Quando duas pessoas se encontram

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Assim nasce a missão cristã
Publicado em: 29/05/2015 - 15:00
Créditos: Edição nº 18 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 14

Em todas as fases do discernimento vocacional, da formação no seminário e da formação permanente, a purificação da própria motivação para o ministério ordenado deve ser enfrentada com coragem. Os fatores pessoais, sociais e culturais que influenciam a própria chamada devem ser encarados. Jesus Cristo, do qual a Igreja continua a missão, é o modelo. Ele foi consumido pela missão. Era apaixonado pela sua missão. Para Ele missão não significa apenas trabalho a ser cumprido, mas também crescimento da sua relação íntima com Aquele ao qual Ele chama Abbá, Aquele que o enviou. Faz somente o que o Abbá faz. Não procura a própria vontade, mas a vontade daquele que o enviou.

Para Jesus missão significa ser enviado pelo Pai, não ir aonde escolho ir, não onde escolho estar, não onde é conveniente para mim, não onde delineei a minha carreira. Se é verdade que os bispos e o clero são formados constantemente segundo o coração missionário de Jesus, significa que eles cumprem a missão de Deus e não aspiram a uma posição. Sem uma vida coerente de oração, alimentada pela humildade, os bispos e o clero poderiam perder o sentido de serem enviados por Deus para os desígnios de Deus. Enviar-se-iam a si mesmos, promoveriam os próprios objetivos e edificariam os próprios reinos. Não esqueçamos que Jesus foi enviado para pregar a Boa Nova aos pobres. “Por esta razão é necessário que a Igreja, sempre sob o influxo do Espírito de Cristo, siga o mesmo caminho percorrido por Ele: o caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação própria até à morte” (Ad gentes, 5).

Graças à solicitude pastoral, os bispos e o clero desejam oferecer um serviço exemplar às suas dioceses, paróquias ou lugares de ministério. Há, contudo, o perigo de que se concentrem de tal modo sobre as suas comunidades locais mais próximas a ponto de não se preocuparem em conhecer as necessidades e as realidades da Igreja mais ampla. Não permitiriam nem sequer que as situações das outras Igrejas incidissem sobre a sua vida eclesial local. Com um conhecimento insuficiente perdem o interesse e o sentido de responsabilidade para com as outras Igrejas. O seu ministério pastoral e as Igrejas locais que eles servem tornam-se auto-referenciais. Não são nem desafiados nem enriquecidos por outras Igrejas. Disso podem derivar consequências desastrosas; por exemplo, o cuidado pastoral pode dissociar-se da missão; as Igrejas locais tornam-se enclaves isolados, perdendo deste modo a sua plena identidade como Igreja; a Igreja universal torna-se uma abstração. Um elemento necessário da formação missionária dos bispos e do clero é a reflexão teológica constante sobre o conhecimento recíproco entre as Igrejas locais e a Igreja universal. Ser auto-referencial ou auto-suficiente enfraquece a Igreja. O fato de se dirigir aos outros, de se preocupar com as outras Igrejas como se fossem a sua, de viver em comunhão com as outras Igrejas, de fazer ou agir com retidão a nível local para o bem da comunidade universal, torna a missão e a cura pastoral reciprocamente inclusivas. Isso, porém, exige um sólido estudo eclesiológico da relação entre a Igreja universal e as Igrejas locais, do aspecto missionário da colegialidade dos bispos e da formação missionária de todos os batizados, segundo a sua chamada e condição de vida. Os bispos e o clero devem despertar, animar e formar os leigos para a missão. Devem sentir-se também à vontade com a abordagem participativa e colaborativa do compromisso missionário das Igrejas locais.

Em Jesus, missão significa entrar na condição humana, começar a conhecer e a compreender a fragilidade humana, unindo-se a ela. A missão de levar o Evangelho aos povos requer a compreensão do seu mundo através de uma solidariedade em conformidade com o exemplo de Cristo, apoiada por estudos sociais, culturais e antropológicos. Mas assim como nós missionários vamos para aquele mundo, da mesma forma vemo-lo vir ter conosco. Povos ou nações estão em movimento constante. Migrantes, refugiados, mas media, tecnologia digital ofuscaram os confins. Não há uma Igreja que apenas envia missionários, assim como não existe uma Igreja que só recebe missionários. Só Deus envia e é também Deus que vem. Nós somos todos enviados. E todos recebemos. Os bispos e o clero devem compreender o novo mundo onde são enviados e que, paralelamente, estão a chegar ao mundo deles. São necessárias aprendizagem experiencial e compreensão compassiva na medida em que entramos no fenômeno cada vez mais complexo e ambíguo que temos à nossa frente. Uma atitude de escuta, aprendizagem, diálogo, paciência e disponibilidade a ser surpreendidos permitir-lhes-ia discernir a presença ativa do Espírito Santo, que é o principal agente da missão.

Jesus cumpriu a sua missão de pregar a Boa Nova, reunir um novo povo e testemunhar o poder do Reino de Deus sobretudo através do seu encontro direto com as pessoas. Os versículos iniciais da primeira carta de são João descrevem a missão “metodológica” dos apóstolos: começam com o seu encontro pessoal com Jesus que por turno compartilham com as pessoas que encontram de modo que, na fé, elas possam encontrar a pessoa de Jesus. Hoje em dia o trabalho missionário beneficia de uma forma de ver racional, da planificação e da estrutura organizacional. No nosso mundo, sempre apressado e em rápida transformação, são indispensáveis abordagens sistemáticas da missão. Os bispos e o clero devem aprender que quando as circunstâncias não permitem a atuação dos nossos planos e da nossa organização, a missão evangelizadora pode e deve continuar através de simples encontros humanos. Encontrar-se com as pessoas também em momentos e em lugares inesperados ou não programados poderia constituir um terreno fértil para a missão. Além disso, um encontro direto entre as pessoas não comporta grandes despesas econômicas. A missão não deve depender todas às vezes da disponibilidade de recursos econômicos. Quando duas pessoas se encontram, realiza-se a missão. Os bispos e o clero devem aproveitar todas as suas capacidades relacionais e todas as oportunidades de encontros humanos na promoção da missão. O próprio bispo e o clero deveriam ser a encarnação contemporânea da missão de Jesus.

Luis Antonio G. Tagle