“Louvado sejas, meu Senhor!” - Francisco de Roma e a ecologia - Pe. Gilberto Orácio

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19/06/2015 - 19:30

A imprensa desatenta nos informou que é a primeira vez que a Igreja Católica se preocupa com a ecologia. Talvez quisesse dizer que era a primeira vez que um papa tratasse sobre o assunto de forma mais ampla e um documento mais formal. Mas, mal sabe a imprensa da preocupação da Igreja Católica sobre o referido tema. O próprio Papa Francisco nos coloca em sintonia ao longo da encíclica, com as diversas vezes que o tema foi tratado pelos Papas e nas conferências episcopais do mundo inteiro. No Brasil recentemente, em 2011, tivemos uma Campanha da Fraternidade (CF) sobre a vida no Planeta (Fraternidade e a Vida no Planeta – A criação geme em dores de parto – Rm. 8, 22) que abordava questões de ponta sobre a ecologia. Mas, poderíamos elencar as outras campanhas da fraternidade que também trabalharam questões relacionadas à ecologia, a saber: Preserve o que é de todos (1979); Terra de Deus, terra de irmãos (1986); Por uma terra sem males (2002); Água, fonte de vida (2004); Vida e missão nesse chão (2007), etc.).

No texto base da CF/2011, em um de seus itens (6, nº189) São Francisco de Assis era apresentado como aquele que possuía uma relação fraterna com a natureza. Isso era sentido no conhecido cântico das criaturas, atribuído ao mesmo santo. O texto da CF/2011 assim se expressava: “São Francisco (de Assis) é hoje um modelo para os que buscam uma relação mais qualitativa em relação às criaturas, pois cresce a consciência de que há relações que as degradam, acarretando também a degradação do ser humano.” 

A grande novidade da encíclica publicada é, a meu ver, a junção da popularidade do Papa Francisco com a abordagem de um tema crucial que atinge não só cristãos católicos, mas a toda a casa comum - a OIKOUMENE, a saber, a ecologia. Aqui o papa revisita a teologia da criação, retirando o ser humano como centro das atenções divinas e colocando a criação de um modo geral como preocupação para a sobrevivência do humano. “O fato de insistir na afirmação de que o ser humano é imagem de Deus não deveria fazer-nos esquecer de que cada criatura tem uma função e nenhuma é supérflua. Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus. A história da própria amizade com Deus desenrola-se sempre num espaço geográfico que se torna um sinal muito pessoal, e cada um de nós guarda na memória lugares cuja lembrança nos faz muito bem. Quem cresceu no meio de montes, quem na infância se sentava junto do riacho a beber, ou quem jogava numa praça do seu bairro, quando volta a esses lugares sente-se chamado a recuperar a sua própria identidade” (Nº 84). Essa análise também está conectada à importância do ser humano na criação, não como devastador e destruidor, mas como administrador, cuidador, responsável pela natureza (nº. 90 – 92). A fraternidade ecológica ultrapassa o cuidado com o ser humano, alcança toda criação. É a extensa irmandade, como vivia São Francisco de Assis (irmã água, irmão vento, irmã formiga, irmã morte, irmão fogo, irmã cobra, etc.). Cada criatura de Deus que é extinta, faz a diferença na casa comum onde moramos (nº32 - 42).

O modo como o papa Francisco aborda as questões, é muito profundo. Até porque não é de agora que o papa fala de cuidado com o outro, cuidado com a natureza, hospitalidade, diálogo, acolhida. Mas, todos esses temas vêm sendo tratados juntamente com atitudes. O Papa Francisco não é alguém que somente fala. Mas, que demonstra por seus atos o que deseja que as outras pessoas também o façam. Ele é sempre o primeiro a tomar a atitude. Um papa no estilo de Francisco de Roma, quando nos fala em ecologia, nos dá um verdadeiro “puxão de orelhas” para que cuidemos mais do lugar onde habitamos.

Ancorado ao Vaticano II, nas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS. 1), Francisco de Roma tem um olhar contemplativo e compassivo sobre nossa casa comum. Por isso, em sua encíclica elenca os problemas que nossa Casa Comum está sofrendo e apela para uma conversão ecológica. “Esta conversão comporta várias atitudes que se conjugam para ativar um cuidado generoso e cheio de ternura. Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade, ou seja, um reconhecimento do mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca disposições gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que ninguém os veja nem agradeça. «Que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita (...); e teu Pai, que vê o oculto, há de premiar-te» (Mt 6, 3-4). Implica ainda a consciência amorosa de não estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do universo uma estupenda comunhão universal. O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus «como sacrifício vivo, santo e agradável» (Rm12, 1). Não vê a sua superioridade como motivo de glória pessoal nem de domínio irresponsável, mas como uma capacidade diferente que, por sua vez, lhe impõe uma grave responsabilidade derivada da sua fé.” (nº 220).

Os apelos de Francisco de Roma nos conduzem a uma tomada de atitudes próprias de quem leu as Escrituras e sente a necessidade de fazer a vontade de Nosso Pai que está nos céus (Cf. Mt. 7, 20, - 27; 12, 50). São elas: a recolhida diferenciada de lixo, o não desperdício de água e alimentos, o desligamento de luzes desnecessárias, para quem usa aquecimento de ambientes, desligá-los e aquecer-se com mais agasalhos. Por fim, o Papa Francisco nos convida a uma caminhada na “expectativa da vida eterna”. Essa caminhada, devemos fazê-la cantando, para “que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança.” (nº 244). Mãos à luta!

Pe. Gilberto Orácio de Aguiar - Doutor em Antropologia e Mestre em Ciências da Religião