Jovens em missão se perguntam: ‘Quem é o meu próximo?’

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Entre os dias 25 e 27, a Pastoral da Juventude da Arquidiocese realizou a Missão Jovem 2016
Publicado em: 30/11/2016 - 14:45
Créditos: Nayá Fernandes - Jornal O SÃO PAULO

Entre os dias 25 e 27, a Pastoral da Juventude da Arquidiocese realizou a Missão Jovem 2016 e convidou os participantes a conhecer diferentes realidades de vulnerabilidade da cidade de São Paulo. 
"Fomos na Cracolândia, que eu só conhecia pela televisão. Ver aquele lugar foi uma experiência muito forte. Percebi que, em primeiro lugar, não devemos julgar”, disse Márcia Matheus, uma jovem de 17 anos da Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, da Região Episcopal Santana, que participou pela primeira vez da Missão Jovem, organizada pela Pastoral da Juventude (PJ) da Arquidiocese de São Paulo.
A missão aconteceu entre os dias 25 e 27, a partir da Casa de Oração do Povo da Rua, e reuniu aproximadamente 70 jovens. Com o tema “Quem é o meu próximo?” (Lc 10,29), os missionários quiseram ir ao encontro de Jesus presente nas diferentes “Galileias” da cidade.
“Pela primeira vez a missão aconteceu neste formato, pois nos anos anteriores éramos acolhidos por uma paróquia e ali realizávamos as atividades. Este ano, porém, pensamos nas realidades das pessoas em situação de cárcere, dos assentamentos de terra e das favelas. Foi uma forma de atender ao convite do Papa Francisco de ser uma Igreja em saída e ir às periferias reais e existenciais do nosso tempo”, falou à reportagem do O SÃO PAULO Marco Aurélio Cardoso, que participa da Paróquia Nossa Senhora Aparecida e atua na Pastoral da Juventude há dez anos. 
Os jovens enfrentaram o desafio de conhecer melhor as periferias existentes no centro da cidade, ou seja, situações de fragilidade e vulnerabilidade das pessoas que estão ali na Cracolândia ou em comunidades sem infraestrutura necessária para viverem bem.
Na programação da missão, houve momentos de oração, que a PJ chama de mística, de formação, mas principalmente de saída em missão. Os jovens visitaram no sábado, 26, a Comuna Irmã Alberta, que fica no Km 28 da rodovia Anhanguera e foi ocupada em 2002 por aproximadamente 40 famílias, que acamparam ali para prática agrária e uso da terra, e também alguns centros de detenção na capital paulista. Já no domingo, 27, também divididos em dois grupos, eles foram até as favelas do Moinho, no centro, e do Haiti, na zona Leste da cidade. 
A missão contou com dois momentos para conhecer a realidade da Cracolândia e conviver um pouco com as pessoas que ali circulam: um na sexta-feira à noite, 25, e outro no domingo, 27, quando aconteceu a celebração de missa às 15h.


Eu mudei muito!

Para Márcia, a experiência da missão mudou significativamente sua vida. “Mexer com a terra, estar um pouco de tempo com aquelas pessoas ali no assentamento, foi ótimo. Percebi que estamos acostumados a não aproveitar as coisas. Estragou? Vamos jogar fora e comprar. Pronto. Eles não. Além disso, eu tinha muito preconceito com as pessoas que estavam em assentamentos, porque achava que elas deveriam ser presas. Vi, porém, que estão ali para mostrar o quanto é importante cuidar do meio ambiente, viver dos frutos que a terra dá”, contou.
Ela não pode ir à penitenciária, por ter menos de 18 anos, mas disse que o testemunho dos jovens que foram também modificou muito sua visão. “Eu achava que eles tinham que sofrer, porque cometeram crime. E isso era totalmente irracional, porque eles são humanos como todos os outros e merecem uma chance de concertar o erro.” 
A jovem falou, ainda, que conhecer a favela foi um choque para ela. “Para mim, as pessoas moravam daquele jeito porque elas queriam. Eu as via como vagabundas, que não queriam trabalhar. Porém, descobri que não é bem assim. Outra coisa interessante para mim foi ver o quanto eles são unidos na comunidade. Enfim, foi um banho de realidade e foi muito bom. Descobri que eu era muito fechada em relação a tudo. Na minha casa, há pouco diálogo e cresci achando que tudo o que se vê na televisão é verdade”, comentou Márcia.

 


Ir ao encontro

Vitória Gudes Lima, atuante na Região Episcopal Brasilândia, também viveu seu primeiro contato com a Cracolândia e ficou impressionada com uma cena que presenciou: “Eu estava distribuindo comida e comecei a conversar com um rapaz, dependente químico, sobre o porquê de ele estar ali. O rapaz estava com dois pães e um suco nas mãos. Chegou, então, outra pessoa com dependência e pediu um pão e ele prontamente deu. Depois, chegou uma segunda pessoa pedindo e ele deu a metade do outro, ficando só com a metade de um pão. Ele estava sem comer há sete dias. No mesmo fim de semana, porém, vi um homem bem arrumado xingando um usuário de drogas, só porque ele pediu um copo de água. Refleti profundamente sobre essas cenas, e pensei que Deus está no humilde, naquele que sabe partilhar. Agradeço muito à Pastoral por isso.”
Já para Jaqueline Barreto Trindade, também da Região Episcopal Brasilândia, a missão foi uma oportunidade para sair da zona de conforto. “A gente acredita só no que ouve falar, mas nem sempre conhece de perto as realidades. Descobri que amar o próximo é cuidar e se preocupar com quem precisa”, disse a jovem.
Esse é o quinto ano que a Pastoral da Juventude promove essa missão que, para muitos jovens, ficou marcada como um momento profundo de descoberta. Foi o que testemunhou Matheus de Oliveira Nicesio, da Região Episcopal Belém. “Enquanto caminhávamos da estação de metrô até a Casa de Oração, nos questionávamos sobre o que poderíamos vivenciar no fim de semana e como poderíamos realmente ajudar o próximo. Foi gratificante ver que também marquei a vida de outras pessoas. Ver um menino se despedindo e gritando meu nome, quando saí, foi emocionante, porque ficamos somente meia hora brincando com ele. Foram fortes também os momentos que passei na Comuna Irmã Alberta e na Favela do Haiti, na Vila Prudente, porque fica próximo do lugar onde trabalho, e eu nem sabia disso. No assentamento, fomos muito bem recebidos e seguimos em romaria até o lugar do plantio. Ali, botamos a mão na massa. Achei a favela do Haiti muito bem organizada, os barracos do mesmo tamanho, mas cada um com a cara de quem mora nele. Se pudesse sintetizar a experiência em uma palavra, eu falaria em união. Isso me fez pensar que somos todos interligados por um mesmo objetivo, ser uma Igreja pobre para os pobres.”
A missão é um momento de busca e gratidão. As palavras de Daniele Santos expressam o que muitos dos jovens ali presentes gostariam de dizer à Pastoral. “Quero agradecer a todos da PJ que me deram essa oportunidade e por me mostrarem que temos que fazer florescer o amor.”

(Colaborou Daiane Zito)


Reportagem publicada no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3130 - 23 de novembro a 7 de dezembro de 2016