Ascese: fidelidade à oração

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<p>Dom José Roberto nos ensina a lidar com as dificuldades para rezar.</p>
Publicado em: 09/09/2014 - 15:00
Créditos: Edição nº 3017 do Jornal O São Paulo – página 05

Comumente, temos dificuldades para rezar, isso é um fato. E, hoje, particularmente, concorre para desestimular a prática da oração o ritmo acelerado da vida moderna, pois se nesse frenesi em que vivemos, já é difícil manter uma conversa com pessoas visíveis, a dificuldade se torna maior ainda quando o interlocutor é o “Invisível”.

Todos nós estamos sempre sob a tentação de racionalizar nossa necessidade de oração em relação ao resto do dia. Temos tempo para trabalhar, ler e descansar, para comprar e cuidar de nós. Arranjamos tempo para visitar e receber amigos, viajar e passear. Mas racionalizamos a “concessão” de tempo para estar a sós com Deus. Entramos numa fila para ônibus, banco ou mercado, para cinema ou teatro, para concerto ou futebol. Mas resistimos a estar com Deus por algum tempo, quando o podemos fazer sempre, sem fila nem espera (...)!

Oração exige “disciplina”, ou seja, requer seu tempo, seu lugar, e um método. Definitivamente, oração não condiz com improvisação. Portanto, é vital criar e preservar as condições indispensáveis à prática cotidiana da oração. O que se faz ocasionalmente denota relatividade. A oração feita ocasionalmente se caracteriza como necessidade relativa, como valor relativo. Deus é valor absoluto. Um lugar definido para Deus no espaço do dia, guardado com fidelidade persistente, é que nos define como homens e mulheres de oração. É essa oração fiel que transforma a vida.

A oração precisa ser também um “encontro desejado”. A vida torna-se árida, sem gosto, quando não há oração. Nenhuma semente tem vida longa em terreno árido, sem o orvalho e a chuva da oração, do encontro com Deus. Nem a semente da graça matrimonial ou sacerdotal tem vida longa sem o orvalho que cai de Deus na oração. Precisamos adquirir gosto pela oração e, como discípulos de Jesus, manifestar o desejo: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1).

Oração, como bem ensinou Santa Teresa D’Ávila, é amizade, é comunhão com Deus. A comunhão teologal é o sentido maior de nossa existência: “Ó Deus, tu és o meu Deus, desde a aurora te procuro. De ti tem sede a minha alma, anela por ti minha carne, como terra deserta, seca, sem água” (Sl 62 [63]). O desejo de felicidade é intrínseco à natureza humana; porém como revela o salmista, somente na comunhão com Deus se dá a plenitude humana, a felicidade perfeita. Através da oração, a comunhão teologal começa já no tempo presente.

Para concluir, quero ressaltar outro aspecto da oração: a tradução da vontade divina. Em nosso mundo “globalizado”, a tradução é indispensável à comunicação. Por ela, pessoas de línguas diversas podem se entender sobre interesses comuns. Pois bem: rezar é semelhante a um bom trabalho de tradução. O bom tradutor é sempre fiel ao texto original. O bom orante é aquele que sabe traduzir a vontade divina a partir de seu contexto histórico, ou melhor, de tudo aquilo que faz parte do seu dia a dia.

Que a “ascese da Oração” faça parte do nosso cotidiano!

Dom José Roberto Fortes Palau
Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Ipiranga