Semear com esperança e fé

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26/07/2014 - 00:00

No trabalho da Igreja e na obra da evangelização, podemos ser levados por impulsos de eficientismo, como se tudo dependesse apenas de nós e de nossos esforços; ou pelo desânimo, diante do pouco fruto conseguido. O papa Francisco, adverte contra essas tentações dos evangelizadores na Exortação Evangelii gaudium (cf nn. 76 a 101).

Nunca deveríamos esquecer as lições da parábola do semeador, contada por Jesus a uma grande multidão, que o escutava à beira do mar da Galileia (cf Mt 13,1-23). Ele sabia que muitos estavam ali com grande desejo de acolher sua palavra e prontos para orientar  a vida pelas suas palavras; esses tinham a possibilidade de produzir fruto, pois a semente era boa e o terreno também. Ainda dependia da perseverança, pois o fruto não vem junto com a semeadura; ainda é preciso esperar, ter paciência e dedicar-se ao cuidado das plantas.

Também sabia Jesus que muitos dos ouvintes, entusiasmados com sua pregação, esqueceriam tudo logo em seguida e palavra anunciada ficaria sem produzir efeito algum; ouvir com entusiasmo mas, logo em seguida, “virar a página”, ou “trocar de canal”, sem interiorizar a mensagem, nem confrontar-se com os apelos da palavra de Deus, é como jogar sementes sobre um terreno pedregoso. Não dá para esperar frutos. Infelizmente, a cultura consumista, inconstante e superficial, é como um terreno pedregoso, onde as plantas não podem lançar raízes e não se pode esperar fruto.

E Jesus, que conhecia os corações e lia nos pensamentos, bem sabia que muitos dos seus ouvintes tinham boa vontade e acolhiam suas palavras com apreço, mas eram como terrenos descuidados, onde todo tipo de planta aparece; geralmente, as mais selvagens acabam dominando sobre as mais delicadas, sufocando-as. Corações cheios de vícios, sem firmeza e virtude, influenciáveis por qualquer vento de tentação, não deixam a plantinha boa vingar e produzir fruto. O bem demanda escolhas, esforço, perseverança...

Muitas palavras de Jesus eram como sementes lançadas ao vento, ou como aquelas que caem no chão duro do caminho; antes mesmo que possam brotar, já são roubadas pelo maligno. Coração soberbo e fechado, pouco disposto a se deixar influenciar por aquele pregador, muitos ouvintes sairiam de perto do mar da Galileia do mesmo jeito que ali chegaram... Mesmo assim, Jesus não deixa de lhes anunciar a Boa Nova do Reino de Deus.

Na evangelização, somos colaboradores de Deus. A semente é a palavra de Deus e deve ser anunciada com generosidade; ela é boa por si mesma e seu objetivo é produzir frutos abundantes de vida para os homens e manifestar a glória de Deus. Ninguém duvide de que foi este o desejo de Deus, ao enviar ao mundo seu Verbo, sua palavra eterna!

E o fruto? O fruto não depende apenas da semente, mas também do terreno, do cultivo do terreno e das plantas. E nisso Deus quer contar com a livre participação do homem. Deus não age sozinho nem desrespeita nossa liberdade. Nós somos o terreno. Nós o cultivamos, colaborando com o “divino agricultor”, que nos dá todos os meios para sermos terreno bom. Mas devemos fazer nossa parte. Colaboração entre graça divina e liberdade humana,  mistério da sabedoria e do amor de Deus! Mistério da liberdade e da dignidade humana! Quanto Deus não fez para nos atrair a si e para sermos seus colaboradores livres e dignos!

No serviço da Igreja, podemos ser levados pela tentação da eficiência, influenciados pela mentalidade tecnológica, onde as coisas funcionam por um aperto de botão ou tecla... Pretende-se, de maneira voluntarista, mudar as coisas com ordens e decretos, até mesmo sobre Deus (“eu determino que Deus tem que fazer isso!”), sem apelar à consciência e ao núcleo da pessoa, que é o sujeito de decisão livre... Deus não nos quer “autômatos”, sem mérito, mas sujeitos livres e colaboradores conscientes com sua graça.

Jesus ensinou que, diante dos vários tipos de terreno, vale a pena continuar lançando as sementes, mesmo que muitas estejam fadadas a não produzir fruto algum. Há muito terreno bom e produtivo. E os terrenos pouco ou nada produtivos podem mudar... O coração humano pode se converter. A graça de Deus age sutilmente e a boa semente pode produzir frutos também onde menos se espera. É preciso semear com coragem, generosidade e desapego. Cultivar com paciência, perseverança e esperança!

 

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO, Edição 3011 - 16 a 22 de julho de 2014