Nunca escravos do trabalho

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26/08/2015 - 08:30

Durante a audiência geral o Papa Francisco falou sobre a importância da festa em família
E denunciou os ritmos desregrados que provocam vítimas entre os jovens

“Hoje inauguramos um breve percurso de reflexão em três dimensões, que cadenciam o ritmo da vida familiar: a festa, o trabalho e a oração”, disse o Papa Francisco introduzindo na sala Paulo VI a catequese da audiência geral de quarta-feira 12 de Agosto, dedicada precisamente ao primeiro dos temas, a festa em família. Publicamos a seguir as suas palavras pronunciadas nessa ocasião.

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje inauguramos um breve percurso de reflexão em três dimensões, que, por assim dizer, cadenciam o ritmo da vida familiar: a festa, o trabalho e a oração.

Encetemos pela festa. Hoje falaremos sobre a festa. E digamos imediatamente que a festa é uma invenção de Deus. Recordemos o desfecho da narração da criação no Livro do Gênesis, que há pouco ouvimos: “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e consagrou-o, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação” (2, 2-3). É o próprio Deus que nos ensina a importância de dedicar tempo à contemplação e à fruição daquilo que foi bem feito mediante o trabalho. Naturalmente, falo de trabalho não apenas no sentido do ofício e da profissão, mas no seu sentido mais amplo: cada gesto com que nós, homens e mulheres, podemos colaborar para a obra criadora de Deus.

Portanto, a festa não é a indolência de ficar sentado na poltrona, nem a ebriedade de um escapismo insensato; não, a festa é antes de tudo um olhar amoroso e agradecido sobre o trabalho bem feito; festejemos um trabalho! Também vós, recém-casados, festejais a labuta de um bom tempo de noivado: e isto é bonito! É o tempo para olhar os filhos, os netos que crescem, e pensar: que bonito! É o tempo para olhar a nossa casa, os amigos que hospedamos, a comunidade que nos circunda, e pensar: que bom! Deus agiu assim, quando criou o mundo. E ainda age continuamente assim, porque Deus cria sempre, até neste momento!

Pode acontecer que uma festa chegue em circunstâncias difíceis e dolorosas, e talvez seja celebrada “com um nó na garganta”. E no entanto, até nestes casos, peçamos a Deus a força para não a esvaziar completamente. Vós, mães e pais, sabeis bem isto: quantas vezes, por amor aos filhos, sois capazes de superar os desgostos para permitir que eles vivam bem a festa, saboreando o bom sentido da vida! Há tanto amor nisto!

Inclusive no ambiente de trabalho, às vezes - sem faltar aos próprios deveres! - nós sabemos “inserir” algumas centelhas de festa: um aniversário, um casamento, um nascimento, assim como a despedida ou a chegada de alguém... é importante. É importante fazer festa! São momentos de familiaridade na engrenagem da máquina de produção: faz-nos bem!

Contudo, o verdadeiro tempo da festa suspende o trabalho profissional e é sagrado, porque recorda ao homem e à mulher que são feitos à imagem de Deus, o qual não é escravo do trabalho mas Senhor, e portanto também nós nunca devemos ser escravos do trabalho, mas “senhores”. Para isto existe um mandamento, um mandamento que se refere a todos, sem excluir ninguém! E no entanto, sabemos que existem milhões de homens e mulheres, e até crianças, escravos do trabalho! Nesta época existem escravos, pessoas que são exploradas, escravos do trabalho, e isto é contra Deus e contra a dignidade da pessoa humana! A obsessão do lucro econômico e o eficientismo da técnica ameaçam os ritmos humanos da existência, porque a vida tem os seus ritmos humanos. O tempo do descanso, sobretudo dominical, é-nos destinado para podermos gozar daquilo que não se produz e não se consume, que não se compra e não se vende. E no entanto, vemos que a ideologia do lucro e do consumo quer devorar também a festa: até ela, às vezes, é reduzida a um “negócio”, a um modo de ganhar dinheiro e de gastá-lo. Mas é para isto que trabalhamos? A ganância do consumo, que acarreta o desperdício, é um vírus ruim que, de resto, no final nos faz sentir mais cansados do que antes. Prejudica o trabalho autêntico e consome a vida. Os ritmos desregrados da festa provocam vítimas, muitas vezes jovens.

Enfim, o tempo da festa é sagrado porque Deus o habita de uma maneira especial. A Eucaristia dominical leva à festa toda a graça de Jesus Cristo: a sua presença, o seu amor, o seu sacrifício, o seu fazer-nos comunidade, o seu estar conosco... E assim cada realidade recebe o seu pleno sentido: o trabalho, a família, as alegrias e as dificuldades de cada dia, mas também o sofrimento e a morte; tudo é transfigurado pela graça de Cristo.

A família é dotada de uma competência extraordinária para compreender, orientar e promover o valor autêntico do tempo da festa. Mas como as festas em família são bonitas, belíssimas! E em particular a festa do domingo. Sem dúvida, não é por acaso que as festas nas quais há lugar para a família inteira são as mais bem sucedidas!

A própria vida familiar, contemplada com os olhos da fé, parece-nos melhor do que os esforços que ela nos custa. Manifesta-se-nos como uma obra-prima de simplicidade, bonita precisamente porque não é artificial nem postiça, mas capaz de incorporar em si todos os aspectos da vida real. Parece-nos como algo “muito bom”, como Deus disse no final da criação do homem e da mulher (cf. Gn 1, 31). Por conseguinte, a festa é um presente precioso de Deus; um dom inestimável que Deus ofereceu à família humana: não o estraguemos!

“Não obstante os ritmos acelerados da nossa época, não percais o sentido do dia do Senhor! Ele é como o oásis onde parar para saborear a alegria do encontro e saciar a nossa sede de Deus”, recomendou no final o Papa Francisco aos fiéis de expressão árabe presentes na audiência geral. A seguir, algumas das saudações do Pontífice nessa circunstância.

Fonte: Edição nº 34 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 3