Síntese final do Sínodo da Família (I) - Dom Odilo Pedro Scherer

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<p>Cardeal Scherer comenta ao O SÃO PAULO sobre o Sínodo da família</p>
Publicado em: 22/10/2014 - 10:30
Créditos: Edição nº 3024 do Jornal O SÃO PAULO – página 13

Na introdução do texto de síntese da 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre “os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”, já aparece o desejo do Papa Francisco de que os participantes da Assembleia compartilhassem suas reflexões com franqueza e liberdade; e assim aconteceu até o final dos trabalhos, num clima sereno e fraterno.

Por outro lado, também já fica claro que a assembleia sinodal não tomaria nenhuma decisão, sendo de caráter consultivo, e que as reflexões seriam articuladas, depois, com a preparação da Assembleia Ordinária do Sínodo, em outubro de 2015, cujo tema será: “vocação e missão da família na Igreja, no mundo contemporâneo”. Assim, que ninguém sinta frustrações, se o Sínodo não tomou “decisões” nem modificou isso ou aquilo…

O texto de síntese final está organizado em três partes, que correspondem aos passos do método ver-julgar-agir. A primeira parte trata do contexto sociocultural, econômico e pastoral em que se encontra a família atualmente.

Embora se leia que o Sínodo olhou para “as luzes e sombras” que envolvem hoje a família, de fato, porém, o texto se ocupa bem mais das sombras do que das luzes. Isso é compreensível, se tivermos em conta que o tema da assembleia sinodal era “os desafios pastorais da família”…

No mundo, o rosto da família apresenta uma variedade muito grande, de acordo com as diversas culturas e as condições sociais, políticas, econômicas e religiosas. Mas há alguns traços comuns, que tento expor brevemente.

  1. A família é uma realidade no mundo inteiro e não acabou, apesar dos muitos problemas e desafios. Continua o desejo de formar família, que está inscrito na natureza humana. Ela continua sendo a última reserva do que há de mais genuinamente humano e de verdadeira solidariedade, mesmo quando ao redor todas as seguranças entram em falência.
  2. A família, quase em toda parte, está em crise; encontra-se fragilizada e até abandonada a si mesma, por vários fatores.
  3. A pressão exacerbada de fatores econômicos e da cultura marcada pelo individualismo cria dificuldades enormes para a vivência de valores essenciais ao casamento e à família.
  4. As instituições “casamento” e “família”, sobretudo nos povos de cultura ocidental, tiveram forte perda de apreço; isso manifesta-se na pouca duração dos casamentos formalizados, na legislação cada vez mais inconsistente no tocante à família e ao casamento, nas muitas uniões livres e sem formalização alguma; aumenta o número dos “singles”, que não constituem família.
  5. A procriação tem pouco apreço e a natalidade caiu drasticamente; uma porcentagem significativa das crianças nascem sem uma família constituída que as acolha e dê amparo.
  6. A afetividade humana, muitas vezes, é vivida de maneira narcisista e egocêntrica, sem o estabelecimento de vínculos estáveis e profundos, ou num projeto de vida comum, como é o casamento e a família.
  7. Está em expansão o fenômeno da expressão homossexual da afetividade, estimulado por uma crescente “cultura gay” e pela ideologia de gênero. Esse fenômeno, presente sobretudo nos povos de cultura ocidental, também está em expansão entre povos de cultura mais tradicional, como na África e na Ásia.
  8. Observa-se uma grave confusão antropológica na cultura contemporânea, que tem efeitos profundos e desorientadores em relação ao casamento e à família.
  9. A crise da família no âmbito cristão e religioso está relacionada também à perda da fé e do sentido sobrenatural da vida.

A realidade da família e do casamento aparecem amplamente relegadas ao âmbito da vida privada; em tal situação, cada um se arranja como pode e como gosta. Tem-se a impressão de um campo abandonado e não mais cultivado, no qual qualquer um entra para ceifar ou pegar, e onde todo tipo de erva pode crescer à vontade…

Mas a Igreja continua a afirmar que a família é obra de Deus e quer cultivar esse campo e a preservá-lo de explorações indevidas, para que continue a dar frutos bons, como é de sua natureza. De fato, a família é um bem para a pessoa e para a sociedade; pela família passa o bem da humanidade inteira, e da Igreja, em boa parte, também.

Cardeal Odilo Pedro Sherer