É preciso superar esquemas engessados de prática pastoral

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Confira na íntegra da entrevista concedida com exclusividade ao jornal O SÃO PAULO:
Publicado em: 08/02/2017 - 15:15
Créditos: Edição 3136, de 1º a 7 de fevereiro de 2017, do Jornal O SÃO PAULO, p. 15.

Ao falar sobre o 12º Plano Arquidiocesano de Pastoral, o arcebispo de São Paulo, Cardeal Odilo Pedro Scherer, destaca a necessidade de uma Igreja “em saída” e cada vez mais em “estado permanente de missão” na cidade. “Precisamos fazer uma pastoral mais voltada para as pessoas, do que para alimentar esquemas ‘que sempre foram assim’”, disse.

Confira na íntegra da entrevista concedida com exclusividade ao jornal O SÃO PAULO:

O SÃO PAULO – QUAIS OS PRINCIPAIS PONTOS QUE O SENHOR DESTACOU NO 12º PLANO ARQUIDIOCESANO DE PASTORAL?

Dom Odilo Pedro Scherer – O 12º Plano de Pastoral, que deverá orientar a Pastoral de Conjunto da Arquidiocese de São Paulo nos próximos quatro anos, mantém a motivação de seus predecessores: a preocupação missionária diante das várias urgências da evangelização em nossa Arquidiocese. Nele, também continua presente a preocupação com o testemunho do Evangelho de Cristo na Metrópole paulistana, uma vez que somos uma Igreja inserida inteiramente no contexto da cidade grande. Ainda mais, o novo Plano traz a preocupação com a família, direcionado para uma nova pastoral familiar, conforme os estímulos vindos das últimas duas assembleias do Sínodo dos Bispos e do Papa Francisco, na Exortação Apostólica Amoris Laetitia.

 

O SÃO PAULO – NA APRESENTAÇÃO DO PLANO, O SENHOR ESCREVE QUE “AINDA ESTAMOS LONGE DE UMA IGREJA ‘EM SAÍDA’ E ‘EM ESTADO PERMANENTE DE MISSÃO’”. O QUE NOS FALTA?

Dom Odilo Pedro Scherer – Falta-nos traduzir esses apelos da Igreja em práticas pastorais eficazes, que renovem a vida eclesial. Estamos falando de uma “nova evangelização” como uma necessidade urgente, desde a Conferência de Santo Domingo, do Episcopado da América Latina e do Caribe (1992). Em 2007, a Conferência de Aparecida teve a mesma preocupação; e isso vem sendo repetido em vários momentos e documentos da Igreja no Brasil, em São Paulo, na América Latina... Sínodos e vários documentos pontifícios foram feitos em vista desta nova evangelização. Nesse sentido, o Papa Francisco vem falando constantemente da necessidade de sermos uma “Igreja em saída” e “em estado permanente de missão”. Certamente, muitos passos já foram dados, mas tenho a impressão de que há muito ainda para ser feito. Nossa Igreja continua pouco missionária. Muitos fiéis continuam distantes e sem formação cristã, sem acompanharem a vida eclesial; outros, abandonam com facilidade a Igreja e a própria fé católica; as vocações sacerdotais, religiosas e missionárias escasseiam; o modelo cristão de família está em profunda crise; e o modo cristão de educação dos filhos, onde também se prevê a transmissão da fé, está sendo abandonado. De uma geração a outra, passamos de pais fervorosamente católicos a filhos indiferentes e, por fim, netos pagãos... Acho que está faltando muita coisa para sermos verdadeiramente uma Igreja “em estado de missão”! Precisamos achar a maneira de romper e superar certos esquemas engessados de prática pastoral, certa forma de trabalhar a evangelização que não se deu conta de que a sociedade e a cultura mudaram; precisamos falar mais ao coração das pessoas, concentrar os nossos esforços no que é essencial, conforme orientou o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013). Precisamos fazer uma pastoral mais voltada para as pessoas, do que para alimentar esquemas “que sempre foram assim”...

 

O SÃO PAULO – UMA NOVIDADE DESTE PLANO É A SEXTA URGÊNCIA, “IGREJA, FAMÍLIA DE FAMÍLIAS”. QUAIS OS MOTIVOS QUE LEVAM A ARQUIDIOCESE A OLHAR COM MAIOR CUIDADO PARA ESSE ÂMBITO DA SOCIEDADE?

