Missas matutinas em Santa Marta

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02/07/2015 - 09:15

Antes de tudo ouvir

Como se reconhece o cristão? Da sua atitude. Assim comentou o Papa o trecho evangélico da liturgia, adaptando a imagem da casa construída sobre a rocha à vida diária dos fiéis. Em primeiro lugar, recordando que “Jesus ensina como quem tem autoridade” (Mt 7, 21-29), o Pontífice propôs um ensinamento para todos: “As pessoas sabem discernir bem quando um sacerdote, um bispo, um catequista, um cristão tem a coerência que lhe confere autoridade”. O próprio Jesus num trecho precedente, “admoesta os discípulos, o povo, todos: “Estai atentos aos falsos profetas”“. A palavra certa - embora seja um neologismo - deveria ser: “pseudoprofetas”, que “se parecem com ovelhas boas, mas são lobos vorazes”. Depois, o Papa citou o trecho em que Jesus explica como discernir “os verdadeiros pregadores do Evangelho dos que anunciam uma palavra que não é Evangelho”.

Existem “três palavras-chave para entender isto: falar, fazer, ouvir”. Começa-se pelo “falar”. Jesus diz: “Nem todos aqueles que dizem: “Senhor, Senhor”, entrarão no reino dos Céus”. E acrescenta: “Naquele dia muitos dirão: “Senhor, não fizemos profecias no teu nome? No teu nome não expulsamos demônios? No teu nome não fizemos milagres?”“. Mas Ele responderá: “Nunca vos conheci, afastai-vos de mim, vós que realizais iniquidades”. Por que esta oposição? Porque “estes falam e agem”, mas falta-lhes “uma atitude que é essencial, o fundamento do falar e do agir: o ouvir”. Jesus diz ainda: “Quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática...”. Portanto, “o binômio falar-agir não é suficiente”, mas até pode enganar. O binômio certo é outro: “ouvir e agir, pôr em prática”. Jesus diz-nos: “Quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática é como um homem sábio que construiu a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, sopraram os ventos mas a casa ficou firme, porque foi construída sobre a rocha”. Mas “quem ouve as palavras e não as faz suas, não as põe em prática, é como aquele que edifica a casa sobre a areia”.

Eis a chave para reconhecer os falsos profetas: “Podereis conhecê-los pelos seus frutos”, ou seja, “pela sua atitude: falam muito e realizam milagres, mas não têm o coração aberto para ouvir a palavra de Deus, têm medo do silêncio da palavra de Deus”, são “pseudocristãos, pseudopastores”, que “fazem coisas boas”, mas “falta-lhes a rocha”.

A prece da coleta do dia diz: “Tu nunca abandonas quem confia na rocha do teu amor”. Mas a estes “pseudocristãos”, falta “a rocha do amor de Deus, da palavra de Deus”. E, “sem esta rocha não podem profetizar, nem construir, porque no final tudo desaba”. Trata-se de “pastores ou fiéis cristãos mundanos, que falam demasiado” - talvez “temam o silêncio” - e “agem demais”. São incapazes de agir a partir da “escuta “; partem de si mesmos, “não de Deus”. Assim, “quem só fala e age não é verdadeiro profeta, nem cristão autêntico”, porque “não está assente na rocha do amor de Deus, não é ‘rochoso’”. Ao contrário, “quem sabe ouvir e depois agir, com a força da palavra de Outro, não da sua, permanece firme como a rocha: mesmo sendo humilde e não parecendo importante”, é grande. E “quantos destes grandes vivem na Igreja!”, frisou o Papa: “Quantos bispos, sacerdotes, e fiéis grandes, que sabem ouvir antes de agir!”. Francisco citou um exemplo dos nossos dias, Teresa de Calcutá, que “ouvia a voz do Senhor: não falava, sabia ouvir no silêncio” e depois agir. “Ela fez muito!”, disse o Pontífice. E, como a casa na rocha, “não desabou, nem ela nem a sua obra”. Do seu testemunho compreende-se que “os grandes sabem ouvir antes de agir, porque a sua confiança e força” estão “na rocha do amor de Jesus Cristo”.

O Papa concluiu a meditação, recordando que a liturgia usa “o altar de pedra, forte e sólido” como “símbolo de Jesus”. No altar Jesus faz-se “frágil, um pedaço de pão” para todos, para nos fortalecer. “Que Ele nos acompanhe nesta celebração - concluiu - e nos ensine a ouvir e a agir” a partir “da escuta, e não das nossas palavras”.

Encurtemos as distâncias

Aproximar-se das pessoas marginalizadas, encurtar as distâncias até chegar a tocá-las sem ter medo de se sujar: eis a “proximidade cristã” que nos mostrou concretamente Jesus libertando o leproso da impureza da doença e também da exclusão social. A cada cristão, à Igreja inteira, o Papa pediu que tenha uma atitude de “ proximidade “ .

“Quando Jesus desceu do monte, grandes multidões o seguiam”: Francisco iniciou a homilia repetindo precisamente as primeiras palavras do Evangelho de Mateus (8, 1-4) proposto pela liturgia. E toda aquela multidão, explicou, “tinha ouvido as suas catequeses: ficaram maravilhados porque falava “com autoridade”, não como os doutores da lei” que eles estavam habituados a ouvir. “Ficaram maravilhados”, especifica o Evangelho.

