O hospital mais próximo

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15/06/2015 - 11:45

A família e a experiência da doença

A heroicidade escondida das famílias que assistem os seus entes queridos com generosidade e espírito de sacrifício foi o tema central da catequese do Papa Francisco durante a audiência geral de quarta-feira 10 de Junho, na praça de São Pedro.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Continuemos com as catequeses sobre a família, e nesta audiência gostaria de me referir a um aspecto muito comum na vida das nossas famílias, a doença. Trata-se de uma experiência da nossa fragilidade, que vivemos principalmente em família, desde a infância e depois sobretudo na velhice, quando chegam os achaques. No âmbito dos vínculos familiares, a enfermidade das pessoas que amamos é padecida com um “suplemento” de dor e de angústia. É o amor que nos faz sentir este “suplemento”. Muitas vezes para um pai e uma mãe é mais difícil suportar o mal de um filho, de uma filha, do que uma dor pessoal. Podemos dizer que a família foi desde sempre o “hospital “ mais próximo. Ainda hoje, em muitas regiões do mundo, o hospital é um privilégio para poucos, e muitas vezes fica distante. São a mãe, o pai, os irmãos, as irmãs, as avós que garantem os cuidados e ajudam a curar.

Nos Evangelhos, muitas páginas narram os encontros de Jesus com os doentes e o seu compromisso por cuidar deles. Ele apresenta-se publicamente como alguém que luta contra a enfermidade e que veio para curar o homem de todos os males: o mal do espírito e o mal do corpo. É verdadeiramente comovedora a cena evangélica recém-narrada pelo Evangelho de Marcos. Reza assim: “À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram-lhe todos os enfermos e endemoninhados” (1, 32). Se penso nas grandes cidades contemporâneas, pergunto-me onde estão as portas ao limiar das quais levar os enfermos, na esperança de que sejam curados! Jesus nunca se subtraiu aos seus cuidados. Jamais passou além, nunca virou o rosto para o outro lado. E quando um pai ou uma mãe, ou então até simplesmente pessoas amigas traziam um doente à sua presença para que o tocasse e curasse, não perdia tempo; a cura vinha antes da lei, até daquela tão sagrada como o descanso do sábado (cf. Mc 3, 1-6). Os doutores da lei repreendiam Jesus porque Ele curava no dia de sábado, fazia o bem no dia de sábado. Mas o amor de Jesus consistia em dar a saúde, em fazer o bem: e isto vem sempre em primeiro lugar!

Jesus manda os discípulos realizar a obra que Ele mesmo faz, conferindo-lhes o poder de curar, ou seja, de se aproximar dos enfermos e de cuidar deles até ao fim (cf. Mt 10, 1). Devemos ter presente aquilo que Ele disse aos discípulos no episódio do cego de nascença (cf. Jo 9, 1-5). Os discípulos – com o cego ali em frente! – debatiam sobre quem tivesse pecado por ter nascido cego, ele ou os seus pais, para provocar a sua cegueira. O Senhor disse claramente: nem ele, nem os seus pais; é assim para que nele se manifestem as obras  e Deus. E curou-o. Eis a glória de Deus! Eis a tarefa da Igreja! Ajudar os doentes, sem se perder em bisbilhotices, assistir sempre, consolar, aliviar, estar próximo dos doentes; esta é a sua tarefa.

A Igreja convida à oração incessante pelos nossos entes queridos, atingidos pelo mal. A prece pelos doentes nunca deve faltar. Aliás, temos que rezar ainda mais, tanto pessoalmente como em comunidade. Pensemos no episódio evangélico da mulher cananeia (cf. Mt 15, 21-28). Trata-se de uma mulher pagã, não pertence ao povo de Israel, mas é uma pagã que suplica a Jesus a cura da própria filha. Para pôr à prova a sua fé, Jesus primeiro responde duramente: “Não posso, devo pensar primeiro nas ovelhas de Israel!”. A mulher não desiste – quando pede ajuda para a sua criatura, uma mãe nunca cede; todos nós sabemos que as mães lutam pelos seus filhos – e responde: “Até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa dos seus donos!”, como se dissesse: “Trata-me pelo menos como uma cachorrinha!”. Então, Jesus diz-lhe: “Ó mulher, grande é a tua fé! Seja feito como tu desejas” (v. 28).

Diante da doença, até em família surgem dificuldades, por causa da debilidade humana. Mas em geral o tempo da enfermidade faz aumentar a força dos vínculos familiares. E penso como é importante educar desde crianças os filhos para a solidariedade na hora da doença. Uma educação que mantenha à distância a sensibilidade pela enfermidade humana torna árido o coração. E leva os jovens a ser “anestesiados” em relação ao sofrimento do próximo, incapazes de se confrontar com o sofrimento e de viver a experiência do limite. Quantas vezes nós vemos chegar ao trabalho um homem, uma mulher com o rosto cansado, com uma atitude fatigada, e quando lhe perguntamos: “O que acontece?”, responde: “Eu durmi só duas horas, porque em casa nos revezamos para estar próximos do filho, da filha, do doente, do avô, da avó”. E o dia continua com o trabalho. São coisas heróicas, é a heroicidade das famílias! Estas formas de heroicidade escondida verificam-se com ternura e com coragem, quando em casa alguém está doente.

A debilidade e o sofrimento dos nossos afetos mais queridos e mais sagrados podem ser, para os nossos filhos e os nossos netos, uma escola de vida – é importante educar os filhos, os netos, para que compreendam esta proximidade na doença em família – e tornam-se tal quando os momentos de enfermidade são acompanhados pela oração e pela proximidade carinhosa e cheia de esmero dos familiares. A comunidade cristã sabe bem que, na prova da doença, a família não deve ser deixada sozinha. E temos que dar graças ao Senhor pelas lindas experiências de fraternidade eclesial que ajudam as famílias a atravessar o árduo momento da dor e do sofrimento. Esta proximidade cristã, de uma família em relação à outra, é um verdadeiro tesouro para a paróquia; um tesouro de sabedoria, que assiste as famílias nas fases difíceis, levando-as a compreender o Reino de Deus melhor do que muitos discursos! São carícias de Deus!

Fonte: Edição nº 24 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 16