'Se espelhar em Nossa Senhora é um conforto'

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No final de maio, Imagem Peregrina de Nossa Senhora Aparecida foi levada à Unidade Feminina da Fundação Casa
Publicado em: 27/06/2016 - 10:15
Créditos: Edição 3107 do Jornal O SÃO PAULO – páginas 12-13

Uma típica manhã de sábado de outono. Tempo nublado e frio.

Em um dos cantos do pátio, pouco mais de 40 meninas, com seus moletons iguais, tingiam de lilás aquela manhã.

Quando a equipe do projeto Evangelizando a Casa chegou, a rotina das manhãs de sábado foi quebrada. Os olhos das adolescentes logo perceberam que ali encontravam-se pessoas diferentes das que estavam habituadas a ver nos sábados anteriores.

Os visitantes foram logo cumprimentar as meninas. Algumas mais tímidas apenas davam um cordial aperto de mão, outras, que já pareciam conhecer a equipe, permitiam um abraço e um sorriso.

A equipe do Evangelizando a Casa e a coordenação da Pastoral do Menor preparavam os instrumentos e objetos de liturgia para a celebração de acolhida da imagem peregrina de Nossa Senhora da Aparecida.

Uma das jovens, I. V. S., 17, se aproximou do bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Dom Eduardo Vieira dos Santos, para fazer uma solicitação: "O senhor pode me confessar?"

O Bispo, com um sorriso no rosto, preparou duas cadeiras mais afastadas do local onde estavam as demais meninas.

Após a confissão, a jovem levantou com um semblante de felicidade, "me confessei, graças a Deus", contou. Durante toda a celebração, cantou, ficou sentada na frente e recebeu a Eucaristia. "A importância da Igreja é meu encontro pessoal com Deus e com Jesus na Eucaristia. Tinha uns quatro anos que não participava da missa", recordou.

Apreendida por tráfico, I. V. S. contou que desde pequena frequenta a Igreja. Em sua primeira passagem pela Fundação Casa, estava lá há 20 dias. "Estes dias me fizeram repensar. Repensar meus erros. Eu estava abandonando minha família, abandonando a Cristo. Vou voltar para Cristo de novo, para minha escola e para minha família" disse.

A alegria da jovem era tamanha que, para ela, poderia ser realizada "uma missa todo sábado”. "É importante participar dos sacramentos. Independentemente de qualquer pessoa, de qualquer lugar que estejamos, Deus está conosco"

Para a família, que infelizmente não pode visitá-la naquele sábado, a jovem fez uma prece e um pedido. "Eu diria para meus familiares que os amo muito e peço perdão novamente. Diria para minha mãe que ela é a melhor mãe do mundo”.

A CELEBRAÇÃO

A missa, presidida por Dom Eduardo, contou com a participação de muitas famílias das internas. O Bispo fez questão de, pessoalmente, chamar os familiares que estavam nas salas de visitas para participarem da celebração.

A imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida foi levada por algumas internas até o altar, onde Dom Eduardo a acolheu e destacou que "Nossa Senhora quer visitar cada um de nós, uma visita especial como a visita de nossas famílias hoje. A Mãe de Jesus e Nossa Mãe vem nos visitar. Com Maria, queremos fazer a caminhada. Caminhar pelos caminhos da vida superando as dificuldades, os traumas e os problemas. Como ela, que superou aos pés da cruz a morte do seu filho, nós queremos superar tantos sinais de morte em nossa vida".

Em pé, na frente do altar, uma família se abraçava e chorava: Avó, mãe e filha.

"Hoje foi a primeira vez que eu, minha mãe e minha filha assistimos a uma missa juntas. Fora daqui, a gente nunca tinha feito isso”, afirmou V. J., 35, que ao lado de sua mãe, E. A. R., 61, visitava sua filha, N. S., 17. Emocionadas, elas participavam da Eucaristia. "Se espelhar em Nossa Senhora é um conforto, voltamos para casa mais aliviadas. A pior hora é a de ir embora e deixar ela aqui", disse V.J.

