Entrevista com o Papa Francisco após a JMJ (Papa Francisco)

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08/02/2019 - 14:45

Entrevista com o Papa Francisco após a JMJ
FILIPE DOMINGUES - ESPECIAL PARA O SÃO PAULO - Vatican Media

A fé dos jovens, a questão migratória, o aborto, o celibato, a educação sexual, a crise na Venezuela. A coletiva de imprensa do Papa Francisco no voo de retorno do Panamá para Roma, na segunda-feira, 28, abordou todos esses temas, ligados direta ou indiretamente à Jornada Mundial da Juventude (JMJ). O SÃO PAULO traduziu e editou a conversa, com base na transcrição não -oficial e no vídeo da TV 2000. Veja a íntegra no osaopaulo.org.br.

 Rádio Panamá: Santo Padre, qual era a sua missão na Jornada Mundial da Juventude? 

Minha missão é a missão de Pedro, de confirmar na fé, e não com mandamentos frios, mas deixando tocar meu coração. É difícil pensar que alguém só pode cumprir uma missão com a cabeça. Para realizar uma missão, você deve sentir. Eu sempre digo aos jovens: o que você faz na vida tem que fazer caminhando, e com três linguagens: a da cabeça, a do coração e a das mãos. E as três linguagens harmonizadas.

Rádio Panamá: A gravidez precoce é problema em toda a América Central. Qual é a opinião do Papa sobre educação sexual nas escolas?

Acredito que seja necessário. O sexo é um dom de Deus, não é um monstro. É um dom de Deus para amar, e se alguém o usa para ganhar dinheiro ou explorar o outro, é um problema diferente. Precisamos oferecer uma educação sexual objetiva, sem colonização ideológica. Porque isso destrói a pessoa. O sexo, como dom de Deus, deve ser educado, não com rigidez. Educado, de ‘educere’, para fazer emergir o melhor da pessoa e acompanhá-la.
O problema recai sobre os responsáveis pela educação, tanto no nível nacional quanto no local, bem como em cada unidade escolar: quais professores existem para isso, quais livros...
Há coisas que ajudam a amadurecer e outras que causam danos. O ideal é que comece em casa, com os pais. Nem sempre é possível, por causa de muitas situações familiares ou porque não sabem como fazê-lo. A escola pode suprir isso e deve fazê-lo, caso contrário resta um vazio que é preenchido por qualquer ideologia.

Rome Reports: Nestes dias, o senhor conversou com jovens que deixaram a Igreja. Quais são os motivos para se afastarem?

Alguns bem pessoais, mas a mais geral é a falta de testemunho dos cristãos. Dos padres, bispos. Se um pastor é um empreendedor ou organizador de um plano pastoral, se ele não está perto do povo, ele não dá o testemunho de pastor. O pastor deve estar à frente do rebanho, para indicar o caminho. No meio para sentir o cheiro das pessoas. E deve estar atrás do rebanho para proteger a retaguarda. Mas se um pastor não vive com paixão, as pessoas se sentem abandonadas ou sentem desprezo. As pessoas se sentem órfãs. Mas também há católicos hipócritas, que vão à missa mas não pagam o décimo terceiro, sonegam, exploram. E depois vão para o Caribe tirar férias. Se você fizer isso, dá contratestemunho.

Paris Match: Talvez alguns jovens estejam hesitando em entrar na vida religiosa porque não poderiam se casar. O senhor permitirá homens casados se tornem padres na Igreja Católica?

No rito oriental, eles podem fazer isso. Eles fazem a opção de celibato ou casado antes do diaconato. Quanto ao rito latino, uma frase corajosa de São Paulo VI vem à minha mente: “Eu prefiro dar a minha vida antes de mudar a lei do celibato”.
Pessoalmente, penso que o celibato é um dom para a Igreja. Não concordo em permitir o celibato opcional. Eu não farei isso. Não me sinto à vontade diante de Deus com essa decisão.
Permaneceriam algumas possibilidades em lugares distantes, penso nas ilhas do Pacífico, mas é algo a se pensar. O Padre [Fritz] Lobinger diz: a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja.
Onde não há Eucaristia, os diretores e organizadores são diáconos, irmãs ou leigos. Lobinger diz: pode-se ordenar um idoso casado, esta é sua tese. Mas só para exercitar o munus sanctificandi, isto é, celebrar a missa, administrar o sacramento da reconciliação e dar a unção dos enfermos. O bispo só lhe daria a licença para  isso. Eu acredito que o tema deva ser aberto onde há falta de padres. Não digo que deva ser feito, pois não refleti nem rezei o bastante sobre isso.

