Pelo cuidado da criação: prece, cuidado e compromisso ecológico - Pe. Gilberto Orácio

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31/08/2015 - 11:30

O Papa Francisco, seguindo o exemplo da Igreja Ortodoxa, criou o “dia mundial de oração pelo cuidado da criação”. Esse dia não deve ser apenas um dia de encenações e ensaios de gestos simulando o cuidado para com a criação. O dia 01 de setembro de cada ano deverá soar como um marco não só para os cristãos e cristãs, mas para toda a humanidade. Isso, no sentido de mudanças nos hábitos em relação a tudo criado. Deus criou a terra e tudo o que nela existe. Seu desejo é que administremos com cuidado tudo o que percebemos e aquilo que não enxergamos, mas que nossos hábitos tanto podem ajudar como podem prejudicar. O dia mundial de oração pelo cuidado da criação nos aponta para algumas reflexões críticas como nos sugere o Papa Francisco na Encíclica ‘Louvado Seja’:

A primeira convocação do Papa Francisco é para o agradecimento a Deus pela criação a partir da oração de louvor de São Francisco de Assis. “Louvado sejas, meu Senhor”, já nos dizia São Francisco de Assis. E esse louvor se eleva ao Senhor criador principalmente pela terra que nos sustenta e nutre. O santo de Assis “recordava-nos que nossa casa comum se pode comparar ora a um irmão, com quem compartilhamos a existência, ora com uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços” (Louvado Sejas, 1). O agradecimento faz parte de nossa espiritualidade cristã. Quando agradecemos ao Onipotente por tudo o que nos dá, reconhecemos a importância de cada obra da criação. O agradecimento a Deus criador – num olhar vertical é fruto de uma olhada ao nosso redor – olhar horizontal. Isto é, quando contemplamos o espaço criado pelo criador, espontaneamente brota um agradecimento de nossos lábios.

Mas, diante do que nossos olhos enxergam, não temos somente louvor ao Deus da criação. Temos também um pedido de ajuda para cuidarmos adequadamente da nossa casa comum. O cuidado é essencial ao ser humano. Nós somos dotados do cuidado para administrarmos bem a criação da natureza que nos foi confiada na criação do ser humano. Porém, nem sempre agimos a partir do cuidado. Pois “esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos. Por isso, entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (Rm. 8, 22)” (nº. 2). O cuidado que devemos à terra é fruto da espiritualidade do seguimento de Jesus, mas também é um compromisso aberto a todas as pessoas de boa vontade que sentem a necessidade de cuidar da casa onde residem. Nós não só temos a terra, nós somos terra (Cf. Gn. 2, 7).

Resta-nos pedira perdão ao Senhor Criador pela destruição que causamos ao nosso planeta. Nosso pedido de perdão se sustenta no reconhecimento de nossas faltas e omissões frente às situações que poderiam ser mudadas e não as alteramos. O pedido de perdão tem o seu efeito salutar quando nos decidimos a entrar no processo de conversão partindo do seguimento de Jesus. Daí começamos a mudar nossos maus hábitos. É o início do processo de conversão. É a conversão ecológica. Segundo o Papa Francisco, a conversão ecológica comporta “deixar emergir nas relações com o mundo que nos rodeia, todas as consequências do nosso encontro com Jesus. Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa [...] exige também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro [...] e para isso, devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de que modo ofendemos a criação de Deus com as nossas ações e a nossa incapacidade de agir. Devemos fazer a experiência de uma conversão, de uma mudança do coração” (Nº. 217 – 218).

A nossa oração cristã tem uma característica essencial que é o compromisso com a vida. Sempre que oramos, a nossa oração nos conduz a um compromisso, principalmente com os mais abandonados da terra. O cuidado com a casa comum nos põe em sintonia com uma verdade escandalosa e que nos provoca a tomar uma atitude: a abordagem ecológica nos leva a uma abordagem social. Isto significa afirmar que quando nos deparamos com questões ecológicas escutamos o clamor da terra como clamor dos pobres da terra. Esses são os que mais sofrem. E esses pobres têm nomes específicos: indígenas, populações ribeirinhas, quilombolas, populações das barragens, etc. O número é grande dos que sofrem e até perdem a vida na luta contra a exploração da nossa casa comum. Ao juntar oração, cuidado com a criação e compromisso ecológico, o Papa Francisco deseja nos alertar para os elementos acima expostos: o louvor a Deus criador, a constatação de que precisamos pedir a Deus ajuda para o cuidado da terra e o pedido de perdão pela má administração da casa comum a nós confiada. Eis colocada a nossa tarefa!

Pe. Gilberto Orácio de Aguiar - Doutor em Antropologia e Mestre em Ciências da Religião