Uma sociedade mais humana

A A
28/07/2015 - 14:00

Com os representantes da sociedade civil paraguaia o Papa evocou a experiência histórica das Reduções
E recordou que a corrupção é traça e gangrena de um povo

Um dos momentos centrais do penúltimo dia do Papa Francisco no Paraguai foi o encontro com os representantes da sociedade civil. Na parte da tarde de 11 de Julho, no palácio do desporto intitulado a Leon Condou em Assunção, reuniram-se numerosos representantes do mundo da escola e da universidade, da arte, da cultura, do empresariado e do trabalho, aos quais o Sumo Pontífice dirigiu este longo discurso.

Boa tarde!

Escrevi este discurso baseando-me nas perguntas que me foram enviadas, que não são todas as que me fizestes; assim, aquilo que falta, completo na medida em que falo, de tal modo que eu possa, que eu consiga, dar a minha opinião sobre as vossas reflexões.

Sinto-me feliz por estar convosco, representantes da sociedade civil, para partilhar estes sonhos, esperanças num futuro melhor, problemas. Agradeço a D. Adalberto Martinez Flores, Secretário da Conferência Episcopal do Paraguai, estas palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos. E agradeço às seis pessoas que falaram, cada uma delas apresentando um aspecto da sua reflexão.

Ver-vos a todos, cada um proveniente de um sector, de uma organização desta sociedade paraguaia, com as suas alegrias, preocupações, lutas e motivações, leva-me a dar graças a Deus. Ou seja, parece que o Paraguai não está morto, graças a Deus! Porque um povo que vive, um povo que não mantém vivas as suas preocupações, um povo que vive na inércia de uma aceitação passiva é um povo morto. Pelo contrário, em vós vejo a seiva de uma vida que não pára e quer germinar. E isto, Deus sempre abençoa. Deus está sempre a favor de tudo o que ajuda a promover e melhorar a vida dos seus filhos. É verdade que há coisas que estão mal; há situações injustas. Mas o fato de vos ver e ouvir ajuda- me a renovar a esperança no Senhor, que continua a atuar no meio do seu povo. Vindes de diferentes panoramas, diferentes situações e causas; todos juntos formais a cultura paraguaia. Sois todos necessários na busca do bem comum. «Nas condições atuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas» (Enc. Laudati si’, 158), ver-vos todos aqui é uma dádiva. Uma dádiva porque nas pessoas que falaram, vi a vontade pelo bem da Pátria.

Relativamente à primeira questão, gostei de ouvir da boca de um jovem a preocupação de fazer com que a sociedade seja um espaço de fraternidade, justiça, paz e dignidade para todos. A juventude é um tempo de grandes ideais. Muitas vezes tenho a vontade de dizer que me dá tristeza ver um jovem aposentado. Como é importante que vós, jovens — e há realmente muitos jovens aqui no Paraguai! — comeceis a intuir que a verdadeira felicidade passa através da luta por um país mais fraterno! E é bom que vós, jovens, vejais que felicidade e prazer não são sinônimos; Uma coisa é a felicidade e o júbilo... e outra coisa é um prazer passageiro. A felicidade constrói, é sólida, edifica. A felicidade exige compromisso e entrega. Vós sois demasiado valiosos para atravessar a vida como que «anestesiados»! O Paraguai possui uma população jovem abundante, o que constitui uma grande riqueza. Por isso, penso que a primeira coisa a fazer é evitar que essa força, essa luz nos vossos corações desapareça, contrastando a mentalidade crescente que considera inútil e absurdo aspirar a coisas que valham a pena. «Não... ignora isto... não tem mais remédio...». Esta mentalidade, por outro lado, que pretende olhar para a frente é considerada absurda. É preciso jogá-la por algo, jogá-la por alguém. Esta é a vocação da juventude e não tenhais medo de deixar tudo para trás. Jogai limpo, jogai com todo o vosso esforço. Não tenhais medo de dar o melhor de vós. Não procureis acordos prévios para evitar o cansaço, a luta. Não tenteis «comprar o juiz».

