Como casar carnaval e Quaresma?

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Reflexão sobre carnaval e Quaresma
Publicado em: 20/02/2017 - 15:45
Créditos: Fonte: Edição 3138, de 15 a 21 de fevereiro de 2017, do Jornal O SÃO PAULO, p. 05

O carnaval mergulha suas raízes no mundo medieval. Entre seus divertimentos, destacava-se o de inverter valores e papéis, escarnecer dos vícios das autoridades, desfilar pelas ruas segredos de determinado monarca ou príncipe. De repente, alguém podia descobrir que “o rei está nu”. As pessoas simples, aliás, podiam representar a função de barões ou sacerdotes, acentuando-lhes os defeitos. Era um momento oportuno para despir as máscaras ou para, endossando uma, revelar características ocultas.

Embora por caminhos e modos diferentes, a Quaresma também é tempo de inverter certos valores e refletir sobre determinados comportamentos. De colocar o dedo sobre chagas pessoais e sociais e pôr a nu vícios que impedem a fraternidade. De virar do avesso e tentar curar a patologia de uma política econômica centrada no lucro de poucos e na exclusão social de muitos. E também de buscar alternativas viáveis ao acúmulo progressivo de capital.

Isso mesmo é o que propõe a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para a Campanha da Fraternidade (CF 2017). Todos os anos, como sabemos, a Quaresma representa não só um período privilegiado de penitência e conversão, mas também um espaço de reflexão e ação, em favor de um tema que afeta toda a sociedade.

Daí o tema e o lema da CF 2017, respectivamente, “Fraternidade, biomas brasileiros e defesa da vida” e “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15). Parte-se, ao mesmo tempo, da situação real em que vivemos e da Palavra de Deus. Por um lado, uma denúncia corajosa e profética sobre o tipo de economia adotado por muitos países do Ocidente. A velocidade e a voracidade na busca de ganhos sempre maiores e mais rápidos vêm danificando os biomas, berço indispensável para o habitat da vida humana e das demais espécies, a biodiversidade.

Por outro lado, o anúncio positivo, igualmente corajoso e profético, de que a preservação e o cultivo do meio ambiente tornam-se absolutamente necessários para manter o dom da criação. Respeitar os recursos da natureza, usando-os de maneira sóbria e frugal, é uma forma de recriar a “nossa casa comum”, como a encíclica Laudato Si, de maio de 2015, denomina o planeta Terra.

Mas não é só isso! Tanto a encíclica do Papa Francisco quanto a CF 2017 objetivam, ainda, uma melhor distribuição daquilo que nos oferece a mãe Terra. O respeito e cultivo dos diferentes biomas não pode ser dissociado do tema da justiça e da paz. A responsabilidade sobre o cuidado da natureza é proporcional aos danos causados.

 

Pe. Alfredo José Gonçalves, CS

As opiniões da seção “Fé e cidadania” são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do O SÃO PAULO.