A Igreja e a participação no processo eleitoral

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<p>São 12 pontos que buscam levar o eleitor a uma consciência de seu papel de cidadão na construção de uma política democrática.</p>
Publicado em: 02/09/2014 - 15:15
Créditos: Edição nº 3016 do Jornal O São Paulo – página 11

“Ninguém pode nos exigir que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos”. Assim afirma o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium, e o Secretariado de Pastoral da Arquidiocese de São Paulo o transcreve no documento “Eleições 2014: Orientações para as Comunidades Católicas da Arquidiocese de São Paulo”.

Com o apoio da PUC-SP e da União dos Juristas Católicos (Ujucasp), as Orientações são compostas de 12 pontos que buscam levar o eleitor a uma consciência de seu papel de cidadão na construção de uma política democrática. “A eleição é uma oportunidade para confirmar os políticos e os partidos que estão nos cargos públicos e o modo como estão governando e legislando; ou para mudar os mandatários e os rumos da política do País e do Estado. Os cristãos são chamados a participar ativamente na edificação do bem comum, escolhendo bons governantes e legisladores e acompanhando com atenção o exercício de seus mandatos”, afirma o segundo ponto do Documento, que pode ser lido na íntegra no Site da Arquidiocese.

Além de indicar que os fiéis conheçam seus candidatos, as Orientações para as Comunidades Católicas salientam a preocupação com o combate à corrupção eleitoral e à escolha, por parte dos eleitores, de candidatos comprovadamente corruptos. “Não votar em candidatos comprovadamente corruptos, envolvidos em escândalos, que promovam discriminação ou intolerâncias, ou tenham como parte de seu programa e partido a aprovação de leis contrárias à justiça, aos direitos humanos, ao pleno respeito pela vida humana, à família e aos princípios  da própria fé e moral”.

Para o jurista Ives Gandra Martins, presidente da Ujucasp, as orientações são “absolutamente necessárias”. De acordo com ele, o documento não toma “posição em relação aos candidatos”, apenas mostra “quais são os critérios que os católicos devem usar para escolher seus candidatos”, ressaltando que “aqueles que não ostentaram os valores próprios de uma vida condizente com a dignidade que o Cristianismo trouxe para o ser humano, não devem ser votados”.

Para a coordenadora da Pastoral Fé e Política da Arquidiocese de São Paulo, Carmen Cecília de Souza Amaral, a Caci, as Orientações são um “instrumento útil para início e ampliação de debates sobre o processo eleitoral”, facilitando as oportunidades para que pequenos grupos das comunidades paroquiais “expressem as possibilidades e dificuldades para a formação de critérios para a melhor escolha possível de partidos e candidatos”.

Caci destaca ainda, que o conjunto das orientações forma um “conteúdo abrangendo pontos nevrálgicos das possibilidades de participação e de testemunho cristão no mundo da política”. E esse conteúdo, que traz alguns itens específicos para o universo cristão, pode e deve ser comunicado a toda a sociedade, colaborando para a criação de uma cultura que valorize a interferência ativa na política.

“A sociedade não é mera espectadora. O povo, além de ser constitucionalmente o soberano detentor do poder de governar, também, constitucionalmente, é chamado a participar, decidir, fiscalizar e exercer o controle social sobre o governo escolhido”, afirmou Caci.

Ainda sobre a participação dos cristãos na política, o doutor Ives destacou esperar que os fiéis, “como são defensores dos valores cristãos, venham considerá-los no momento em que forem votar”.

Padres na eleição
Quem acompanha o horário eleitoral já deve ter visto candidatos que se intitulam “padre”, mas o que diz a Igreja sobre clérigos se candidatarem ou assumirem cargos públicos? De acordo com o Código de Direito Canônico, no cânon 285, parágrafo 3º, “os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no exercício do poder civil”.

Na nota de rodapé, o referido Código salienta que o poder civil a que se refere o parágrafo 3º, deve “entender-se tanto do legislativo quanto do executivo e do judiciário”, destacando que os “inconvenientes dessa presença são maiores do que as vantagens que dela poderia derivar-se”.

As Orientações divulgadas pela Arquidiocese de São Paulo, no ponto nove, destacam que a Igreja já possui orientações sobre a participação de membros do clero no exercício de cargos públicos ou de militância partidária, e que essa política “é espaço de atuação dos cristãos leigos, que neles podem exercer melhor seu direito e dever de cidadania, orientados pelos princípios da fé e da moral cristã, e contribuir para a edificação do bem comum”.

Segundo apurou a reportagem, para o cargo de deputado federal, há dois candidatos pelo Partido Social Democrata Cristão (PSDC), que se intitulam padres, mas não são da Igreja Católica Apostólica Romana, e não deixam claro essa informação em seus sites ou perfis de campanha política.

Para o cargo de deputado estadual, três candidatos se apresentam como padres. Dois deles, Padre Afonso e Padre D’Elboux, são sacerdotes Católicos e receberam licença de seus respectivos bispos, conforme prevê o Código de Direito Canônico. Já o candidato Padre Félix, não é membro da Igreja Católica Apostólica Romana.

Templos como palanques
As Orientações para as Comunidades Católicas da Arquidiocese de São Paulo “ressaltam” que “os templos e lugares de culto, bem como os eventos religiosos, não devem ser usados para a propaganda eleitoral partidária”, item esse que consta na Lei 9504, art. 37, parágrafo 4º, “bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada”.

“A Igreja Católica Apostólica Romana valoriza a liberdade de consciência e as escolhas autônomas dos cidadãos. A religião não deve ser usada como ‘cabresto político’ e as comunidades da Igreja não devem ser transformadas em ‘currais eleitorais’”, afirmam as Orientações.

Edcarlos Bispo