Com uma condição: esta luta, não a deveis combater sozinhos. Procurai dialogar, aproveitai para escutar a vida, as vicissitudes, as histórias dos mais velhos, dos vossos avós, pois neles encontrareis sabedoria. Perdei muito tempo a ouvir todo o bem que têm para vos ensinar. Eles são os guardiões desse patrimônio espiritual de fé e de valores que definem um povo e iluminam o caminho. Encontrai conforto também na força da oração, em Jesus. Na sua presença diária e constante. Ele não decepciona. Jesus convida através da memória do seu povo, é o segredo para o vosso coração se manter sempre alegre na busca de fraternidade, justiça, paz e dignidade para todos. E isto pode ser um perigo: «Sim, sim, eu quero fraternidade, justiça, paz, dignidade», mas isso pode converter-se num nominalismo. Pura palavra! Não! A fraternidade, a justiça, a paz e a dignidade, se não forem concretas, não servem. São tarefa de todos os dias! Fazem-se todos os dias! Então pergunto-te, a ti jovem, como edificas estes ideais no dia-a-dia, na vida concreta? Ainda que te equivoques, corrige-te e vai em frente. Mas, de modo concreto.

Confesso-vos que às vezes sinto um pouco de alergia ou, para o dizer com um termo não muito elegante, deixa-me com o nariz «entupido», escutar discursos grandiloquentes com todas estas palavras e quando conhecemos a pessoa que as pronuncia dizemos: «És um mentiroso!». Por isso, as palavras por si mesmas não bastam. Se tu dizes uma palavra, compromete-te com esta palavra, esmera-te por ela no dia-a-dia. Sacrifica-te por ela. Compromete-te!

Gostei da poesia de Carlos Miguel Giménez, que D. Adalberto Martínez citou. Acho que resume muito bem o que eu vos quis dizer: «[Sonho] um paraíso sem guerras entre irmãos, rico de homens saudáveis de alma e coração... e um Deus que abençoa a sua nova ascensão». Sim, é um sonho. E há duas garantias: que ao despertar, o sonho se torne uma realidade de todos os dias, e que Deus seja reconhecido como a garantia da nossa dignidade como homens.

