Sinal da radicalidade batismal no meio do mundo

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O sentido e a plenitude da vida consagrada, é a confiança firme e inabalável em Deus
Publicado em: 08/02/2018 - 11:15
Créditos: O SÃO PAULO

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Por ocasião do Dia Mundial da Vida Consagrada, celebrado na sexta-feira, 2, Festa da Apresentação do Senhor, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano, presidiu missa solene na Paróquia Imaculada Conceição, na Bela Vista, com a participação de membros de ordens, congregações religiosas e institutos de vida consagrada presentes na Arquidiocese de São Paulo.

Na homilia, Dom Odilo partiu dos exemplos dos Profeta Simeão e da Profetiza Ana, testemunhas da apresentação do Menino Jesus no Templo, como exemplos que ajudam a recuperar o sentido e a plenitude da vida consagrada, que é a confiança firme e inabalável em Deus: “Uma das características bonitas da vida consagrada é o testemunho da fidelidade de Deus, da verdade do Evangelho, da certeza da fé da Igreja, que se traduz em tantos gestos de caridade, esperança, valorização das pessoas”.

O Arcebispo recordou, ainda, o testemunho que ouviu de uma pessoa que declarava não ter fé e se questionava por que em todos os lugares onde havia doentes, pobres, dependentes químicos, “leprosos”, sofredores e pessoas carentes, havia sempre a presença de consagrados. “Não precisa explicar. Esse testemunho que nos interpela e leva as pessoas a chegarem à luz que se irradia do testemunho da vida consagrada”. 

Recordando a afirmação de Jesus: “Brilhe vossa luz, para que vendo vossas boas obras, glorifiquem o Pai do céu” (cf. Mt 5,16), Dom Odilo concluiu a homilia reforçando que a Igreja em São Paulo continua contando com os religiosos para ajudarem na santificação da cidade.

 

CONSAGRADOS ANUNCIAM ‘A GLÓRIA DO MUNDO FUTURO’

Homens e mulheres que livremente decidiram viver a radicalidade da consagração batismal, dedicando-se inteiramente a Deus. Assim a Igreja define a vida consagrada. A esse respeito, o Catecismo da Igreja Católica destaca que, sob a moção do Espírito Santo, “os consagrados se propõem a seguir a Cristo mais de perto, doar-se a Deus amado acima de tudo e, procurando alcançar a perfeição da caridade a serviço do Reino, significar e anunciar na Igreja a glória do mundo futuro”.

Diferentemente dos ministérios ordenados dos diáconos, padres ou bispos, a consagração religiosa não se dá por um sacramento, mas por meio da profissão pública dos três votos ou conselhos evangélicos: castidade, pobreza e obediência. Embora seja um ato pessoal, a consagração não é algo privado, mas é acolhido pela Igreja por meio da família religiosa que a reconhece. Desde os primeiros séculos do cristianismo, existiram pessoas que se propuseram, pela prática dos conselhos evangélicos, seguir mais livremente Cristo e imitá-lo de modo mais fiel.

Atualmente, a vida consagrada na Igreja se organiza em ordens, congregações religiosas, institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica, manifestas em diversos carismas e missões em diferentes âmbitos da vida eclesial. Hoje, existem no mundo aproximadamente 1,2 milhão de consagrados, entre homens e mulheres. No Brasil, são cerca de 40 mil.  Segundo dados do mais recente Relatório Quinquenal enviado pela Arquidiocese à Santa Sé (2009-2013), vivem na Igreja Particular de São Paulo 2.583 consagrados, sendo 942 religiosos, em 158 comunidades, e 1.641 religiosas, em 267 comunidades.

 

DOM PARA A IGREJA

O Papa Emérito Bento XVI, durante encontro com os consagrados no Santuário Nacional de Aparecida (SP), em 2007, afirmou que os religiosos são “uma dádiva, um presente, um dom divino que a Igreja recebeu do seu Senhor”. Em poucas palavras, o Santo Padre sintetizou o significado da vida consagrada: “Esse amor sem reservas, total, definitivo, incondicional e apaixonado se expressa no silêncio, na contemplação, na oração e nas atividades mais diversas que realizais, em vossas famílias religiosas, em favor da humanidade e, principalmente, dos mais pobres e abandonados”. 

 

DESAFIOS

Nas últimas décadas, percebe-se uma diminuição do número de vocações à vida consagrada no mundo. Reiteradas vezes, o Papa Francisco manifestou que isso se deve, sobretudo, ao que ele chama de “cultura do provisório”, em que as pessoas não buscam mais compromissos definitivos. O Secretário da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Dom José Rodríguez Carballo, destacou ao jornal L’Osservatore Romano que, num mundo onde tudo é fácil e não há lugar para o sacrifício nem para a renúncia ou outros valores, “abraçar uma vocação é ir contra a corrente”.

O Cardeal João Braz de Aviz, Prefeito dessa mesma Congregação, ressaltou que, mais do que nunca, os consagrados têm um papel importante para reavivar a fé no mundo. “Vivemos um momento da história humana necessitada de um sentido vocacional da vida. Precisamos de um projeto, de uma fonte de sentido existencial, repleto de alegria e de esperança [...]. Nós, consagrados, somos herdeiros do patrimônio vocacional e carismático da Igreja e sentimos a alegria e o dever de protegê-lo e promovê-lo”, afirmou, em recente comunicado enviado aos institutos de vida consagrada. 

