Não ter medo da cruz

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30/10/2017 - 15:00

Uma exortação a “não ter medo da cruz” foi dirigida pelo Papa aos fiéis que no dia 3 de setembro participaram no Angelus na praça de São Pedro. Comentando como de costume o evangelho dominical, o Pontífice falou da “necessidade e da fadiga para nós cristãos de caminhar contracorrente e em subida”.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

O trecho evangélico hodierno (cf. Mt 16, 21-27) é a continuação do de domingo passado, no qual se realçava a profissão de fé de Pedro, “rocha” sobre a qual Jesus quer construir a sua Igreja. Hoje, em estridente contraste, Mateus mostra-nos a reação do próprio Pedro quando Jesus revela aos discípulos que deverá padecer em Jerusalém, ser assassinado, ressuscitar (cf. v. 21). Pedro chamou de parte o Mestre e repreendeu, porque isto — diz-lhe — não poderá acontecer com Ele, com Cristo.Mas Jesus, por sua vez, repreende Pedro com palavras duras: “Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um escândalo; os teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!” (v. 23). Pouco antes, o apóstolo tinha sido abençoado pelo Pai, tinha recebido d’Ele aquela revelação, era uma “pedra” sólida a fim de que Jesus pudesse construir sobre ela a sua comunidade; e logo a seguir torna-se um obstáculo, uma pedra mas não para construir, uma pedra de tropeço no caminho do Messias. Jesus sabe bem que Pedro e os outros têm ainda muita estrada a percorrer para se tornarem seus apóstolos!

Neste ponto, o Mestre dirige-se a todos os que o seguiam, apresentando-lhes com clareza o caminho que devem percorrer: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, carregue a sua cruz e siga-me” (v. 24). Também hoje, há a tentação de querer sempre seguir um Cristo sem cruz, aliás, de ensinar a Deus a estrada certa, como fez Pedro: “Não, não Senhor, isto não, nunca acontecerá”. Mas Jesus recorda-nos que o seu caminho é o do amor, e não há amor verdadeiro sem o sacrifício de si mesmo. Somos chamados a não nos deixarmos absorver pela visão deste mundo, mas a estar cada vez mais cientes da necessidade e da fadiga para nós cristãos de caminhar contracorrente e em subida.

Jesus contempla a sua proposta com palavras que exprimem uma grande sabedoria sempre válida, porque desafiam a mentalidade e os comportamentos egocêntricos. Ele exorta: “Aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas aquele que tiver sacrificado a sua vida por minha causa, recobrá-la-á” (v. 25). Neste paradoxo está contida a regra de ouro que Deus inscreveu na natureza humana criada em Cristo: a regra que só o amor dá sentido e felicidade à vida. Dedicar os próprios talentos, as próprias energias e o próprio tempo só para salvar, proteger e realizar-se a si mesmos, leva na realidade a perder-se, ou seja, a uma existência triste e estéril. Ao contrário, vivamos pelo Senhor e construamos a nossa vida no amor, como fez Jesus: poderemos saborear a alegria autêntica, e a nossa vida não será estéril, será fecunda.

Na celebração da Eucaristia revivemos o mistério da cruz; não só recordamos, mas compreendemos o memorial do Sacrifício redentor, em que o Filho de Deus se perde completamente a Si mesmo para se receber de novo do Pai e assim nos reencontrar, a nós que estávamos perdidos, juntamente com todas as criaturas. Todas as vezes que participamos na Santa Missa, o amor de Cristo crucificado e ressuscitado comunica-se a nós como alimento e bebida, para que possamos segui-Lo no caminho de cada dia, no serviço concreto dos irmãos.

Maria Santíssima, que seguiu Jesus até ao Calvário, nos acompanhe também a nós e nos ajude a não ter medo da cruz, mas com Jesus crucificado, e não uma cruz sem Jesus, a cruz com Jesus, ou seja, a cruz de sofrer por amor de Deus e dos irmãos, porque esse sofrimento, pela graça de Cristo, é fecundo de ressurreição.

Papa Francisco

Fonte: L’OSSERVATORE ROMANO, Ano XLVIII, número 36 (2.480), p. 5