Advento e cidadania

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02/12/2015 - 11:30

O ano litúrgico inicia praticamente um mês antes do ano civil. Nisso, segue a mesma dinâmica do dia litúrgico, o qual começa na véspera do dia anterior, isto é, ao escurecer do sol poente. Trata-se, na verdade, do simbolismo que se oculta no mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo em que, ao pôr do sol, a luz se extingue, abre-se a esperança de que logo mais venha a aurora, símbolo de um novo dia e de uma nova vida.

Advento é isto: tempo de preparação, de esperança e de abertura, pois algo está a caminho, algo inédito cresce no ventre mesmo da história. Amadurece e se aproxima o mistério da encarnação do Senhor, "verbo que se faz carne e vem habitar entre nós" (Jô 1,15). A história humana se reveste do espírito divino, superando o mal e o pecado, e convertendo-se em história de salvação. "O tempo já se cumpriu, o Reino de Deus está próximo, convertam-se e acreditem na Boa-Notícia!" (Mc 1,15).

Do ponto de vista do debate sobre a cidadania, podemos dizer que o entardecer representa a crise política, econômica e social em que o País está mergulhado. Tempo de ocaso, de escuridão, de desencanto - o sol se põe sobre muitos ideais e sobre não poucas esperanças. Os cortes e ajustes fiscais, próprios do período de "vacas magras", pesam sobretudo sobre os serviços públicos. O que vale dizer, sobre o bolso e os ombros da população de baixa renda.

Ao mesmo tempo, porém, a aurora não tarda. A própria crise interpela e exige mudanças, da mesma forma que o Advento reclama conversão. Reformas urgentes se fazem necessárias. Neste momento sombrio, somos chamados a construir uma ponte, uma passagem da crise à encruzilhada. De fato, durante a crise prevalece o pranto, a angústia e as lágrimas. Tornamo-nos cegos: impossível ver o farol e menos ainda traçar o rumo do porto.

A encruzilhada, ao contrário, pressupõe distintas veredas e, ao mesmo tempo, a iniciativa de uma escolha. Abrem-se no horizonte várias possibilidades. O desafio é enxugar as lágrimas, erguer a cabeça e tomar uma decisão. Impõe-se uma opção entre os caminhos disponíveis. Estabelecida a nova ponte, é preciso cruzá-la com fé e coragem - na esperança de que o sol nascerá de novo.

Advento é tempo de passar da crise à encruzilhada, na certeza que as festividades do Natal significam o nascimento do Senhor da história. Se é verdade que a noite é ainda escura, brilha com mais força a estrela que anuncia a gruta de Belém, onde repousa o Menino Jesus - esperança de justiça, paz e salvação.

Fonte: Edição 3079 do Jornal O SÃO PAULO – página 05