Algumas vocações dão certo. Outras, não.

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13/05/2014 - 00:00

O 4º Domingo da Páscoa, 11 de maio, “Domingo do Bom Pastor”, foi também celebrado como Jornada Mundial de Oração pelas Vocações. O que desperta uma vocação autêntica? O que sustenta uma vocação pela vida afora? Por qual razão as vocações autênticas andam raras hoje?

Na sua Mensagem para essa ocasião, o papa Francisco traz as palavras de Jesus que, vendo as multidões cansadas e famintas teve compaixão delas e ordenou: “pedi ao Senhor da messe que envie operários à sua messe, pois a messe é grande e os operários são poucos!” (cf Mt 9,35-38).

O povo seguia Jesus e queria ouvi-lo e estar próximo dele; em Jesus, as pessoas viam um “homem de Deus”, que os atraía; queriam estar perto dele e ser beneficiados pelo “poder” que irradiava. Buscavam a verdade, o amor; buscavam Deus. E concluíam: “um grande profeta apareceu entre nós e Deus visitou o seu povo” (cf Lc 7,16).

Jesus “falava com autoridade, e não como os nossos escribas” (cf  Mt 7,29). Alguns concluíam: “Ele tem feito bem todas as coisas. Fez os surdos ouvirem, os mudos falarem” (cf  Mc 7,37). As multidões não sabiam definir bem mas eram atraídas por Jesus: “ninguém jamais falou como este homem!” ( Jo 7,46). Pedro, em certo momento de crise no discipulado, quando muitos abandonavam Jesus, resume a razão mais profunda porque ele e alguns continuam a permanecer como ele: “Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens palavras de vida eterna e nós cremos e sabemos que tu és o santo de Deus (Jo 6,68).

A vocação na Bíblia aparece como fruto de uma forte experiência do amor de Deus. Paulo, bem depois do encontro surpreendente com Jesus às portas de Damasco, tendo já padecido um bocado por causa de Cristo, recorda a própria vocação e o motivo de tanto ardor e dedicação ao Evangelho: ”Cristo morreu por nós quando éramos ainda pecadores! (Rm 5,8). A tanto amor gratuito, só se pode responder com a entrega total da vida: “Ele me amou e por mim se entregou sobre a cruz!” (Gl 2,20). Para Paulo, nada na vida vale mais do que “ser de Cristo” e dedicar a sua vida inteira a ele e ao anúncio da Boa Nova aos povos: “o meu viver é Cristo” (cf Fp 1,21).

Mas houve também os que desistiram de acompanhar Jesus, depois de tê-lo seguido por algum tempo: “dura é esta palavra, quem pode suportá-la?!” (cf Jo, 6, 60). A palavra de Jesus exigia o passo da fé sincera e desapegada; muitos discípulos não foram capazes desse passo. Lembramos também aquele homem (“jovem rico”?) que se aproximou de Jesus com boas intenções, mas acabou se distanciando dele, “porque tinha muitos bens”  e não foi capaz de trocar um tesouro na terra pelo tesouro no céu (cf Lc  18,22). Tantos passos bíblicos de “vocações falidas” poderiam ser recordados...

O papa Francisco recorda, na sua Mensagem, que as vocações sacerdotais e outras, de especial consagração, despertam e se sustentam na escuta da voz de Cristo, que ressoa na Igreja, naqueles que se deixam transformar-se pelas palavras de Cristo, que “são espírito e são vida” (Jo 6,62). E convida a “ouvir Jesus” nos muitos apelos da vida da comunitária.

Pede mesmo para ir contra a corrente da busca sôfrega de satisfações pessoais e egoístas, como é próprio da cultura do nosso tempo: “a vocação é fruto que amadurece no campo bem cultivado do amor mútuo, que se torna serviço recíproco no contexto de uma autêntica vida eclesial. Nenhuma vocação nasce por si mesma, ou vive para si mesma. A vocação brota do coração de Deus e germina na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno”. Deus continua a chamar. Haverá também hoje quem se dispõe a responder SIM.

O que pode despertar vocações autênticas e sustentar a sua perseverança nestes tempos de individualismo e busca desenfreada do gozo imediato da vida? Por quais motivos tantas vocações aparentes não vingam e acabam frustradas? Como cultivar vocações autênticas numa cultura subjetivista e narcisista, de relativismo extremo diante da verdade? Os textos acima convidam a refletir...

 

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO, Edição 3002 de 13 a 19 de maio de 2014