NAS PEGADAS DE JOÃO BATISTA

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17/12/2010 - 00:00

   Neste período do Advento, creio ser muito oportuno deter nossa atenção sobre o testemunho de João Batista. Já no hino de louvor que Zacarias proclamou exultante pelo nascimento de João, seu pai traça o seu perfil: “E tu, menino, serás profeta do Altíssimo, pois irás andando à frente do Senhor para aplainar e preparar os seus caminhos, anunciando ao seu povo a salvação, que está na remissão de seus pecados, pela bondade e compaixão de nosso Deus, que sobre nós fará brilhar o Sol nascente...” (Lc 1, 76-78)

            Não é difícil constatar que a missão de João e a missão dos que se dedicam ao anuncio do Evangelho se identificam. Penso, que um dos motivos pelo qual a cada manhã, na oração das Laudes, recitamos o Benedictus (cf. Lc 1, 67-79) é para relembrarmo-nos que somos chamados a ser nos nossos dias outros João Batista, com a missão de “aplainar e preparar os caminhos”, para que o Senhor possa encontrar-se conosco e com muitos dos nossos irmãos e irmãs que recorrem a nossa palavra e se apóiam no nosso testemunho.

            Ao relatar o envio dos setenta e dois discípulos, Lucas nos ajuda a perceber a semelhança entre a missão de João Batista e dos discípulos agora enviados pelo próprio Jesus em missão: “Depois disso, o Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois à sua frente a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir.” (Lc 10,1).

            O discípulo enviado pelo Mestre é na verdade um desbravador; alguém que vai abrindo caminhos, para que a ninguém seja negada a graça de encontrar-se com o Mestre e Senhor, o Ressuscitado que está vivo e acompanha a sua Igreja.

            Creio que o tempo do Advento é um tempo propício para voltarmos nossos olhares para esta figura singular nos Evangelhos, que não só anunciou a vinda do Messias, mas mostrou-o presente entre os homens.

1.    Quem é João Batista – Quem melhor soube definir a missão de João

e exaltar o seu testemunho foi Jesus: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas? Mas os que vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais do que um profeta. É dele que está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti.” Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reio dos Céus é maior do que ele.” (Mt 11,7a-11)

            João Batista é o Profeta, considerado por Jesus o maior nascido entre os homens, que se destacou pela coragem, pela coerência de vida, pela parresía profética. João não é um caniço que se deixa guiar pela força do vento; nem um homem acostumado aos privilégios dos palácios e dos séquitos reais. João Batista é Profeta. Não é profeta por profissão (não vive em busca de rendas), mas por vocação, chamado por Deus para uma missão.

            João Batista é a “Voz que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas...” (cf. Is 40,3-5; Lc 3,4) É o homem acostumado ao deserto, à solidão, ao silêncio, mas, ao mesmo tempo, o homem que vive da Palavra que anuncia. É “voz que clama”. Não obstante pareça que sua voz ecoe no deserto, João não deixa de fazer ressoar a sua voz na solidão. É o homem que não desiste com facilidade diante da indiferença e do insucesso. Cumpre a sua missão!

            É o homem da palavra. A sua audácia nasce da palavra, da mensagem que anuncia. Ele sabe que esta Palavra é “luz” “lâmpada” “espada”...! É Palavra de Deus! Sua riqueza, seu apoio, sua força, seu único Bem!

2. João Batista, testemunha do Verbo – João Batista pode ser definido como testemunha por excelência do Verbo. No elenco das testemunhas do Verbo, apresentado por João no seu Evangelho, João está em primeiro lugar. Ele antes de qualquer outro fala e aponta para Cristo: “Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o interrogar: “Quem és tu?” Ele confessou e não negou; confessou: “Eu não sou o Cristo”. Perguntaram-lhe: “Quem és, então? És tu, Elias?” Ele disse: “Não o sou”. – “És o profeta” Ele respondeu: “Não”. Disseram-lhe, então: “Quem és, para darmos uma resposta aos que nos enviaram?” “Que dizes de ti mesmo?” Disse ele: “Eu sou uma voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor como disse o profeta Isaías”. Alguns dos enviados eram fariseus. Perguntaram-lhe ainda: “E por que batizas, se não és o Cristo nem Elias, nem o profeta?” João lhes respondeu: “Eu vos batizo com água. No meio de nós, está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia da sandália.” (Jo 1,19-27)

João Batista não é fim para si mesmo. Ele aponta para Cristo. Tudo nele indica Cristo. Não hesita em dizer que não é Ele o Messias; não se considera nem mesmo um profeta diante da supremacia de Cristo, Palavra de Deus.

Mas o testemunho de João Batista não é “nãos” sucessivos, mas um sim radical. Ele fala de “alguém que não conheceis”, alguém de quem não é “digno de desatar a correia da sandália”. É Cristo quem deve ocupar a atenção, em quem os homens devem depositar sua confiança e segurança.

