Por uma espiritualidade ecológica do cuidado - Pe. Gilbeto Orácio

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30/06/2015 - 00:15

Diante da Encíclica do Papa Francisco sobre a Ecologia, faz-se oportuno refletir sobre uma espiritualidade ecológica que alcance muito além dos limites eclesiais. Mas que estejam fundamentados no Evangelho e espiritualidade de Jesus que se expressa no cuidado com o outro. Jesus é o modelo de uma espiritualidade do cuidado. E é ele quem nos traça os elementos dessa realidade dirigida pelo Espírito de Deus (Cf. Is. 61, 1 – 3; Lc. 4, 18 - 21).

Para vivermos uma espiritualidade que valorize a ecologia nosso olhar de fé deverá se deparar com uma visão que nos oriente na direção do irmão e da irmã. A espiritualidade de Jesus, ou o que o movia, leva-nos a entender que seu olhar não se perdia no abstrato, mas dirigia-se ao seu redor (Cf. Mc. 3, 1 – 6; 10, 23 – 27), para as pessoas. As atitudes de Jesus estavam centralizadas no cuidado para com nas pessoas, principalmente as sofredoras e marginalizadas. Ele desceu até nós para que todos, indistintamente, tivéssemos a vida e a tivéssemos em abundância (Cf. Jo. 10, 10). Então, quando falamos de uma espiritualidade ecológica e tendo como base a espiritualidade de Jesus, não podemos fugir da atitude do cuidado para com a natureza em geral, mas em especial para com o ser humano.  Saber cuidar é uma arte. E aprendemos a fazê-la de modo adequado com Jesus que possuía um olhar de cuidado para com todas as pessoas, em especial as empobrecidas, descuidadas pelo poder civil e religioso de seu tempo. Os evangelhos estão repletos de citações sobre o cuidado de Jesus para com os empobrecidos de sua sociedade (Cf. Mc. 1, 40 – 45; 8, 22 – 26;  9, 14 - 29; Mt. 8, 16; 9, 36; 17, 14 – 18; Lc. 7, 11 – 15; 4, 14 – 19; 9, 38 – 42; 14, 1 – 6; Jo. 6, 5 – 13; 21, 1 – 11).

O cuidado para com os seres humanos e para com a natureza é uma verdadeira demonstração do que verdadeiramente é o ser humano. O cuidado é uma chave que abre para o essencial na espécie humana.

O ser humano é de natureza transcendente e por isso, ultrapassando todas as barreiras existenciais, contenta-se apenas com o infinito. É a sua busca primordial. Mas, no paradoxo da vida, o ser humano também busca a imanência que o fixa no planeta terra. Isto o torna permanente, fixo, plantado num lugar determinado e plasmado dentro de suas possibilidades de espaço – o tempo.

O ser humano possui a terra dentro de si. Não fora. O ser humano é terra, pois é feito de húmus, daí vindo a derivação da palavra homem. A prática do cuidado deixa um sinal como marca registrada em cada parte ou dobra escondida do ser humano. Sem o exercício do cuidado o ser humano se torna inumano. Daí a importância do cuidado transformado em amor civil e político. E esse cuidado ultrapassa a esfera da religião, da nacionalidade, do sexo, do status social. Assim se expressa o Papa Francisco na Encíclica Louvado sejas, meu Senhor: “O cuidado da natureza faz parte de um estilo de vida que implica capacidade de viver juntos e de comunhão [...] O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor [...] Juntamente, com a importância dos pequenos gestos diários, o amor social impele-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade.” (nº. 228 e 231).  Em outras palavras, gestos de cuidado tornam a pessoa mais humana.

Tudo o que vive necessita ser cuidado. Dessa forma, o cuidado também precisa ser alimentado como sendo a essência da vida. Aquilo sem o qual o ser humano vive mal, ou não vive, entra em colapso e morre. O cuidado é essencial para a vida. A prática do cuidado, ou seja, a sua manifestação concreta sob diversas maneiras da existência humana, torna-se, assim, a substância indispensável para a existência do ser humano. Na pessoa de Jesus encontramos esse cuidado que levanta a pessoa da doença e da morte (Cf. Mc. 1, 29 – 31; Mt. 8, 5 – 13; 9, 18 – 26; Lc. 7, 11 - 17). Encontramos também Jesus que vai ao encontro das pessoas e utiliza-se de todos os meios possíveis para curar e libertar (Cf. Mt. 12, 9 – 14; Jo. 9, 1 – 7; Mc. 1, 40 - 45). É o cuidado sendo exercitado em nome da fé das pessoas. Na prática de Jesus encontramos o cuidado essencial à vida humana expresso no amor primordial, na ternura, na carícia, na compaixão, na convivialidade, no choro de saudade, no perdão, nas curas realizadas em dia de sábado. Enfim, o cuidado essencial na medida correta de todas as coisas. Com a vida de Jesus aprendemos como devemos nos preocupar e cuidar das pessoas que mais necessitam e encontram-se próximas a nós.

Reflexão:

a) Como estão, em nossas comunidades, as expressões de cuidado com quem sofre?

b) Em nosso cotidiano pastoral a Lei está acima da misericórdia? Ou vice-versa? Como percebemos esse comportamento?

c). Como deixamos transparecer os gestos e palavras de Jesus nas atitudes de cuidado essencial? 

 

Pe. Gilberto Orácio de Aguiar - Doutor em Antropologia e Mestre em Ciências da Religião