Portanto, precisamente “estas pessoas” começaram a seguir Jesus sem se cansar de o ouvir. A ponto que, recordou o Papa, elas “permaneceram o dia inteiro e, por fim, os apóstolos” deram-se conta de que tinham certamente fome. Mas “para eles ouvir Jesus era motivo de alegria”. E assim “quando Jesus acabou de falar, desceu do monte e as pessoas seguiam-no” reunindo-se “em volta dele”. Aquela gente, recordou, “ia pelas estradas, pelos caminhos, com Jesus”.

Contudo, “havia também outras pessoas que não o seguiam: observavam-no de longe, com curiosidade”, perguntando-se: “Mas quem é ele?”. Aliás, explicou Francisco, “não tinham ouvido as catequeses que tanto surpreendiam”. E assim havia “pessoas que olhavam da calçada” e “outras que não podiam aproximar-se: era-lhes proibido pela lei, porque eram “impuras”. Precisamente entre elas estava o leproso do qual fala Mateus no Evangelho.

“Este leproso - realçou o Papa - sentia no coração o desejo de se aproximar de Jesus: encheu-se de coragem e aproximou-se”. Mas “era um marginalizado”, e portanto “não podia fazê-lo”. Porém, “tinha fé naquele homem, ganhou coragem e aproximou-se”, dirigindo-lhe “simplesmente o seu pedido: ‘Senhor, se quiseres, podes purificar-me’”. Disse assim “porque era “impuro”“. Com efeito, “a lepra era uma condenação definitiva”. E “curar um leproso era tão difícil quanto ressuscitar um morto: por esta razão eram marginalizados, estavam todos ali, não podiam misturar-se com as pessoas”.

Porém havia, prosseguiu Francisco, “também os automarginalizados, os doutores da lei que olhavam sempre com aquele desejo de pôr Jesus à prova para o fazer cair e depois condenar”. Ao contrário, o leproso sabia que era “impuro, doente, e aproximou-se”. E “o que fez Jesus?”, questionou-se o Papa. Não ficou parado, sem o tocar, mas aproximou-se ainda mais e estendeu-lhe a mão curando-o.

“Proximidade”, explicou o Pontífice, é uma “palavra tão importante: não se pode construir comunidades a sem proximidade; não se pode fazer a paz sem a proximidade; não se pode praticar o bem sem se aproximar”. Na realidade, Jesus poderia ter-lhe dito: “Que tu sejas curado!”. Ao contrário, aproximou-se dele e tocou-o. “Mais ainda: no momento em que Jesus tocou o impuro, tornou-se impuro”. E “este é o mistério de Jesus: assumir as nossas sujidades, as nossas impuridades”.

É uma realidade, prosseguiu o Papa, que são Paulo explica bem quando escreve: “Sendo igual a Deus, não considerou esta divindade um bem irrenunciável; aniquilou-se a si mesmo”. E, em seguida, Paulo vai além afirmando que “se fez pecado”: Jesus tornou-se ele mesmo pecado, Jesus excluiu-se, assumiu a impureza para se aproximar do homem. Por conseguinte, “não considerou um bem irrenunciável ser igual a Deus”, mas “aniquilou-se, aproximou-se, fez-se pecado e impuro” .

“Muitas vezes penso - confidenciou Francisco - que é, não quero dizer impossível, mas muito difícil fazer o bem sem sujar as mãos”. E “Jesus sujou-se” com a sua “proximidade”. Mas depois, narra Mateus, foi inclusive além, dizendo ao homem libertado da doença: “Vai ter com os sacerdotes e faz aquilo que se deve fazer quando um leproso é curado”.

Em síntese, “aquele que estava excluído da vida social, Jesus inclui-o: inclui-o na Igreja, inclui-o na sociedade”. Recomenda-lhe: “Vai para que todas as coisas sejam como devem ser”. Portanto, “Jesus nunca marginaliza, nunca!”. Aliás, Jesus “marginalizou-se a si mesmo para incluir os marginalizados, para nos incluir a nós, pecadores, marginalizados, na sua vida”. E “isto é bom”, comentou o Pontífice.

Quantas pessoas seguiram Jesus naquele momento e seguem Jesus na história porque ficaram maravilhadas com o seu modo de falar”, realçou Francisco. E “quantas pessoas observam de longe e não compreendem, não estão interessadas; quantas pessoas observam de longe mas com um coração maldoso, a fim de pôr Jesus à prova, para o criticar e condenar”. E, ainda, “quantas pessoas observam de longe porque não têm a coragem que teve” aquele leproso, “mas desejariam muito aproximar-se “. E “naquele caso Jesus estendeu a mão primeiro; não como neste caso, mas no seu ser estendeu-nos a mão a todos, tornando-se um de nós, como nós: pecador como nós mas sem pecado; mas pecador, sujo com os nossos pecados”. E “esta é a proximidade cristã”.

“Palavra bonita, a da proximidade, para cada um de nós”, prosseguiu o Papa. Sugerindo que nos questionemos: “Mas sei aproximar-me? Eu tenho a força, a coragem de tocar os marginalizados?”. E “também a Igreja, as paróquias, as comunidades, os consagrados, os bispos, os sacerdotes, todos”, é bom que respondam a esta pergunta: “Tenho a coragem de me aproximar ou afasto-me sempre? Tenho a coragem de encurtar as distâncias, como fez Jesus?”.

E “agora no altar”, sublinhou Francisco, Jesus “aproximar-se-á de nós: encurtará as distâncias”. Portanto, “peçamos-lhe esta graça: Senhor, que eu não tenha medo de me aproximar dos necessitados, dos que se vêem ou daqueles que têm as chagas escondidas”. Esta, concluiu, é “a graça de me aproximar”.

Fonte: Edição nº 27 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – página 14