            3. João, amigo do Esposo – Há um diálogo no Evangelho de João com seus discípulos a respeito de Jesus que sempre me encanta. Os discípulos de João estão intrigados pelo “sucesso” de Jesus: “Rabi, aquele que estava contigo do outro lado do Jordão, de quem deste testemunho, batiza e todos vão a ele. João respondeu: “Um homem nada pode receber a não ser que lhe tenha sido dado do céu. Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse: Não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dele. Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é completa! É necessário que eles cresça e eu diminua.” (Jo 3, 27b-29)

            No excesso da sua humildade, João compara-se ao amigo do Esposo que está ao seu lado, que escuta sua voz e se alegra com Ele. Esta, talvez, seja a imagem mais bonita e apropriada para falar de João: amigo do Esposo. Vive com Cristo uma relação de amizade. Amizade que cresce a medida que estão próximos um do outro. Amizade que exige fidelidade e doação.

            Será maior a sua alegria quanto mais o Esposo crescer e ele [João] diminuir! Maior será a alegria quanto mais fortemente os olhares e a atenção se voltarem para o Mestre; deixando o amigo do Esposo no anonimato e no esquecimento.

            Os Evangelistas nos falam da dúvida de João (Mt 11, 1-6; Lc 7,18-28). A amizade de João com Jesus está sujeita as dúvidas, a perplexidade diante da novidade da sua pregação e dos seus gestos. Entretanto, a amizade entre eles vai num crescendo tal que João pode exclamar: “Essa é a minha alegria e ela é completa!” João não se escandaliza, mas se alegra com o Mestre.

            4. O Precursor – As vidas de João e de Jesus se entrelaçam. Acompanhando o itinerário de João nos Evangelhos compreendemos que João não é apenas o precursor da vida e pregação do Messias, mas da sua paixão e da sua morte. Não foi fácil para as primeiras gerações distingui-los tão parecidos eram entre si.

            “Naquele tempo, Herodes, o tetrarca, veio a conhecer a fama de Jesus e disse aos seus oficiais: “Certamente se trata de João Batista: ele foi ressuscitado dos mortos e é por isso que os poderes operam através dele!” ((Mt 14,1). Estão unidos não só na vida, mas também na morte.

            Em ambos vida e morte se entrelaçam. Suas vidas estão unidas não só pela mensagem que anunciam, mas pelo destino que comungam. João é o primeiro a tomar sobre os ombros a cruz do Mestre, e seguir os seus passos até a morte. Não podia ser diferente entre eles. Como diz o Doutor Místico que celebramos hoje: “amor verdadeiro gera semelhança entre o amante e o amado”. Aquele que ama não hesita em assumir a sorte do ser amado.

            João e Jesus são da mesma estirpe; daqueles que amam e provam seu amor não com palavras e discursos, mas vida e gestos.

            5. “Um novo João Batista” – Retomando as considerações iniciais, creio que podemos tomar João Batista como paradigma do nosso ser e do nosso ministério. Cumpre a nós, como coube a João “aplainar e preparar os caminhos do Senhor”, apontar aos homens do nosso tempo “aquele que está no meio de vós e não conheceis”, ser “voz que clama no deserto” que resiste ao silêncio e a indiferença dos que fecham ao anuncio do Evangelho!

            Nos relatos sobre João Batista, gostaria ainda de chamar atenção para dois textos: o primeiro é o relato de Marcos sobre as vestes e o alimento de João: “João se vestia de pêlos de camelo e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre.” (Mc 1, 6). A figura de João é cercada de austeridade. João é o homem que vive do necessário, do essencial, do indispensável. Não é alguém que vive do supérfluo, do desperdício, do acúmulo e do prazer.

            Mas há um outro texto onde nos damos conta do conteúdo da pregação de João: “E as multidões o interrogavam: “Que devemos fazer?” Respondia-lhes: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, e quem tiver o que comer faça o mesmo.” Alguns publicanos também vieram para ser batizados e disseram-lhe: “Mestre, que devemos fazer?” Ele disse: “Não deveis exigir nada além do que vos foi prescrito.” Os soldados, por sua vez, perguntavam: “E nós, que precisamos fazer?” Disse-lhes: “A ninguém molesteis com extorsões; não denuncieis falsamente e contentai-vos com o vosso soldo.” (Lc 3, 10-14).

            Vida e pregação em João se confundem. O Batista anuncia o que vive. A semelhança de Cristo, João só anuncia o que antes ele próprio pode experimentar. Para nós, hoje, a realidade não é outra: vida e ministério devem identificar-se, a ponto de vivermos o que anunciamos e anunciamos o que antes comprovamos em nós próprios.

            No mundo da globalização somente a linguagem da santidade é capaz de tocar os corações e move-los à conversão. Identificando vida e ministério estaremos aptos a anunciar ao mundo a alegre notícia do evangelho.

            

Dom Milton Kenan Júnior