A segunda pergunta fez referência ao diálogo como meio para forjar um projeto de Nação que inclua todos. O diálogo não é fácil. Há também o diálogo-teatro, ou seja, representemos um diálogo, joguemos ao diálogo e depois tratemos entre nós, eliminando quanto foi dito antes. O diálogo, é claro, faz-se à mesa. Se tu, no diálogo, não dizes realmente aquilo que sentes, o que pensas, se não te comprometes a escutar o outro, mas vais ajustando aquilo que pensas e dizes, o diálogo não serve, é uma representação. Contudo, é também verdade que o diálogo não é fácil, pois deve superar muitas dificuldades e, às vezes, parece que nos obstinamos por tornar as coisas ainda mais difíceis. Para que haja diálogo, é necessário uma base fundamental, uma identidade. Sem dúvida. Penso, por exemplo, no nosso diálogo, no diálogo inter-religioso, onde representantes de diversas religiões se reúnem para conversar. Reunimo-nos, às vezes, para falar... e há vários pontos de vista. Mas cada um fala a partir da sua identidade: «Eu sou budista, eu sou evangélico, eu sou ortodoxo, eu sou católico». Cada um fala a partir da sua identidade. Não negocia a sua identidade. Ou seja, para que exista diálogo é preciso ter esta base fundamental. E qual é a identidade de um país? Aqui falamos do diálogo social: é o amor à Pátria. «Primeiro a Pátria, depois os meus negócios!». A Pátria em primeiro lugar! E esta é a identidade.  Então dialogarei a partir desta identidade. Se eu dialogar sem esta identidade, o diálogo não serve. Além disso, o diálogo pressupõe e exige de nós esta cultura do encontro. Ou seja, um encontro que sabe reconhecer que a diversidade não só é boa, mas necessária. A uniformidade anula-nos, faz de nós autômatos. A riqueza da vida está na diversidade. Por isso, o ponto de partida não pode ser: «Vou dialogar, mas aquele ali está equivocado». Não, não podemos presumir que o outro está equivocado. Eu levo aquilo que é meu e ouço o que o outro me diz; o que me enriquece do outro, aquelas coisas do outro que me levam a dar-me conta de que eu estou equivocado e aquelas coisas que eu posso dar ao outro. Ida e volta, mas com o coração aberto. Se tenho presunções de que o outro está equivocado, é melhor ir para casa e nem sequer tentar um diálogo, não é verdade? O diálogo é para o bem comum e o bem comum é procurado a partir das nossas diferenças, possibilitando sempre novas alternativas. Por outras palavras, busca algo novo. Sempre, quando existe verdadeiro diálogo conclui-se — permiti-me a palavra, mas digo-a com nobreza — conclui- se com um novo acordo, onde todos estamos de acordo com alguma coisa. Permanecem as diferenças? Estas ficam à parte, de reserva. Mas neste ponto, ou nestes pontos em que nos colocamos de acordo, comprometamo-nos e defendamo-nos. É um passo em frente. Esta é a cultura do encontro. Dialogar não é negociar. Negociar significa garantir a minha «fatia». Vejamos como tiro proveito disto! Não, não dialogues, não percas tempo. Se tens esta intenção, não percas tempo. Deve-se procurar o bem comum para todos. Discutir, pensar numa solução melhor para todos. Muitas vezes esta cultura do encontro vê-se envolvida no conflito. Há pouco assistimos a uma bonita dança. Tudo estava coordenado e havia uma orquestra que era uma verdadeira sinfonia de acordes. Tudo era perfeito. Tudo funcionava bem. Mas no diálogo, nem sempre é assim, nem tudo é uma dança perfeita ou uma orquestra coordenada. No diálogo têm lugar conflitos. E é lógico e previsível. Porque se penso de uma maneira e tu de outra, mas vamos em frente, criar-se-á um conflito. Não devemos ter medo. Não podemos ignorar o conflito. Ao contrário, somos convidados a assumi-lo. Se não o assumirmos — «Não, é uma dor de cabeça, que ele volte para casa com a sua ideia, enquanto eu fico com a minha» — nunca poderemos dialogar. Isto significa «aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo» (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 227). Dialoguemos: se existe um conflito, eu assumo-o, resolvo-o, e isso torna-se o enlace de um novo processo. É um princípio que nos deve ajudar muito. A «unidade é superior ao conflito» (ibid., 228). O conflito existe: é preciso assumi-lo, procurar resolvê-lo na medida do possível, mas com o objetivo de obter uma unidade que não é uniformidade, mas unidade na diversidade. Uma unidade que não cancela as diferenças, mas vive-as em comunhão por meio da solidariedade e da compreensão. Ao tentar compreender as razões do outro, ao procurar escutar a sua experiência, os seus anseios, podemos ver que são, em grande parte, aspirações comuns. E esta é a base do encontro: todos somos irmãos, filhos de um mesmo Pai, de um Pai celestial, e cada um, com a sua cultura, a sua língua e as suas tradições, tem muito para dar à comunidade. Pois bem, «estou disposto a receber isto?». Se estou disposto a recebê-lo e a dialogar assim, então sento-me para dialogar; se não estou disposto, é melhor não perder tempo. As verdadeiras culturas nunca estão fechadas em si mesmas, se se fecham em si mesmas, morrem. Mas, ao contrário, estão chamadas a encontrar-se com outras culturas e a criar novas realidades. Quando estudamos história, encontramos culturas milenares que já não existem. Morreram. Por muitas razões. Mas, uma destas razões é ter-se fechado em si mesmas. Sem este pressuposto essencial, sem esta base de fraternidade, será muito difícil que se chegue ao diálogo. Se alguém considera que há pessoas, culturas, situações de segunda, terceira ou quarta categoria, sem dúvida algo acabará mal, simplesmente porque carece do mínimo, que é o reconhecimento da dignidade dos outros. Não existem pessoas de primeira, segunda, terceira, quarta categoria: todos pertencem à mesma linha!

