No caminho da música

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Em entrevista, Ir. Míria Therezinha Kolling fala dos 45 anos dedicados ao canto litúrgico
Publicado em: 11/09/2015 - 23:15
Créditos: Texto e fotos: Peterson Prates

Gaúcha de Dois Irmãos, Ir. Míria Therezinha Kolling, religiosa da Congregação do Imaculado Coração de Maria, é pedagoga, musicista e compositora. Há mais de quatro décadas seus cantos ajudam as comunidades católicas a rezarem e celebrarem o mistério de Cristo.

Ir. Míria Therezinha Kolling

Em 2015, Ir. Míria celebra os 45 anos de vida dedicados ao canto litúrgico, marcados pela gravação da Missa da Amizade em 1970.

Desde cedo, Míria aprendeu a cultivar o amor pela música, mas foi o Concilio Vaticano II a grande motivação para a composição, com a renovação litúrgica. Por dois anos estudou música sacra na Alemanha e na Áustria, com bolsa da Adveniat.

Com mais de 700 cantos e cerca de 40 gravações entre LPs e CDs, Ir. Míria é uma das principais compositoras de canto litúrgico do Brasil. Além de compor e cantar, Ir. Míria Kolling percorre o Brasil ministrando cursos e encontros de Liturgia e Canto Pastoral.

“Deus me fala através do canto, como ele me fala através da Palavra”, lembra Ir. Míria. “O Canto não é enfeite, simples adorno, mas sim parte integrante da liturgia”. E recorda: “Sou apenas instrumento. Deus é o divino artista, o músico divino, que se serve de nós para se revelar”.

Com mais de 50 anos de vida religiosa, Ir Míria diz estar “cada dia mais feliz e realizada”. A música litúrgica a levou a conhecer mais de 20 países, e a cantar nos EUA, Canadá, Japão, Portugal, Moçambique, entre outros.

Premiada em 2009 e 2012 com o Troféu Louvemos ao Senhor, Ir Míria segue cantando, compondo e ministrando encontros.

Para celebrar os 45 anos de caminhada musical, a Região Episcopal Belém preparou uma entrevista exclusiva com Ir. Míria Kolling, em que fala um pouco sobre  sua vocação musical e o canto litúrgico.

Nestes 45 anos de vida dedicados ao canto litúrgico, o que mais a marcou?

Bem, em primeiro lugar, o dom da música, recebido de Deus. É um dom maravilhoso, muito especial, divino mesmo, que comecei a cultivar na família e tive a possibilidade de desenvolver estudando música. Colocá-lo a serviço da liturgia, do louvor de Deus, foi ainda mais maravilhoso. Isso  me emociona, saber e sentir como acontece a inspiração. Poder usar a música para o louvor de Deus, na nossa Igreja, na Liturgia, ajudando também  as comunidades a celebrar cantando, é motivo de profunda alegria e gratidão.

Nestes 45 anos, quais as principais mudanças e transformações que vivenciou no campo litúrgico?

Foi uma  graça ímpar a renovação do Concílio Vaticano II, um verdadeiro Pentecostes acontecido na Igreja. E começou pela liturgia e o canto litúrgico. Lembro que aconteciam os encontros, as semanas de liturgia, com um repertório novo, cantando na nossa língua, um entusiasmo e vigor jamais vistos... Foi um grande impulso à vida litúrgica, ao canto renovado, levando a uma participação ativa do povo nas celebrações. Começamos a entender o canto como parte integrante da liturgia, a assembleia tendo a primazia, todo um povo celebrante!  

Qual o principal desafio de nossas comunidades hoje?

São as Missas-shows, onde só uma pessoa ou um pequeno grupo canta, sem a participação da assembleia; também a escolha dos cantos adequados, que devem estar a serviço da Palavra, levando em conta o momento celebrativo, o tempo litúrgico, enfim, o Mistério Pascal de Jesus Cristo que celebramos. Para a liturgia não pode ser escolhido um canto qualquer, pois ele é ritual, funcional, tem uma razão de estar ali: ajudar a expressar e mergulhar no Mistério da fé; ainda a questão dos instrumentos, sempre bem-vindos, mas muitas vezes colocados acima das vozes, abafando o canto da comunidade. O importante é a voz que canta, porque portadora da Palavra, do texto bíblico e litúrgico. O instrumento não pode abafar a voz do povo, mas tem que apoiar, embelezar, dar ritmo e harmonia ao canto. É a música em função do texto, de modo que eleve o coração a Deus, ajude a rezar, traga um pouco o céu para a terra, antecipando a liturgia celeste. Será que acontece isto hoje nas nossas liturgias, nos nossos grupos de canto?...

O que os animadores de canto necessitam para resgatar o contato íntimo do canto com a liturgia?

A orientação da Igreja é que os músicos - cantores, tocadores, instrumentistas, grupos de canto, enfim os ministros do canto – não se sintam funcionários, mas somos cristãos, participantes da comunidade, colocando os dons a serviço da mesma, para o louvor de Deus. É preciso ter vivência cristã, ser pessoa de oração, buscar formação litúrgica, servir com humildade e competência, e sobretudo ter paixão pelo Senhor, pela Igreja, pela liturgia. Enfim, conhecer, aprofundar, celebrar com consciência, saboreando o mistério de Cristo celebrado na liturgia e concretizado na prática da vida. Já dizia um padre da Igreja: “Querem saber o que cremos? Venham ouvir o que cantamos!”

Na liturgia existe música velha e ultrapassada?

Não, de modo algum. Porque Deus não se repete, sua Palavra é sempre nova, atual – Hoje não fecheis o vosso coração!  Lembro o que dizia Santo Agostinho:  “É melhor cantar um canto velho com um coração novo do que cantar um canto novo com um coração velho.”No coração novo, aberto, atento a Deus, cada palavra repercute sempre como única, irrepetível, no hoje da vida. O contrário  também é verdadeiro...  Com relação aos cantos, o segredo é dosar o antigo com o novo, o que já está na alma do povo – memória – e aprendizagem de cantos novos, mensagens atuais, sempre com o cuidado de evitar a rotina, o cantar por cantar, mas cantar no Espírito, como experiência de Deus. Sempre importante é levar em conta os tempos litúrgicos e cada momento celebrativo, na escolha dos cantos. O mesmo Santo Agostinho nos diz que “mais do que cantar louvores a Deus, seja o cantor, ele mesmo, um louvor vivo ao Senhor!”