Realidade certa

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Na audiência geral o Papa Francisco falou da esperança na vida depois da morte.
Publicado em: 02/03/2017 - 16:45
Créditos: L’OSSERVATORE ROMANO, ano XLVIII, número 5 (2450), de 2 de fevereiro de 2017, p. 12.

Na audiência geral o Papa Francisco falou da esperança na vida depois da morte

“Também a nossa ressurreição e a dos nossos amados defuntos não é algo que poderá realizar-se ou não, mas constitui uma realidade certa, dado que está radicada no evento da ressurreição de Cristo», frisou com força o Papa Francisco na audiência geral de quarta-feira 1 de fevereiro, na sala Paulo VI. Eis a reflexão do Santo Padre.”

 

Bom dia, amados irmãos e irmãs!

Nas catequeses passadas demos início ao nosso percurso sobre o tema da esperança, relendo nesta perspectiva algumas páginas do Antigo Testamento. Agora desejamos começar a esclarecer o alcance extraordinário que esta virtude assume no Novo Testamento, quando encontra a novidade representada por Jesus Cristo e pelo evento pascal: a esperança cristã. Nós, cristãos, somos mulheres e homens de esperança.

É quanto sobressai de modo claro desde o primeiro texto que foi escrito, ou seja, a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses. No trecho que ouvimos, podemos sentir todo o vigor e a beleza do primeiro anúncio cristão. A comunidade de Tessalonica é jovem, recém-fundada; e no entanto, não obstante as dificuldades e as numerosas provações, está radicada na fé e celebra com entusiasmo e com alegria a ressurreição do Senhor Jesus. Então, o Apóstolo alegra-se de coração com todos, dado que quantos renascem na Páscoa se tornam verdadeiramente “filhos da luz e filhos do dia” (5, 5), em virtude da plena comunhão com Cristo.

Quando Paulo lhe escreve, a comunidade de Tessalonica tinha acabado de ser fundada, e só poucos anos a separam da Páscoa de Cristo. Por isso, o Apóstolo procura explicar todos os efeitos e consequências que este acontecimento singular e decisivo, isto é, a ressurreição do Senhor, comporta para a história e para a vida de cada um. Em particular, a dificuldade da comunidade não consistia tanto em reconhecer a ressurreição de Jesus, todos acreditavam, quanto em crer na ressurreição dos mortos. Sim, Jesus ressuscitou, mas a dificuldade consistia em crer que os mortos ressuscitam. Em tal sentido, esta carta revelasse atual como nunca. Cada vez que nos encontramos

diante da nossa morte, ou da de uma pessoa querida, sentimos que a nossa fé é posta à prova. Sobressaem todas as nossas dúvidas, toda a nossa fragilidade, e questionamo-nos: “Mas realmente haverá vida depois da morte...? Ainda poderei ver e reabraçar as pessoas que amei...?”. Eis a pergunta que há poucos dias, durante uma audiência, uma senhora me dirigiu manifestando uma dúvida: “Encontrarei os meus?”. Também nós, no contexto atual, temos necessidade de voltar à raiz e aos fundamentos da nossa fé, de maneira a adquirir a consciência sobre aquilo que Deus fez por nós em Jesus Cristo e o que significa a nossa morte. Todos nós temos um pouco de medo desta incerteza da morte. Vem-me à memória um velhinho, um bom idoso que dizia: “Não temo a morte. Tenho um pouco de medo de a ver aproximar-se”.

Temia isto.

Perante os temores e as perplexidades da comunidade, Paulo convida a manter firme sobre a cabeça, como um elmo, sobretudo nas provações e nos momentos mais difíceis da nossa vida, “a esperança da salvação”. É um elmo. Eis o que é a esperança cristã. Quando se fala de esperança, podemos ser levados a entendê-la segundo o significado comum deste termo, ou seja, em referência a algo de bom que desejamos, mas que pode realizar-se ou não. Esperamos que aconteça, é como um desejo. Por exemplo, dizemos: “Espero que amanhã o tempo seja bom!”; mas sabemos que, ao contrário, no dia seguinte o tempo pode ser mau... A esperança cristã não é assim. A esperança cristã é a espera de algo que já se cumpriu; ali está a porta, e espero chegar à porta. Que devo fazer? Caminhar rumo à porta! Tenho a certeza que chegarei à porta. Assim é a esperança cristã: ter a certeza de que estou a caminho de algo que existe, não de algo que eu desejo que exista. Esta é a esperança cristã. A esperança cristã é a expectativa de algo que já se cumpriu e que certamente se há de realizar para cada um de nós. Portanto, também a nossa ressurreição e a dos nossos amados defuntos não é algo que poderá realizar-se ou não, mas constitui uma realidade certa, dado que está radicada no evento da ressurreição de Cristo. Portanto, esperar significa aprender a viver na expectativa. Aprender a viver à espera e encontrar a vida. Quando uma mulher compreende que está grávida, cada dia aprende a viver na expectativa de fitar o olhar daquela criança que há de vir. Assim, também nós devemos viver e aprender destas expectativas humanas e viver à espera de fitar o Senhor, de encontrar o Senhor. Isto não é fácil, mas aprende-se: viver na expectativa. Esperar significa e implica um coração humilde, um coração pobre. Somente o pobre sabe esperar. Quem já está repleto de si e dos seus pertences, não sabe depositar a própria confiança em nenhum outro, a não ser em si mesmo.

Escreve ainda São Paulo: “[Jesus] morreu por nós, a fim de que nós, quer em estado de vigília, quer de sono, vivamos em união com Ele” (1 Ts 5, 10). Estas palavras são sempre motivo de grande consolação e de paz. Portanto, somos chamados a rezar também pelas pessoas amadas que nos deixaram, a fim de que elas vivam em Cristo e permaneçam em plena comunhão conosco. Algo que me toca profundamente o coração é uma expressão de São Paulo, ainda dirigida aos Tessalonicenses. Ela enche-me da segurança da esperança. Reza assim: “Assim estaremos para sempre com o Senhor” (1 Ts 4, 17). Uma coisa boa: tudo passa, mas depois da morte estaremos para sempre com o Senhor. É a certeza total da esperança, a mesma que, muito tempo antes, levava Job a exclamar: “Sei que o meu redentor está vivo [...] Eu mesmo o contemplarei, vê-lo-ão os meus olhos e não os olhos de outrem” (Job 19, 25.27). E assim estaremos para sempre com o Senhor. Vós acreditais nisto? Pergunto-vos: credes nisto? Para terdes um pouco de força, convido-vos a dizê-lo três vezes comigo: “Assim estaremos para sempre com o Senhor”. Encontrar-nos-emos lá, como o Senhor.

 

Fonte: L’OSSERVATORE ROMANO, ano XLVIII, número 5 (2450), de 2 de fevereiro de 2017, p. 12.