E isto dá-me a ocasião para responder à preocupação expressa na terceira pergunta: acolher o clamor dos pobres, para construir uma sociedade mais inclusiva. É curioso: o egoísta exclui-se. Nós queremos incluir. Recordai a parábola do filho pródigo: o filho que pediu a herança ao seu pai, partiu com todo o dinheiro, gastou tudo numa vida boa e, no fim de um longo período, depois de ter perdido tudo, porque o seu estômago doía por causa da fome, lembrou-se do seu pai. E o seu pai estava à sua espera. É a figura de Deus, que sempre nos espera. E, quando vê o seu filho que chega, abraça-o e faz festa. Ao contrário, o outro filho, que tinha ficado em casa, irrita-se e exclui-se: «Eu não me uno a esta gente; comportei-me bem; tenho uma grande cultura, estudei naquela universidade, tenho esta família e esta linhagem nobre. Por isso, não me misturo com estas pessoas». Não se deve excluir ninguém, e tão-pouco auto-excluir-se, pois todos necessitamos de todos. Um aspecto fundamental na promoção dos pobres é também o modo como os vemos. Não serve uma visão ideológica, que acaba por usar os pobres ao serviço de outros interesses políticos ou pessoais (cf. ibid., 199). As ideologias terminam mal, não servem. As ideologias têm uma relação incompleta, enferma ou negativa com o povo. As ideologias não assumem o povo. Por isso, observai o século passado. Como terminaram as ideologias? Em ditaduras, sempre! Pensam pelo povo, não deixam o povo pensar. Como dizia um sagaz crítico da ideologia, quando lhe disseram: «Sim, mas esta gente tem boa vontade e quer fazer coisas pelo povo», contestou: «Sim, tudo pelo povo, mas nada com o povo». Assim são as ideologias! Para procurar efetivamente o seu bem, a primeira coisa é ter uma preocupação genuína pela sua pessoa — refiro-me aos pobres — valorizá-los na sua própria bondade. Mas uma avaliação real exige que estejamos dispostos a aprender dos pobres, aprender deles. Os pobres têm muito para nos ensinar em humanidade, bondade, sacrifício, solidariedade. Nós, cristãos, além do mais, temos outro motivo, e maior, para amar e servir os pobres, pois neles temos o rosto, vemos o rosto e a carne de Cristo, que se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza» (cf. 2 Cor 8, 9) os pobres são a carne de Cristo. Gosto de perguntar, quando confesso os penitentes — atualmente não tenho muitas oportunidades para confessar como tinha na minha diocese anterior — mas gosto de perguntar: «E tu ajudas as pessoas?». «Sim, dou esmolas». «Mas diz-me, quando dás esmola, tocas na mão daquele a quem dás a esmola, ou só lhe deitas a moeda com desprezo?». São atitudes. «Quando dás uma esmola, fixas o olhar na pessoa, ou olhas para o outro lado?». Isto significa desprezar o pobre. São pobres! Pensemos bem. Ele é alguém como eu e, se passa por um momento negativo, por milhares de motivos — econômicos, políticos sociais ou pessoais — eu podia estar naquele lugar, poderia desejar que alguém me ajudasse. E além de desejar que alguém me ajudasse, se estou naquele lugar, tenho o direito de ser respeitado. Respeitemos o pobre! Não o usemos como objeto para lavar as nossas culpas. Aprendamos dos pobres, daquilo que nos dizem, das coisas que possuem, dos valores que têm. E nós, cristãos, temos esta motivação: os pobres são a carne de Jesus.

Num país são certamente muito necessários o crescimento econômico e a criação de riqueza, e que esta chegue a todos os cidadãos, sem excluir ninguém. E isto é necessário. Mas a criação desta riqueza deve estar sempre em função do bem comum, de todos, e não de poucos. Nisto, devemos ser muito claros. «A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto» (Exort. Apost. Evangelii gaudium, 55). As pessoas cuja vocação é contribuir para o desenvolvimento econômico têm a obrigação de velar a fim de que ele tenha sempre um rosto humano. O desenvolvimento econômico deve ter um rosto humano. Digamos não a uma economia sem rosto! Nas suas mãos está a possibilidade de oferecer emprego a muitas pessoas e, deste modo, dar esperança a muitas famílias. Trazer o pão para casa, oferecer um tecto aos filhos, proporcionar saúde e educação são aspectos essenciais da dignidade humana e os empresários, os políticos, os economistas devem deixar-se interpelar por isso. Peço-vos que não cedais a um modelo econômico idólatra que exige o sacrifício de vidas humanas no altar do dinheiro e do lucro. Na economia, na empresa, na política, sempre vêm em primeiro lugar a pessoa e o habitat onde ela vive.

Em todo o mundo o Paraguai é conhecido, justamente, como a terra onde tiveram início as Reduções, uma das experiências de evangelização e organização social mais interessantes da história. Nelas, o Evangelho foi alma e vida de comunidades onde não havia fome, desemprego, não havia analfabetismo nem opressão. Esta experiência histórica ensina-nos que uma sociedade mais humana também é possível hoje. Vós viveste-la nas vossas raízes aqui. É possível! Quando há amor ao homem e vontade de o servir, é possível criar as condições para que todos tenham acesso aos bens necessários, sem que ninguém seja descartado. Procurai, em cada caso, as soluções através do diálogo.

Em relação à quarta pergunta, a resposta encontra-se naquilo que falei sobre a economia em função da pessoa e não do dinheiro. A senhora, a empresária, falava da pouca efetividade de certos caminhos. E referia-se a um caminho que eu já mencionara na Evangelii gaudium, que é o populismo irresponsável, não é assim? E parece que não têm efeito, não é verdade? Mas há muitas teorias... O que fazer? Creio que naquilo que estou a falar sobre uma economia com rosto humano está a inspiração para responder a esta pergunta.

