Carta Encíclica POPULORUM PROGRESSIO: olhar atento e carinhoso da Igreja

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25/10/2017 - 16:30
Celebramos com renovada alegria e entusiasmo, em 2015, os 50 anos do término do Concílio Ecumênico Vaticano II. Após a conclusão do XXI Concílio, em 1965, muitas
portas se abriram na Igreja de Cristo Jesus. “Esta é a única Igreja de Cristo que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica” (LG, n. 8), para responder
pronta e vivamente aos homens e mulheres do nosso tempo frente “[...] as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS, n. 1).
 
Com a mesma felicidade e firme confiança, o Beato Paulo VI, presenteou-nos com sua Carta Encíclica Populorum Progressio, datada de 26 de março de 1967, cuja questão social abrange agora o mundo inteiro. “O desenvolvimento dos povos, especialmente daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endêmicas, a ignorância; que procuram uma participação mais ampla nos frutos da civilização, uma valorização mais ativa das suas qualidades humanas; que se orientam com decisão para o seu pleno desenvolvimento, é seguido com atenção pela Igreja. Depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, uma renovada conscientização das exigências da mensagem evangélica traz à Igreja a obrigação de se pôr ao serviço dos homens, para os ajudar a aprofundarem todas as dimensões de tão grave problema e para os convencer da urgência de uma ação solidária neste virar decisivo da história da humanidade” (PP, n.1).
 
Lembremo-nos sempre o que dizem a Sagrada Escritura e a mensagem do Magistério da Igreja: “Deus criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher Ele os criou” (Gn 27, 1). “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1, 28). “Deus destinou a terra, com tudo que ela contém, para o uso de todos os homens e povos, de tal modo que os bens criados devem bastar a todos, sob as regras da justiça, inseparável da caridade” (GS, n. 69).
 
A Igreja, presente no mundo, respondeu às enormes necessidades da humanidade, com a belíssima e atualíssima Carta Encíclica Populorum Progressio. “Mas as iniciativas locais e individuais já não bastam. A situação atual do mundo exige uma ação de conjunto a partir de uma visão clara de todos os aspectos econômicos, sociais, culturais e espirituais. Conhecedora da humanidade, a Igreja, sem pretender de modo algum imiscuir-se na política dos Estados, tem apenas um fim em vista: continuar, sob o impulso do Espírito consolador, a obra própria de Cristo, vindo ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar, não para condenar, para servir, não para ser servido. Fundada para estabelecer já neste mundo o reino do céu e não para conquistar um poder terrestre, a Igreja afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes, eclesiástico e civil, cada um na sua ordem.  Porém, vivendo na História, deve estar atenta aos sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho. Comungando nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento e, por isso, propõe-lhes o que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade” (PP, n.13).
 
Em 1967, a Igreja, colocou-se prontamente ante às urgências do mundo contemporâneo, dialogando com a sociedade na perspectiva de encontrar justa saída para o bem comum de toda a humanidade. “Só a iniciativa individual e o simples jogo da concorrência não bastam para assegurar o êxito do desenvolvimento. Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos. São necessários programas para "encorajar, estimular, coordenar, suprir e integrar" a ação dos indivíduos e dos organismos intermediários. Pertence aos poderes públicos escolher e, mesmo impor, os objetivos a atingir, os fins a alcançar e os meios para os conseguir e é a eles que compete estimular todas as forças conjugadas nesta ação comum. Tenham porém cuidado de associar a esta obra as iniciativas privadas e os organismos intermediários. Assim, evitarão o perigo de uma coletivização integral ou de uma planificação arbitrária que, privando os homens da liberdade, poriam de parte o exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana” (PP, n. 33).
 
Diante do crescimento populacional e do desenvolvimento dos povos a Igreja respondeu com a leitura evangélica da caridade, como bem comum. “É bem verdade que um
crescimento demográfico acelerado vem, com demasiada frequência, trazer novas dificuldades ao problema do desenvolvimento: o volume da população aumenta muito
mais rapidamente que os recursos disponíveis, e cria-se uma situação que parece não ter saída. Surge, por isso, a grande tentação de refrear o crescimento demográfico por meios radicais (PP, n. 37). “O desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade (PP, n. 43). 
 
É preciso evitar a guerra e promover a paz. Justiça e paz andam juntas proporcionando solidariedade entre os povos. “As excessivas disparidades econômicas, sociais e culturais provocam, entre os povos, tensões e discórdias, e põem em perigo a paz. Como dizíamos aos Padres conciliares, no regresso da nossa viagem de paz à ONU, a condição das populações em fase de desenvolvimento deve ser objeto da nossa consideração, ou melhor, a nossa caridade com todos os pobres do mundo, e eles são legiões infinitas, deve tornar-se mais atenta, mais ativa e mais generosa. Combater a miséria e lutar contra a injustiça, é promover não só o bem-estar mas também o progresso humano e espiritual de todos e, portanto, o bem comum da humanidade. A paz não se reduz à ausência de guerra, fruto do equilíbrio sempre precário das forças. Constrói-se, dia a dia, na busca de uma ordem querida por Deus, que traz consigo uma justiça mais perfeita entre os homens. (PP, n. 76).
 
Os que muitos julgam como utopia a Igreja, à luz do Evangelho de Cristo Jesus, anuncia sempre como Verdade, motivando a viva esperança na humanidade, dando a cada
homem e mulher, a pertença ao Altíssimo e misericordioso Deus. “Alguns julgarão utópicas tais esperanças. Pode ser que, no seu realismo, se enganem e não se tenham
apercebido do dinamismo de um mundo que quer viver mais fraternalmente e que, apesar das suas ignorâncias e dos seus erros, e até dos seus pecados, das suas recaídas na barbárie e das longas divagações fora do caminho da salvação, se vai aproximando lentamente, mesmo sem dar por isso, do seu Criador. Este caminho para mais humanidade pede esforço e sacrifício: mas o próprio sofrimento, aceito por amor dos nossos irmãos, é portador de progresso para toda a família humana. Os cristãos sabem que a união ao sacrifício do Salvador contribui para a educação do Corpo de Cristo na sua plenitude: o povo de Deus reunido” (PP, n. 79).
 
A constante mobilidade humana, por conta das inúmeras guerras, causando as maciças migrações e afetando milhões de refugiados ao redor do mundo, a Igreja de maneira solícita e materna, respondeu com esperança e presença amorosa. “O desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como justa e vincadamente sublinhou um eminente especialista: não aceitamos que o econômico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civilizações em que ele se incluiu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira" (PP, n. 14).
 
Seja o celebrar dos 50 anos da Carta Encíclica Populorum Progressio, um momento de privilégio eclesial. Seja o recordar sempre atual e presencial da Igreja sobre as reflexões do mundo contemporâneo. Seja o olhar sempre atento e decidido do Pontífice, Beato Paulo VI, como Igreja no seu tempo. Seja no hoje da vida eclesial o viver como Igreja em saída, proposta pelo Papa Francisco.
 
Pe. José Ulisses Leva
Professor da PUC/SP