Encíclica: mudança de hábitos na casa comum

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22/07/2015 - 10:30

É bem interessante a compreensão que o Papa Francisco transmite, na encíclica “Laudato si’”, sobre a natureza e o meio ambiente: é a “casa comum” de toda a família humana, que depende do zelo e do cuidado de todos para se manter boa para abrigar e sustentar a todos.

A compreensão que temos da natureza é fundamental para o nosso relacionamento com ela: um tesouro pronto para ser explorado e apossado? Um depósito de bens úteis, onde é só entrar e pegar? Uma espécie de “casa da mãe Joana”, onde cada um faz o que quer? Ou ainda, um tabu intocável? O Papa ensina que a natureza é a “casa comum”, que nos abriga e nutre, que todos precisam para viver; dela todos devem cuidar responsavelmente. Este modo de ver as coisas tem consequências para a nossa relação com a natureza.

Na última parte da encíclica, o Papa Francisco afirma que o cuidado global da natureza vai além de atitudes individuais e pessoais, que certamente são necessárias; mas também se requerem políticas globais, assumidas por todos os países e governos. Parece óbvio mas, infelizmente, como é difícil pôr isso em prática! Muitas reuniões e Conferências já se fizeram, com belas declarações, mas poucos resultados efetivos...

É verdade que uma formação ampla da consciência sobre os cuidados da natureza requer tempo e muito esforço. É difícil mudar os hábitos já adquiridos e cômodos. Mais difícil ainda é reformular o jeito de trabalhar e ganhar dinheiro, se a agressão à natureza está gerando lucros e vida confortável!

Mas aqui é preciso pôr a mão na consciência e perguntar: aonde isso vai levar? O modo atual de tratar a natureza assegura um futuro para ela e para nós mesmos? É equivocado argumentar que o desenvolvimento dos países e das populações pobres leva necessariamente a avançar por cima da natureza, danificando-a. Francisco convida a mudar hábitos e estilos de vida: o consumismo requer sempre mais bens supérfluos e causa desperdícios; é predatório e acaba com a natureza, que nos deve sustentar e nutrir agora e no futuro.

Além disso, Francisco convida os povos e governos a uma “reação global, mais responsável” (cf nº 175), procurando diminuir os efeitos danosos da economia tecnocrática e de consumo, ajudando, ao mesmo tempo, a desenvolver os países mais pobres. E volta a propor aquilo que já havia sido pedido por seus predecessores em mais de uma ocasião: que haja um “governo mundial” da economia, da justiça e da paz e também das questões ambientais. Não dá mais para fazer de conta que os problemas sócio-ambientais são isolados e dependem apenas de decisões locais.

O Papa convida todos a verificar se estamos vivendo de maneira ambientalmente sustentável. De acordo com alguns estudiosos do problema, se toda a população do mundo tivesse o mesmo nível de consumo e demanda de bens da natureza dos países mais ricos, não bastariam três planetas Terra para satisfazer a voracidade do consumo humano... O desejo de consumir não conhece limites, se não for disciplinado a partir de referenciais éticos conscientemente assimilados, responsáveis do ponto de vista social e ambiental.

Por isso, na encíclica aparecem os conceitos de “conversão ecológica” e “conversão do modelo de desenvolvimento global”. É necessário mudar (“converter”) hábitos irresponsáveis na nossa relação com o ambiente. Da mesma forma, é urgente mudar (“converter”) certos modos de orientar a vida econômica pessoal, dos países e povos. A meta de lucro sempre maior, a qualquer preço, é insustentável e pode acabar com a natureza.

Papel importante tem a educação e também a vida mística (cf cap. VI). É preciso e é possível educar para outros estilos de vida, mais respeitosos da natureza. E as motivações vindas da fé em Deus Criador poderão ajudar muito a adequar nossas relações com a natureza, que é um precioso dom do amor de Deus para suas criaturas.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3061 - 22 a 28 de julho de 2015