Nesse sentido, as famílias religiosas têm se empenhado para, com criativdade e ardor missionário, enfrentar os desafios da cultura atual e continuar a dar testemunho de sua vocação no mundo.

 

NAS NOVAS MÍDIAS

Fundada há 800 anos, por São Domingos de Gusmão, a Ordem dos Pregadores (Dominicanos) é uma das famílias religiosas que vive um período de reflorescimento em pleno século XXI. Nesses oito séculos, os Dominicanos contribuíram muito com a história da Igreja por meio de santos como Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Santa Rosa de Lima, Santa Catarina de Sena, São Martinho, São Pio V, e religiosos como Frei Bartolomeu de Las Casas e o Padre Marie-Joseph Lagrange. É justamente a partir desse legado histórico que a Ordem tem cativado as novas gerações para a vida consagrada.

No último capítulo geral, em 2016, os Dominicanos foram convocados a se empenharem no apostolado nas novas mídias. Por meio das redes sociais, os religiosos propagam a tradição dominicana e a vivência dos frades nos vários âmbitos do apostolado: a oração, o estudo e a vida comum, pilares da ordem. 

Esse apostolado tem rendido frutos. Frei Iago Maia Pereira, 21, está há 4 anos na Ordem e é um dos muitos vocacionados que conheceram os Dominicanos pelas mídias sociais. Segundo o Frade, o compartilhamento da vida dominicana nas redes tem despertado a curiosidade dos jovens para conhecerem melhor a vida consagrada. “Ser religioso não é chato. Nós temos alegria e a testemunhamos no nosso dia a dia”, disse. 

Os jovens que procuram os Dominicanos são acompanhados individualmente pelos promotores vocacionais. “Já temos alguns em fila de espera para esse acompanhamento”, relatou Frei Iago. Este ano, seis frades professaram os primeiros votos e 11 rapazes ingressaram no noviciado da Ordem.

 

NO SEIO DAS FAMÍLIAS

Poucos anos depois de fundar, em 1914, na Alemanha, o Movimento Apostólico de Schoenstatt, o Padre José Kentenich percebeu que o apostolado da devoção mariana junto às famílias suscitou em algumas jovens o desejo de se consagrarem inteiramente a Deus. Por isso, em 1926, ele agregou um grupo dessas jovens para serem, como ele dizia, “uma presença de Maria no meio do mundo”, a serviço da Igreja, trabalhando com as famílias e a juventude. Esse grupo deu origem ao que posteriormente seria chamado de Instituto Secular das Irmãs de Maria de Schoenstatt. 

Regularizados pela Igreja em 1947, os institutos seculares reúnem fiéis que se consagram para viverem os conselhos evangélicos no meio do mundo. “Nós fazemos uma consagração de vida no espírito dos votos de castidade, pobreza e obediência”, explicou a Irmã Franciane Castelani, 35, consagrada no Instituto há 17 anos.

Presentes no Brasil desde 1935, as Irmãs de Maria acompanham o apostolado do Movimento de Schoenstatt por meio da Campanha da Mãe Peregrina, que são capelinhas de Nossa Senhora que percorrem as casas das famílias. A Campanha conta hoje com mais de 150 mil imagens em todos os estados brasileiros, entorno das quais se reúnem aproximadamente 4,5 milhões de famílias. 

Segundo Irmã Franciane, é do contato com essas famílias que surgem a maioria das vocações para a vida consagrada no Instituto. “Nossa missão é ser um sinal da consagração a Deus no meio das famílias. As vocações não subsistem sem as famílias. Por isso, nós precisamos apoiar muito as famílias, pois delas que teremos uma Igreja viva e sempre em movimento”, afirmou. 

Embora o Instituto também tenha passado pela fase da diminuição das vocações, Irmã Franciane destacou ao O SÃO PAULO que tem percebido um aumento no número de jovens que perseveram ao ingressarem na preparação para a consagração: “Existe um reflexo da realidade do mundo secularizada, mas, ao mesmo tempo, muitas jovens buscam algo mais radical”.

A Consagrada garantiu que Jesus continua chamando e ainda existem pessoas que dão o seu “sim” por meios de mais variados carismas e possibilidades oferta da vida a Deus. “Eu poderia estar fazendo tantas outras coisas na minha vida. Mas Deus me chamou para uma consagração. E não chamou só a mim, mas a uma multidão de homens e mulheres”. 

 

NA LIBERDADE DE FILHOS DE DEUS

“A vida consagrada é um sinal de contradição para a mundo, pois ela traz em si princípios daquilo que viveremos no céu. Isso é uma loucura para o mundo. Vivemos na liberdade de filho de Deus, sendo testemunhas de que o Reino de Deus pode se dilatar no meio de nós”, manifestou Frei Iago, ressaltando, ainda, que os jovens, de alguma forma, buscam uma radicalidade de vida, um sentido novo para sua existência. “Não somos melhores do que os outros. Apenas queremos, de uma forma mais intensa, estar próximos do povo e trazê-los para mais próximos de Deus. Como diziam sobre São Domingos, que, ‘de noite, falava com Deus sobre o povo e, pela manhã, falava ao povo sobre Deus’”.