Relatório final do Sínodo - Parte III

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Desafios e perspectivas para a missão da família
Publicado em: 18/11/2015 - 09:30
Créditos: Edição nº 3077 do Jornal O SÃO PAULO – página 23

Nas duas últimas semanas, O SÃO PAULO publicou uma síntese das duas primeiras partes do relatório final do Sínodo dos Bispos sobre a família, que aconteceu entre os dias 4 e 25 de outubro. Nesta semana, apresentamos a terceira e última parte do relatório, que trata da missão da família.

O texto reconhece que “o Evangelho é e sempre foi sinal de contradição” porque, para aceitar o mistério pascal, é preciso aceitar a cruz, sendo necessário para isso conversão. Porém, “a conversão toca profundamente o estilo e a linguagem”. Por isso, os padres pedem que o “evangelho da família” seja anunciado como “resposta aos anseios mais profundos da pessoa humana”, como “graça que dá a capacidade de viver os bens da família” e não como “um conjunto de normas”. Da mesma maneira, é preciso fazer compreender, na transmissão da fé e especialmente aos jovens, “o significado de termos como doação, amor conjugal, fidelidade, fecundidade, procriação”. Os padres sinodais pedem, para isso, “uma linguagem nova e mais adequada”.

A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA

Os padres sinodais chamam a atenção para a importância da formação dos jovens que se preparam para o Matrimônio, que “não pode ser reduzido a uma tradição cultural ou a uma simples convenção jurídica”. O relatório lembra as três etapas - remota, próxima e imediata - da preparação para o Matrimônio, presentes na exortação apostólica Familiaris Consortio (1981), de São João Paulo II.

O relatório também trata das mudanças culturais que apresentam “modelos em oposição à visão cristã da família” nos quais a “sexualidade é frequentemente desvinculada de um projeto de amor autêntico”. Nos países em que isso é feito via políticas públicas, é preciso afirmar a “liberdade da Igreja de ensinar sua própria doutrina e o direito à objeção de consciência da parte dos educadores”. O texto faz uma referência indireta à ideologia de gênero ao afirmar que “o sexo biológico [sexo] e o papel sóciocultural do sexo [gênero], embora possam ser distinguidos, não podem ser separados”.

FAMÍLIA, GENERATIVIDADE E EDUCAÇÃO

Num mundo de controle de natalidade e mentalidade anticonceptiva, em que se observa a queda da natalidade - “que enfraquece o tecido social, compromete a relação entre as gerações e torna mais incerto o olhar sobre o futuro” -, os padres lembram que “a presença de famílias numerosas na Igreja é uma bênção para a comunidade cristã e para a sociedade” e que “a abertura à vida é exigência intrínseca do amor conjugal”. A geração de uma nova vida não pode ser reduzida “à simples gratificação individual ou do casal”, já que, “segundo a ordem da criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher e a transmissão da vida estão ordenados um ao outro”. O relatório pede o acompanhamento pastoral dos jovens casais para uma reta formação da consciência a esse respeito e, por último, condena “com toda a sua força, as intervenções coercitivas do Estado a favor da contracepção, da esterilização e do aborto”.

Sobre a educação dos filhos, os padres sinodais pedem que seja protegido “o direito dos pais de escolherem livremente o tipo de educação que querem dar a seus filhos, segundo suas convicções, e a condições acessíveis e de qualidade”. Os padres alertam para o enfraquecimento, em muitos contextos, do papel educativo dos pais devido a uma “presença invasiva da mídia no interior da esfera familiar” e lembram a importância da formação religiosa dos filhos, para o seu próprio bem e o bem da Igreja, já que é do seio das famílias que surgem as vocações sacerdotais. O texto também menciona a importância das escolas católicas na formação das crianças, principalmente das mais pobres.

FAMÍLIA E ACOMPANHAMENTO PASTORAL

A terceira parte do relatório final é também a mais polêmica. Nas duas primeiras partes juntas, nenhum parágrafo teve mais de 21 votos contrários e apenas quatro tiveram mais de 12. Na terceira parte, oito parágrafos tiveram mais de 35 votos contrários. Dos quatro capítulos dessa parte do texto, esse terceiro capítulo é o que provocou mais discordância. Os parágrafos mais polêmicos foram os de número 84, 85 e 86, com 72, 80 e 64 votos contrários, respectivamente. O parágrafo 85 foi aprovado por apenas um voto a mais do que o necessário.