Em relação à quinta pergunta, creio que a resposta está naquilo que falei quando me referia à questão das culturas. Ou seja, existe a cultura ilustrada, que é uma cultura boa, e deve ser respeitada. Hoje, por exemplo, num momento da dança tocaram a música de uma cultura ilustrada e boa. Mas existe outra cultura, que tem o mesmo valor, que é a cultura dos povos, das populações originárias, das diversas etnias. Uma cultura que me atreveria a chamar — no bom sentido da palavra — uma cultura popular. Os povos têm a sua cultura e fazem cultura. É importante este trabalho pela cultura, no sentido mais amplo da palavra. Não é cultura somente ter estudado e poder desfrutar de um concerto ou ler um livro interessante, mas também milhares de outras coisas são cultura. Faláveis do tecido de Ñandutí. Isto, por exemplo, é cultura. E é cultura nascida do povo.

E há duas coisas que, antes de terminar, gostaria de tratar. E, dado que há políticos aqui presentes, inclusive o Presidente da República, digo-o fraternalmente. Alguém me disse: «Veja, “fulano de tal” foi raptado pelo exército, faça algo!». Eu não digo se é verdade ou não é verdade, se é justo ou não é justo, mas um dos métodos que as ideologias ditatoriais usavam no passado, aquela às quais acabei de fazer referência, era afastar as pessoas com o exílio ou com a prisão ou, no caso dos campos de extermínio, como faziam os nazistas ou os estalinistas, afastar com a morte. Para que exista uma verdadeira cultura num povo, uma cultura política e do bem comum, é preciso promover, em primeiro lugar, julgamentos claros, julgamentos nítidos. E não serve outro tipo de estratagema. Justiça nítida, clara. Isto ajudar-nos-á a todos. Eu não sei se isto existe ou não aqui, digo-o com todo o respeito. Disseram-me quando eu entrava aqui. E que intercedesse não sei por quem... Não ouvi bem o sobrenome.

E, depois, há outra coisa que também queria dizer honestamente: um método que não dá liberdade às pessoas para assumir responsavelmente a sua tarefa de construção da sociedade é uma chantagem. A chantagem é sempre corrupção: «Se tu fizeres isto, far-te-emos isso, destruir-te-mos». A corrupção é uma traça, é a gangrena de um povo. Por exemplo, nenhum político pode desempenhar o seu papel, o seu trabalho, se se encontrar chantageado por atitudes de corrupção: «Dá-me isto, dá-me poder, dá-me isso, caso contrário vou fazer-te isso ou aquilo». Esta realidade que se verifica em todos os povos do mundo — porque isto acontece — tem de ser desterrada, se o povo quiser manter a sua dignidade. Refiro-me a algo universal.

E termino. Para mim, é uma alegria ver a grande quantidade e variedade de associações que estão comprometidas na construção de um Paraguai cada vez melhor e mais próspero, mas se não dialogarem, não serve para nada. Se chantagearem, não serve para nada. Esta multidão de grupos e pessoas são como uma sinfonia, cada um com a sua peculiaridade e a sua riqueza própria, mas à procura da harmonia final. É a harmonia que conta! Não tenhais medo do conflito, mas tratai e buscai caminhos de solução.

Amai a vossa Pátria, os vossos concidadãos e sobretudo os mais pobres. Deste modo sereis perante o mundo um testemunho de que é possível outro modelo de desenvolvimento. Estou convencido, pela vossa própria história, de que tendes a maior força que existe: a vossa humanidade, a vossa fé, o vosso amor. Esta índole do povo paraguaio, que o distingue tão ricamente entre as nações do mundo.

E peço à Virgem de Caacupé, nossa Mãe, que cuide de vós, que vos proteja e vos anime nos vossos esforços. Que Deus vos abençoe e rezai por mim! Obrigado.

[Depois do canto]

Um conselho, como despedida, antes da bênção: o pior que vos pode acontecer, a cada um de vós, quando sairdes daqui, é pensar: «Como o Papa falou bem para o fulano, o beltrano, aquele outro...». Se a algum de vós vier este pensamento — porque o pensamento costuma vir, também a mim me vem, às vezes — é preciso rejeitá-lo. É necessário interrogar-se: «Para quem disse o Papa tudo isto?»; «Para mim». Cada um, quem quer que seja: «Para mim».

E convido-vos a rezar ao nosso Pai comum, todos juntos, cada um na sua língua:

Pai- nosso...

Fonte: Edição nº 30 do Jornal L’OSSERVATORE ROMANO – páginas 2 a 4