O Diplomata Francisco

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<p>Francisco será lembrado por seus esforços em contribuir para a paz no mundo. Talvez seja este o principal objetivo da diplomacia do Vaticano que o Papa&nbsp;tão bem tem resgatado</p>
Publicado em: 11/02/2015 - 10:30
Créditos: Edição nº 950 da Revista Família Cristã – páginas 08 e 09

No curto período em que se encontra à frente da Igreja Católica, o papa Francisco dedicou-se de alma e corpo às complexas negociações de alguns dos mais importantes conflitos existentes na atualidade. Suas ações não têm se limitado a realizações de preces e apelos de paz, elas têm ido muito além disso. Sua lucidez o orienta a estabelecer pontes em situações de conflito, seu esforço o orienta a aproximar pessoas e buscar interlocutores que facilitem as conversas, identificando semelhanças, superando medos e preocupações de ambas as partes, como acertadamente conceitua a presidente Dilma Rousseff. Francisco é, hoje, o maior estadista da atualidade.

Considerada por muitos como o primeiro e mais antigo serviço diplomático do mundo, a diplomacia da Santa Sé caracteriza-se por ser discreta e poderosa, e sua influência e capacidade de intervenção não se relacionam com o diminuto tamanho que possui no mapa. A Santa Sé tem sua soberania reconhecida internacionalmente desde o Tratado de Paz de Westfália, em 1648, que demarcou o início da formação dos primeiros Estados nacionais. No entanto, é com o Tratado de Latrão ou Tratado de Santa Sé, de 1929, que a Santa Sé foi dotada de uma base territorial, aspecto necessário para sua autonomia no âmbito internacional. Dessa maneira, a Igreja Católica tornou-se a única religião do mundo a dispor de um Estado soberano, permitindo ao papa a liberdade que qualquer outro chefe de Estado possui no exercício de suas atribuições.

Discrição – Sua diplomacia é singular. O objetivo da diplomacia papal é construir pontes para a promoção do diálogo, usando as negociações como um meio para a solução de conflitos, espalhar a fraternidade e lutar contra a pobreza e pela paz. Seus diplomatas, chamados de “núncios apostólicos”, são formados na Academia Eclesiástica Pontifícia, instituto que há mais de 300 anos prepara os diplomatas do papa. Sua vasta rede de relações diplomáticas teve papel de destaque em momentos importantes da história da humanidade, como foram as duas guerras mundiais.

O sumo pontífice tem atuado sobre os acontecimentos mais importantes da atualidade. Em recente viagem a Israel e à Terra Santa, Francisco ofereceu-se para mediar a retomada das negociações de paz. Passado um mês, os líderes Shimon Peres e Mahmoud Abbas reuniram-se nos jardins do Vaticano para um encontro. Sua postura com respeito à Síria também mereceu destaque, principalmente quando convocou um dia de jejum pelo fim da violência sectária promovida pelos grupos terroristas no país. No entanto sua atuação não tem se limitado a auxiliar os cristãos localizados no Oriente Médio. Sua atuação em outras partes do mundo merece destaque, mas é em seu continente, na América Latina, que a nova diplomacia do Vaticano tem sido mais ativa. Sabe-se que, de forma discreta, o Vaticano tem atuado em negociações na Colômbia, em El Salvador, no Haiti, na Nicarágua e na República Dominicana.

Nobel da Paz – Merecem atenção os posicionamentos adotados com respeito a seu país, a Argentina, nas negociações sobre os fundos abutres, que especulavam com títulos da dívida argentina e na histórica demanda pela soberania das Malvinas. Recentemente, Francisco recebeu do presidente Evo Morales o Livro do Mar, dossiê com documentos históricos sobre a demanda bolivariana por uma saída soberana ao mar, demandada ao Chile. Mas, apesar de todas as iniciativas, a principal vitória da diplomacia do Vaticano foi contribuir com o fim dos resquícios da Guerra Fria no continente americano, ao trabalhar para a reaproximação de Cuba e dos Estados Unidos. Ambos os países estavam com as relações diplomáticas cortadas desde 1961. O acordo mediado pelo Canadá e por Francisco, construído de forma discreta durante 18 meses, contempla a reabertura das embaixadas, a libertação de prisioneiros e o fim das restrições a viagens e transações financeiras dos EUA para Cuba. Todas as medidas que estavam ao alcance pessoal do presidente Barack Obama foram adotadas. No entanto, o embargo econômico que segundo Cuba acumulou ao longo dos anos 10 bilhões de dólares de prejuízos à ilha caribenha continua em vigência, pois seu fim depende de aprovação do congresso norte-americano.

A importância que o Vaticano teve é destacada nas declarações dos presidentes Barack Obama e Raúl Castro. De igual modo, a data definida pelos chefes de Estado para dar a conhecer as negociações e informar seus resultados não deixou de ser uma homenagem a Francisco, já que o mesmo completava seus 78 anos naquela ocasião. Sem buscar os holofotes, Francisco vai trilhando o caminho para ser conhecido na História como o Papa da Paz, nada mais justo se o seu nome for incorporado à lista dos possíveis consagrados com o Prêmio Nobel da Paz. Desde já, ele tem o nosso voto!

Rubens Diniz
Diretor do Instituto de Estudos Contemporâneos e
Cooperação Internacional (IECInt)

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