O relatório trata, neste capítulo, das “situações complexas”. Ele começa lembrando que a união matrimonial é indissolúvel. Os padres sinodais pedem para se “promover o discernimento pastoral de situações em que esse dom, [do Matrimônio indissolúvel] é dificilmente apreciado ou foi comprometido de diversas maneiras”. Eles pedem para se “manter vivo o diálogo” com fiéis nessa situação, para ajudá-los no amadurecimento de uma “coerente abertura ao Evangelho”.

O relatório precisa as diferentes situações que se podem encontrar pelo mundo, como, por exemplo, casais que vivem juntos sem estarem casados ou estando apenas civilmente casados, e as diversas razões que levam as pessoas a essas situações. Muitas vezes, uma relação estável pode levar a um “caminho em direção ao sacramento do Matrimônio”.

Com relação às famílias em cujo seio vivem pessoas com tendência homossexual, “a Igreja reafirma que toda pessoa, independentemente de sua tendência sexual, deve ser respeitada em sua dignidade e acolhida com respeito, com o cuidado de se evitar toda marca de discriminação injusta”. Já com relação ao “casamento” homossexual, os padres sinodais explicam que “não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer uma analogia, nem mesmo remota, entre as uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o Matrimônio e a família”; e denunciam as pressões exercidas sobre as igrejas locais nessa matéria, bem como o condicionamento de ajuda financeira por parte de organismos internacionais à aprovação do “Matrimônio” entre pessoas do mesmo sexo.

Os parágrafos 84, 85 e 86 tratam da situação das pessoas separadas em segunda união civil. O texto pede uma maior integração desses fiéis nas comunidades cristãs, evitando, contudo, toda ocasião de escândalo, e afirma que “é necessário discernir quais das diferentes formas de exclusão praticadas em papéis litúrgicos, educacionais, pastorais e institucionais podem ser superadas”.

Citando São João Paulo II, o relatório pede um “discernimento cuidadoso” de cada caso, já que existem diferenças entre, por exemplo, ser abandonado sem nenhuma culpa e destruir por culpa própria um casamento válido. Os padres chamam a atenção para a necessidade de se levar em conta a consciência de cada pessoa antes de se estabelecer a imputabilidade moral de suas ações em cada caso, sem desrespeitar “as exigências de verdade e caridade do Evangelho”.

FAMÍLIA E EVANGELIZAÇÃO

O último capítulo desta parte final do relatório trata da relação entre a família e a evangelização. Ele começa descrevendo a espiritualidade familiar, na qual se aprende a dizer e a pôr em prática as palavras “com licença”, “obrigado” e “desculpa” Os padres chamam a atenção para a importância da oração em família, bem como da leitura da Palavra de Deus e das práticas de devoção popular e mariana (como o Terço, por exemplo) e ressaltam que a ternura é “a virtude cotidiana que ajuda a superar os conflitos interiores e relacionais”.

O relatório também discute o apostolado das famílias, cuja missão inclui “a união fecunda dos esposos, a educação dos filhos, o testemunho do sacramento, a preparação de outros casais ao Matrimônio e o acompanhamento amical de alguns casais ou famílias que encontram dificuldade”.

Em seguida, o texto trata da relação entre a família e a cultura e instituições, mencionando os impactos sobre a família do ambiente cultural, bem como da pobreza, discriminação e violência. Para melhorar essas condições, é preciso que os leigos se envolvam, interajam “com as instituições políticas, econômicas e culturais”. No entanto, “a política deve respeitar de modo particular o princípio de subsidiariedade e não limitar os direitos das famílias”. Segundo os padres sinodais, “para os cristãos que trabalham na política, o empenho pela vida e pela família deve ter prioridade”, junto com “a liberdade de educação e a liberdade religiosa”.

Por fim, o texto lembra que “a família dos batizados é por sua própria natureza missionária”. São muito importantes as diversas formas de testemunho da família, como “a solidariedade com os pobres, a abertura à diversidade de pessoas, a proteção da criação, a solidariedade moral e material (...), o empenho pela promoção do bem comum”. O relatório é concluído pedindo ao Santo Padre um documento final sobre a família, e com uma breve oração à Sagrada Família de Nazaré.

Felipe David