DPA: Na Via Crucis, um jovem disse palavras muito fortes sobre o aborto. Gostaria de lhe perguntar se esta posição corresponde à sua mensagem de misericórdia.

A mensagem de misericórdia é para todos, também para a pessoa humana que está em gestação. Mas é uma misericórdia difícil, porque o problema não é dar o perdão, mas acompanhar uma mulher que tomou consciência de ter abortado. São dramas terríveis.
Uma mulher, quando ela pensa no que ela fez... Você tem que estar no confessionário, aí você tem que dar consolo, não punir. Por isso eu concedi [a todos os padres] a faculdade de absolver o aborto por misericórdia. Elas devem ‘se encontrar’ com o filho. Muitas vezes, quando elas choram e têm essa angústia, eu recomendo: seu filho está no céu, fale com ele. Cante a canção de ninar que você não cantou para ele. E há um caminho de reconciliação da mãe com seu filho. Com Deus, a reconciliação já existe: Deus sempre perdoa. Mas ela também deve elaborar o que aconteceu.

Televisa: O senhor disse que se sentia muito próximo dos venezuelanos e pediu uma solução justa e pacífica, respeitando os direitos humanos. O que isso significa?

Eu apoio, neste momento, todo o povo da Venezuela porque eles estão sofrendo, de um lado e do outro. Se eu entrasse para dizer ‘escutem este ou aquele país’, eu me expressaria sobre algo que não conheço, seria uma imprudência pastoral e causaria danos. Eu sofro e desejo que entrem em um acordo. Pedi que houvesse uma solução justa e pacífica. O que me assusta é o derramamento de sangue. Quero ser pastor para todos. Se houver necessidade de ajuda para chegar a um acordo, que eles peçam.

CNS: Quais são as suas expectativas para a reunião de bispos no Vaticano, em fevereiro, para discutir o problema dos abusos na Igreja?

A ideia nasceu no C9 [Conselho de Cardeais] porque vimos que alguns bispos não entendiam bem ou não sabiam o que fazer. Sentimos a responsabilidade de dar uma ‘catequese’ sobre este problema. Primeiro: que se torne consciência do drama. Eu recebo regularmente pessoas abusadas. Lembro-me de um: 40 anos sem poder rezar. O sofrimento é terrível. Segundo: que saibam o que deve ser feito. Que façam programas gerais, mas para todas as conferências episcopais: o que o bispo deve fazer, o que o arcebispo metropolitano deve fazer, o presidente da conferência episcopal. Que existam protocolos claros. Na reunião, rezaremos, haverá testemunhos, uma liturgia penitencial para pedir perdão a toda a Igreja. Mas gostaria de dizer que temos de desinflar as expectativas, focando nesses pontos de que falei. Porque o problema continuará: é um problema humano, em todo lugar. Resolvendo o problema na Igreja, ajudaremos a resolvê-lo na sociedade e nas famílias, onde a vergonha encobre tudo.

Ansa: O senhor diz que é irresponsável considerar migrantes portadores dos males sociais. O que sente sobre as novas políticas na Itália?

O problema dos migrantes é muito complexo. Requer memória. Devemos nos perguntar se meu país foi feito por migrantes. As palavras que eu uso: receber, o coração aberto para acolher.
Acompanhar, crescer e integrar. O governante deve usar a prudência. É uma equação difícil. É um problema de caridade, de amor, de solidariedade. É verdade que se deve pensar com realismo. Eles vêm por fome ou por guerra. A melhor maneira de resolver o problema é ajudar os países de onde os migrantes vêm.