Dar sentido, consolo e força no enfrentamento da doença e da morte

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Entrevista aprofunda o tema da assistência espiritual no fim da vida
Publicado em: 29/09/2015 - 11:30
Créditos: Edição nº 3070 do Jornal O SÃO PAULO – página 11

Venâncio Pereira Dantas Filho é médico e membro do Centro Interdisciplinar de Bioética da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Em 2015, desenvolveu uma pesquisa sobre o tema da assistência espiritual, baseado nos últimos dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sobre religiosidade no País. Os resultados do trabalho intitulado "Solicitação de rituais religiosos de final de vida por pacientes hospitalizados", feito em conjunto com outros três pesquisadores da mesma Universidade, foram apresentados na III Conferência Internacional sobre Ensino de Bioética, realizado, entre os dias 16 e 18 de setembro, em Curitiba (PR).

Em entrevista ao O SÃO PAULO, Venâncio aprofundou o tema da assistência espiritual no fim da vida a partir dos pedidos de rituais de despedida entre os pacientes que faleceram no Hospital de Campinas (SP), atendidos pelo Serviço de Capelania Hospitalar (SCH). "Toda a literatura já é unânime em considerar que os rituais religiosos são importantes instrumentos de auxílio na elaboração do luto, tanto para os pacientes em processo de morrer e seus familiares quanto para os próprios profissionais da saúde", afirmou.

O SÃO PAULO - Quais as principais características da assistência religiosa, sobretudo para pacientes terminais?

Venâncio Pereira Dantas Filho - O Serviço de Capelania Hospitalar do Hospital de Campinas (HC) é ecumênico, formado por um padre católico, um pastor evangélico e uma secretária, que organizam e participam de uma escala de atendimento religioso aos pacientes e familiares, com a colaboração de 35 voluntários leigos (católicos e evangélicos), previamente treinados para esse atendimento. Aos pacientes não cristãos de qualquer outra confissão religiosa é garantido o atendimento religioso espiritual (RE), conforme solicitado. Todo atendimento RE nas dependências do HC é de responsabilidade do Serviço de Capelania Hospitalar. O apoio RE aos pacientes e suas famílias é realizado por meio de orações feitas pelos voluntários que passam em visita diária pelas várias enfermarias da Instituição. Quando solicitado, são realizados ritos e orações pelo pastor capelão ou outros pastores visitantes autorizados, bem como Confissão, Eucaristia e Unção dos Enfermos pelo padre capelão ou outro autorizado. Orações e inclusões no culto, missa e celebração da Palavra semanais podem ser solicitadas. Acontecem semanalmente estudos bíblicos, oração do Terço e adoração ao Santíssimo Sacramento.

Que benefícios e que aspectos negativos há para o paciente e também para a equipe médica nessa assistência?

Hoje é unanimidade que o atendimento religioso espiritual é benéfico para os pacientes, familiares e profissionais envolvidos, desempenhando um papel protetor sobre a saúde em geral, que supera muitas vezes qualquer efeito adverso. Entre os efeitos positivos relacionados à RE destacam-se a maior resiliência e resistência ao estresse causado pela enfermidade, a aceleração da remissão e a prevenção da recaída das doenças e da depressão associada. A influência pode ser eventualmente negativa, com a substituição dos cuidados médicos tradicionais, depressão, isolamento, indução de culpa, vergonha, medo, ou até justificando reações de raiva e agressão. Quando não conduzidas e elaboradas adequadamente, as reações prolongadas de luto podem se complicar e se estabelecer como patológicas.

Há aceitação dos hospitais e profissionais da saúde ou ainda existem preconceitos quando se fala em assistência religiosa espiritual?

No Brasil, é garantida por lei (Lei Federal na 9.982/2000) que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares, a assistência nos hospitais públicos e privados. Mesmo que ainda possam haver alguns preconceitos, eles logo desaparecerão. Temos notícia de que muitos hospitais têm serviços de capelania exclusivamente católicos ou evangélicos. Serviços ecumênicos, como o do HC Unicamp, são menos comuns.

Há conflitos inter-religiosos nesse processo?

Apesar da totalidade dos voluntários do Serviço de Capelania Hospitalar ser de denominações cristãs (católicos e evangélicos), todos são treinados para dar atendimento independentemente da denominação religiosa do paciente. A grande maioria de pacientes e familiares se mostra receptiva à visita dos voluntários, independentemente da denominação. Um número bem pequeno de pacientes eventualmente rejeita essa visita ou solicita exclusividade de algum representante religioso específico de determinada confissão religiosa. Na vasta maioria dos casos, não há conflitos nos atendimentos. Alguns fatores que dificultam o atendimento de pacientes graves, com alto risco de morte, são: a baixa solicitação pela família, muitas vezes em fase de choque ou negaçao da morte; a dificuldade de acesso às UTI’s, pela limitação de visitas aos pacientes e eventuais isolamentos dos pacientes por imunossupressão, ou seja, a deficiência do sistema imunitário ou colonização por bactérias resistentes. Outro aspecto relacionado ao baixo índice de atendimento aos pacientes muito graves é a informalidade relativa dos atendimentos. Muitas vezes, outros pacientes solicitam atendimento no mesmo quarto ou enfermaria e acabam não sendo devidamente registrados pelos assistentes espirituais.

O que você considera mais importante para que a assistência espiritual seja eficaz?

Alguns pontos podem ser destacados: o respeito absoluto às convicções do paciente e seus familiares; nunca, de forma alguma, fazer proselitismo ou impor atitudes no atendimento ao paciente; a escuta com paciência e serenidade, em primeiro lugar, para detectar as necessidades reais do paciente e familiares; orações, leitura bíblica e outros ritos devem ser oferecidos e realizados somente de acordo com a vontade do paciente; qualquer intervenção com o paciente deve visar a transformação de um eventual efeito negativo - como culpa, medo, depressão, vergonha, negação, raiva - em efeitos positivos, dando sentido, consolo e força nesses momentos tão desafiantes do enfrentamento da doença e da morte.

Nayá Fernandes