Dom Odilo Pedro Scherer – Não é de hoje que a Igreja se preocupa com a família e faz pastoral familiar. Mas, no presente, a família atravessa uma situação nova: no contexto da cultura contemporânea, a proposta cristã de casamento e família está em profunda crise; há muitos casais católicos em situações “irregulares” e que sentem “fora da Igreja”, abandonados por ela, mesmo que a Igreja não os tenha abandonado ou excluído. Tal mal-estar de muitos casais e famílias católicas é um fato. Diante disso, poderíamos ser tentados a dar toda a razão ao ambiente cultural e dizer: aquilo que a Igreja prega para as famílias e sobre o casamento não é viável... Ou então, pensar que, em relação à família e ao casamento, não há o certo e o errado, mas, simplesmente, as situações reais, diante das quais não temos nada a dizer e fazer... Estaríamos então abandonando o Evangelho. O Papa Francisco, na Exortação Amoris Laetitia, convida a Igreja a restabelecer a sua aliança com a família, tendo em vista o designo de Deus sobre ela e o valor e a importância da família para a pessoa, a comunidade humana e para a própria Igreja. É preciso que voltemos a nos relacionar com todas as famílias; que as acolhamos e convidemos a percorrer o caminho do Evangelho de Cristo. A família é importantíssima para a evangelização e transmissão da fé cristã, e, sem contar com ela, fica difícil transmitir a fé às novas gerações. O novo Plano de Pastoral traz essa preocupação para nossa Arquidiocese.

 

O SÃO PAULO – O PLANO TAMBÉM FALA DA NECESSIDADE URGENTE DE RETOMAR A CATEQUESE SISTEMÁTICA E PROPÕE, INCLUSIVE, A ELABORAÇÃO DE UM “CATECISMO ARQUIDIOCESANO”. O QUE SERIA ESTE CATECISMO?

Dom Odilo Pedro Scherer – De fato, foi constatado que a iniciação à vida cristã se apresenta falha ou insuficiente: ela precisa ser mais sistemática e aprofundada. A formação cristã apenas superficial do povo católico é um fato e precisa ser enfrentada com discernimento e coragem. Ela é uma das razões da falta de perseverança na fé e na vida cristã, do abandono fácil da Igreja, da “mudança de religião” e também da pouca coerência no testemunho de vida cristã de muitos católicos. Precisamos investir na formação de catequistas, na oferta de material catequético adequado e consistente, na busca e chamada das crianças, adolescentes, jovens e adultos para fazerem um caminho de formação cristã. De fato, compete aos bispos zelarem pela catequese em suas dioceses e isso inclui a preparação, ou indicação de catecismos e itinerários de formação cristã.

 

O SÃO PAULO – TAMBÉM É PROPOSTA UMA REVISÃO DO DIRETÓRIO DOS SACRAMENTOS DA ARQUIDIOCESE. O QUE PRECISA SER REVISTO NESTE DOCUMENTO?

Dom Odilo Pedro Scherer – O Diretório dos Sacramentos oferece as orientações e normas básicas para a pastoral dos Sacramentos; nosso Diretório foi elaborado há mais de 15 anos e vale para todas as dioceses da Província Eclesiástica de São Paulo. O Diretório precisa ser adequado, isto é, de acordo com as novas necessidades e circunstâncias; exemplo disso é a pastoral matrimonial, que precisa ser revista depois dos Sínodos sobre a família; também as orientações para a catequese de iniciação à vida cristã e para os Sacramentos de iniciação à prática da fé precisam ser adequadas.

 

O SÃO PAULO – QUAL É A MOTIVAÇÃO DO SÍNODO ARQUIDIOCESANO PROPOSTO PARA SER INICIADO DURANTE A VIGÊNCIA DESTE PLANO DE PASTORAL?

Dom Odilo Pedro Scherer –  A proposta do Sínodo arquidiocesano está amadurecendo, e ele deverá ser anunciado ainda no decorrer deste ano de 2017. Um Sínodo diocesano é uma ação eclesial de grande envergadura e significado, que precisa ser bem preparada, planejada e organizada. Não somente é realizado em diversas etapas, mas com diversos níveis de envolvimento do povo de Deus e das lideranças da Igreja. Será uma novidade para nossa Arquidiocese e tenho a esperança de que ele trará muitos frutos. Desde agora, convido todo o povo da Arquidiocese a rezar pelo bom êxito do Sínodo!

 

O SÃO PAULO – UMA VEZ LANÇADO O PLANO DE PASTORAL, QUAIS OS PRÓXIMOS PASSOS QUE DEVEM SER DADOS PARA A SUA IMPLEMENTAÇÃO PRÁTICA?

Dom Odilo Pedro Scherer – O plano já está lançado desde outubro de 2016. Passado o intervalo das férias, vamos então intensificar a divulgação do 12º Plano e estimular seu estudo e recepção em toda a Arquidiocese, para que possa surtir os efeitos práticos desejados. O Plano de Pastoral requer que suas diretrizes sejam assimiladas pelas diversas organizações e expressões organizadas da vida eclesial: regiões, setores pastorais, paróquias, organizações do laicato e da vida consagrada, das várias formas de comunidades menores, pastorais, movimentos, associações de fiéis; todas essas realidades eclesiais são chamadas a traduzir as indicações do novo Plano de Pastoral em projetos e programas pastorais. E esse trabalho precisa ser feito cada ano, ao longo dos próximos quatro anos.

 

Fernando Geronazzo.

Fonte: Edição 3136, de 1º a 7 de fevereiro de 2017, do Jornal O SÃO PAULO, p. 15.