A conversão quaresmal

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15/03/2017 - 16:15

A Quarta-Feira de Cinzas introduziu a Igreja Católica no tempo litúrgico da Quaresma. É um período preparatório para a celebração da Páscoa de Jesus Cristo, evento central da fé cristã. Nesse tempo litúrgico, a Palavra de Deus quer conduzir os discípulos(as) missionários a empreenderem um itinerário de conversão ao Senhor ressuscitado e a viverem a graça batismal, de modo que contribuam para a superação das situações geradoras de morte.

A proximidade da Páscoa faz da Quaresma um período peculiar da graça de Deus, porque o evento pascal é propulsor das mais sinceras e autênticas conversões. Nesse sentido, disse o Papa Francisco em sua mensagem à CF 2017: “A comunhão na Páscoa de Jesus Cristo é capaz de suscitar a conversão permanente e integral, que é, ao mesmo tempo, pessoal, comunitária, social e ecológica”.

Entretanto, o tema conversão não encontra acolhida fácil na atualidade, mesmo nas comunidades. O apelo quaresmal à conversão implica mudança efetiva de vida, isto é, deixar um modo de viver e abraçar um novo. Esse sentido geral do termo requer o reconhecimento de debilidades e pecados pessoais, como faz o salmista: “Reconheço a minha iniquidade e meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 50,5).

Além disso, a cultura hodierna não contribui para a vivência dessa dinâ- mica: nela, o horizonte da autorreferencialidade é muito difuso. Muitas pessoas assumem posturas avessas ao autoquestionamento e, sobretudo, ao reconhecimento dos próprios erros. Esse sintoma pode ser observado até em práticas religiosas, quando se descuidam da condução de seus fiéis à interiorização e ao arrependimento das eventuais infidelidades, para que amadureçam, preferindo o enfoque na prosperidade e cura. Na mídia, é comum ouvir “não me arrependo de nada”, mesmo de quem praticou delitos graves contra o outro.

Nesse contexto, o convite à conversão pode tornar-se inócuo: as pessoas já não se percebem necessitadas da libertação advinda da Páscoa de Jesus Cristo. A esta dificuldade também alude o Papa Francisco ao citar a cena evangélica entre um homem rico e o pobre Lázaro (Lc 16,19-31), em sua Mensagem para a Quaresma de 2017. Na parábola de Lucas, a autorreferencialidade de quem se vestia e banqueteava com requinte levou o homem rico a abandonar a Palavra por ele conhecida, dado que reconheceu Abraão, assim como a desprezar Lázaro, palavra viva e palpável, cuja situação clamava por cuidado.

Assim sendo, a Igreja recomenda aos seus filhos e filhas, o empenho em exercícios espirituais como o jejum, a esmola e a oração. O jejum, para o esvaziamento de amarras à vida de fé e disponibilidade ao outro. A esmola, gesto fraterno que contribui para o rompimento de atitudes como o fechamento em si mesmo e o assegurar-se nos bens.

A oração, movimento de quem conhece sua debilidade e se abre à ação do Espírito para viver segundo os valores do Reino introduzido por Jesus.

A jornada quaresmal da Igreja no Brasil ainda conta com as reflexões da Campanha da Fraternidade. O tema de 2017 propõe a “conversão ecológica” e o cuidado dos biomas brasileiros. Para o corajoso “basta” à exploração destrutiva dessa dádiva geradora de vida, é preciso a contribuição de todos.

Dom Luiz Carlos Dias

Bispo auxiliar da Arquidiocese na Região Belém

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3142 - 15 a 21 de março de 2017