A Fidelidade

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15/05/2017 - 14:15

O espírito humano, enquanto cresce, capta a complexidade para interpretar o quanto de imprevisível a existência lhe manifesta. Precisamente, porque a vida se constrói, vivendo-a. A cada qual ela reserva um peso de eventos ainda não estabelecidos nem pré-constituídos. Nessas condições, em busca de identidade, o homem assume dos outros os termos de confrontação, marcados também pela ambiguidade de significado, à qual está sujeito quando entra em contato com eles.

Uma pessoa sensível às situações da vida deve ser estimulada a assumir os fatos, a filtrá-los de acordo com suas próprias propensões e capacidades, a mastigá-los para saborear o seu significado. Cada fato carrega uma mensagem. Cada atitude manifesta algo: ignorá-lo é privar o espírito humano de uma vibração que acha o seu sopro vital nas profundezas do viver e na multiplicidade das causas. A simples percepção de coisas que não provoque uma reflexão adequada é um presente inútil a nós oferecido.

Um limite para esse processo de maturação encontra na nossa pobreza interior a dificuldade de compreender o que enfrentamos; mas, se tal limite surge da vontade preguiçosa, de estruturas mentais fechadas, do simplismo e da insipiência cultural, de escolhas negativas, nossa pobreza aumenta e sufoca os horizontes da nossa ação.

 

O homem

Neste terreno se compõe o homem, resultado de fraqueza e força, pureza e adulteração, impulsos de luz e paradas mortais veiculadas das gerações passadas e presentes. Ele, com tais elementos, precisa discernir seriamente a escolha do que é construtivo a seu ser.

Na eterna tensão entre o próprio equilíbrio e o dos outros, o homem vive entre a necessidade de cortar o cordão umbilical com tudo e, ao mesmo tempo, de permanecer em forte apego à vida da comunidade, a cujo destino está ligado. Em suma, uma autonomia que não seja autossuficiente, e uma suficiência que dá autonomia.

A troca de uma por outra traria uma séria involução, com consequências incalculáveis. A este propósito talvez se evidencie a virtude e o compromisso moral que se chamam de fidelidade ou, ao contrário, de infidelidade do homem a respeito daqueles com os quais se compromete e considera companheiros de vida.

 

Fieis à palavra

Ser fiel a uma palavra dada, quando esta veicula o sentido do amor, coloca o homem em uma intensidade existencial que expressa nele um forte compromisso para se tornar uma realidade abrangente ao outro. As duas pessoas, envolvidas na dinâmica do amor, percebem como a fidelidade mútua não tem limites e as obriga a viver em uma totalidade surpreendente.

A fidelidade é, por assim dizer, a materialização da confiança; é o anel de conjunção que dá fecundidade interior aos gestos individuais, veiculando-os no exterior como atos criativos de disponibilidade, respeito, vontade de caminhar juntos em um encontro sempre novo. Ela projeta a pessoa em um compromisso que a envolve e a provoca, movimentando todo o seu ser, submetendo seus componentes interiores, tais como a inteligência, a vontade, a sensibilidade, a cultura e a fé em um processo de contínua oxigenação.

O homem fiel é aquele que recebe e confia na palavra do outro, em um compromisso que transcende a verbalização e a natureza temporária da palavra mesma, para se abrir a horizontes cada vez mais significativos e enriquecedores.

 

A cotidianidade cristã

A mesma dinâmica se repete em relação a Deus. Sua fidelidade é imutável como os céus; é pura como a água que jorra da rocha: “Senhor, os céus celebram as vossas maravilhosas obras, e na assembleia dos anjos a vossa fidelidade. Quem se compara a vós, Senhor, Deus dos exércitos? Sois forte, Senhor, e cheio de fidelidade” (Sl 88, 6.9).

Nossa fidelidade passa através do prisma da opção livre, carregada da nossa fraqueza; mas é preciso se deixar levar, julgar e converter por Sua palavra. A nossa resposta à fidelidade de Deus se chama fé, enquanto a constância se torna fidelidade. É neste percurso que se desenrola a vida do cristão; é na fidelidade ao Senhor, encontrado na fé, que o espírito se fortalece, que o Reino se constrói.

A fidelidade ao dado revelado assume depois modalidades expressivas que refletem a individualidade e a personalidade de cada pessoa envolvida no anúncio do Evangelho. Quem assume a responsabilidade da sua própria fé sabe que terá que percorrer as preocupações cotidianas no que signifique ser fiel ao Evangelho. Oração e comunidade são as ferramentas básicas para nos ajudar a discernir.

 

Fidelidade a si mesmo

A fidelidade não consiste em uma adesão mecânica para situações externas; de fato, a sua autenticidade vem de uma consistência interior positiva da própria pessoa, pois é o indivíduo chamado à fidelidade e é no seu mundo interior que ela amadurece, se enriquece e se determina.

A fidelidade a si mesmo, enquanto apego à parte negativa de si, é no mínimo questionável, e nada constrói de bom. Portanto, também desta experiência sai algum ensinamento que nos ajuda a retomar o julgamento correto e as escolhas positivas.

Na pessoa uma verdadeira visão de fé não pode ser separada, de uma serenidade psicológica natural, a fim de se tornar um bom terreno, essencial para que o Espírito expresse “o homem novo criado por Deus, na justiça e santidade” (Ef 4, 24).

A fidelidade humana fortalecida pela fé, adquire uma força inimaginável e se torna sinal da fidelidade eterna de Deus na história e nas escolhas humanas, até doar a vida. O servo fiel terá a perseverança para manter a lâmpada acesa, transitar os talentos, cingir-se da toalha, lavar os pés dos irmãos e “ficar longe da sujeira deste mundo”.

Naquele que vive a fidelidade os irmãos encontrarão repouso, um banquete de alegria onde experimentarão a amizade e a beleza para, juntos, construírem o Reino, querendo que as relações humanas floresçam porque, na fidelidade de Deus, o homem fará jorrar a sua própria fidelidade.

 

Gianfranco Vianello

Sacerdote missionário do Pime

Reside e trabalha em São Paulo

 

Fonte: Revista Mundo e Missão, ano 24, nº 212, de maio de 2017, p. 32-33.