A jovem não consegue conter as lágrimas diante das palavras da mãe e da avó. Quer ir embora, mas reconhece que errou e que terá que responder por isso. Apenas deseja recomeçar, se perdoar e olhar para frente.

A avó quer trocar de lugar com a neta. Aproveita para passar um sermão: "Espero que essa tenha sido uma lição para ela, porque ela não precisava estar aqui", diz. "Agora, é só Deus e Nossa Senhora para ela fazer as coisas certas daqui para frente e retornar à sociedade. Ela sabe que não precisa disso, mas se Deus quiser Ele vai nos amparar", acrescenta a avó da adolescente.

Para E. A. R., a Igreja, com sua presença dentro das unidades da Fundação Casa, "é uma forma de ajudar a fazer as meninas pensarem e saírem daqui melhores". E essa foi a mensagem de Dom Eduardo na homilia. "Não importa o que fizemos, Deus nos ama".

O Bispo recomendou que as jovens usem o tempo em que estão lá dentro para repensarem suas atitudes e ações. Ele desejou que o tempo de afastamento da sociedade, seja uma oportunidade para avaliação e mudança. "Não deixem o tempo passar em vão", recomendou.

Dom Eduardo ressaltou a importância de Deus e da fé na vida das pessoas. "Todos nós precisamos de Deus, e Deus não é aquele que bate a porta na nossa cara, que fecha a porta em nossa cara, Deus não faz isso". E prosseguiu: "Pode ser um pecado maior que tenhamos cometido, mas se abrirmos o coração para acolher o perdão de Deus, Deus transforma nossa vida”, disse.

"Deus nos ama, ainda que não acreditemos, que não sintamos, isso não muda o amor de Deus por cada um de nós”, concluiu o Bispo.

MUDANÇA DE VIDA

Trabalhando na Fundação Casa há 13 anos e na unidade Ruth Pistori há três anos, Daniela Hipólito destaca que a celebração foi um momento maravilhoso. ''As meninas participaram, houve uma adesão enorme, coisa que não pensei que fosse ter por conta de elas participarem mais do movimento evangélico. Estou muito feliz com as meninas", contou.

Daniela, que é católica, fez a segunda leitura da celebração. "A Igreja é uma oportunidade de acalmar e encaminhar as meninas para um bom caminho" comentou.

Muito emocionada e feliz, essa foi a sensação que Daniela por mais de mais vez repetiu após ter celebrado ao lado das internas e com alta adesão - segundo ela mesmo contou, já que muitas meninas são mais ligadas a igrejas evangélicas. "Elas precisam desse 'start’, de uma atenção voltada para elas. Sabem que isso daqui é para elas", afirmou. "São seres humanos que às vezes não têm uma palavra amiga. Quando têm uma oportunidade de ouvir, muitas vão acatar. Mas é só ter a oportunidade, porque muitas vezes não há quem fale e leve coisas boas para elas", avaliou Daniela.

O coordenador pedagógico Luciano Francisco Righeto contou que a unidade é provisória. As adolescentes apreendidas ficam por no máximo 45 dias ali esperando o julgamento. Luciano diz que os delitos mais comuns são o tráfico de drogas, seguido pelo roubo, e em alguns casos, furto e agressão.

Com 14 anos de Fundação Casa, Luciano destaca que sempre que tiverem espaço, este será destinado para ações e trabalhos da Igreja Católica, pois, de acordo com ele, "a presença das religiões é fundamental. É o que dá para elas a esperança de que terão algo melhor do que hoje”.

"É gratificante para nós sermos reconhecidos enquanto executores de uma medida socioeducativa e receber a visita da Pastoral [do Menor]. É muito bom para as meninas terem esse contato com a Igreja Católica, que infelizmente ainda está pouco presente na Fundação. É algo essencial neste período em que elas precisam refletir sobre o certo e o errado", afirmou.

Edcarlos Bispo