casamento e a morte, eram feitos pelas paróquias”, explicou, recordando que, mesmo com a criação dos cartórios, ainda no início do século XX, havia muitas pessoas que só foram batizadas e não tiveram registros de nascimento. 

 

 

PROCESSOS

Há processos de habilitação referentes à ordenação de padres com até 200 folhas e informações sobre os candidatos e seus antepassados. 

O acervo também contém processos eclesiásticos comuns da época, como os esponsais, que eram ações de mulheres contra homens que não cumpriam a promessa de casamento, ou o chamado processo de “divórcio” que, ao contrário do que existe hoje, consistia no pedido de separação dos cônjuges, sem direito a novo Matrimônio, diante de situações de risco à vida da mulher, geralmente vítima de alguma violência. Esses processos possuem os relatos que retratam comportamentos da época. 

Há, ainda, processos julgados pela justiça eclesiástica contra crimes como o concubinato, feitiçaria e sacrilégio. Um desses casos é o de um escravo fugitivo, no século XIX, que se abrigou na Igreja Santa Ifigênia, no centro da cidade, e foi perseguido por dois milicianos que entram armados no templo para capturá-lo. e, por isso, foram processados por sacrilégio. 

 

FOTOS

O Arquivo Metropolitano tem um acervo de cerca de 40 mil fotografias impressas desde 1871. Em geral, são registros de paróquias e eventos, como o Congresso Eucarístico Nacional de 1942, em São Paulo, além de imagens de bispos e arcebispos, como o caso de Dom José Gaspar d’Afonseca e Silva, segundo Arcebispo de São Paulo, com fotos desde quando ele era bebê até seu velório, em 1943, vítima de um acidente aéreo. 

 

NÚMEROS

Aproximadamente 4 milhões de registros de Batismo desde 1640;

2,5 milhões de registros de Matrimônio desde 1632;

Cerca de 300 mil registros de Óbito (anteriores à República);

12 mil livros manuscritos;

2 milhões de processos matrimoniais desde 1640;

5 mil processos de habilitação de ordenação desde 1686;

Cerca de 40 mil fotografias impressas desde 1871;

250 partituras musicais dos séculos XVIII e XIX;

4 mil plantas e projetos arquitetônicos de igrejas.

 

PARTITURAS MUSICAIS

Das cerca 250 partituras musicais dos séculos XVIII e XIX, há uma de autoria de Dom Pedro I. As principais obras dessa época são de André da Silva Gomes, que foi o mestre de capela da antiga Sé de São Paulo. Há também todo o acervo musical do Padre João Lyrio Talarico, também mestre de capela da Catedral, com mais de 3 mil composições. 

 

PROJETOS ARQUITETÔNICOS

Também faz parte do acervo plantas e projetos arquitetônicos, cerca de 4 mil, desde 1893. Esse material foi fonte de pesquisa para o restauro da Catedral da Sé, de 1999 a 2002. Por isso, é importante que as paróquias enviem plantas e projetos de seus templos para o Arquivo. “Quando se vai fazer qualquer restauro de um templo ou bem cultural da Igreja, como uma imagem sacra, é importante conhecer a história e até o material com que foram feitos. Os livros de receitas e despesas do século XIX, por exemplo, mostram o material que foi usado para a construção de uma igreja. Do mesmo modo, as fotos das igrejas mostram como elas eram antes”, enfatizou o Diretor. 

 

HISTÓRIA ORAL

Em 2006, o Arquivo Metropolitano começou o registro de depoimentos em vídeos de personagens da Igreja em São Paulo. Até o momento, são 140 entrevistados, entre clérigos, religiosos e leigos, que falam sobre suas histórias de vida ou sobre fatos históricos.  Muitos desses já falaceram, como o Cônego Antônio Trivinho, que morreu em 2012, aos 101 anos. “O Cônego Trivinho nasceu em 1911 e se lembrava do surto de gripe espanhola de 1918, das revoluções de 1924 e 1932... São fatos históricos que conseguimos recuperar graças a relatos como esses”, disse o Diretor do Arquivo.  

A maior entrevista do acervo é do fundador da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese, Mário Simas, com 11 horas de duração. 

 

PRESERVAR O PASSADO E PRESERVAR O FUTURO

Se a primeira finalidade do Arquivo Metropolitano é preservar a memória da Arquidiocese de São Paulo e seus múltiplos organismos, é também missão dessa instituição incentivar a criação de documentos que, no futuro, possam registrar a história da Igreja. Para isso, o Arquivo promove cursos e palestras sobre como organizar corretamente os arquivos.

“Algumas paróquias sofrem do que chamamos de ‘alzheimer documental’. Se não tivermos a preocupação de sensibilizar as pessoas sobre a importância dos registros atuais, no futuro, não vamos ter como contar a história de alguns organismos eclesiásticos”, enfatizou Jair, chamando a atenção não só das paróquias, mas também das pastorais, movimentos e novas comunidades, a criarem a consciência de registrar a sua história.

 

DIGITALIZAÇÃO

Grande parte do acervo do Arquivo Metropolitano já está digitalizada, o que ajuda na preservação de documentos, sobretudo para o acesso à pesquisa, desde que os registros originais não sejam abandonados ou esquecidos. “Digitalizar não é caro, mas para preservar esse acervo digital em uma plataforma atual, a longo prazo, o investimento será alto. As dioceses precisam ter isso em mente. Por isso, não podemos esquecer o original”, alertou o Diretor do Arquivo. 

Se, por um lado, economiza-se espaço físico, por outro, o armazenamento de conteúdos em plataformas digitais está sujeito à obsolescência das tecnologias. “Se há 20 anos alguém pensou em guardar alguma informação em disquete, corre-se o risco de ter perdido, pois essa tecnologia já é obsoleta”, apontou o Diretor do Arquivo.

Mesmo em relação a documentos impressos, é necessário o cuidado com o tipo de impressão. Impressões a laser, por exemplo, têm uma durabilidade inferior às demais. Os fabricantes de impressoras a jato de tinta indicam durabilidade cerca de 70 anos. “Se daqui a 300 anos, alguém guardou algum documento impresso nessas impressoras, não vai encontrar a informação”.

Por isso, recomenda-se cada vez mais a diversificação da base armazenamento de documentos. Se há, por exemplo, um acervo grande de fotos digitais, é recomendável que as principais sejam impressas para garantir seu arquivamento.

 

ABERTO AO PÚBLICO

O Arquivo está aberto à pesquisa de pessoas e entidades dentro de certas normativas semelhantes à do Arquivo do Vaticano, que estabelece o prazo de 70 anos para a liberação do acesso aos documentos, podendo haver exceções para determinadas circunstâncias. Atualmente, a procura maior é por pessoas em busca de informações de seus antepassados para o reconhecimento de cidadania estrangeira. Há também pesquisas acadêmicas nas áreas de História, Música, Arquitetura, Turismo, Teologia, Ciências da Religião, Sociologia, Direito, Educação, e, inclusive, de pesquisadores do exterior.

 

INFORMAÇÕES

Atendimento ao público: de segunda a sexta-feira, das 13h às 16h30. Telefones: (11) 2272-3644 ou 2272-3726 E-mail: arquivo.curia.sp@terra.com.br Contatos: Jair, Estela, Thereza e Rita