Fazer pequenas coisas com grande amor

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Entrevista com o Padre Canadense Brian Kolodiejchuk, Missionário da Caridade e Postulador da causa da Canononização
Publicado em: 02/09/2016 - 17:00
Créditos: Filipe Domingues/ Jornal O SÃO PAULO - Fotos: Reprodução Internet
FILIPE DOMINGUES
Especial para O SÃO PAULO

Madre Teresa de Calcutá costuma ser vista como um modelo de caridade inatingível. Mas é exatamente o contrário disso que defende o postulador de sua causa de canonização, o padre canadense Brian Kolodiejchuk, Missionário da Caridade. Por 17 anos, tem trabalhado junto à Santa no processo que relata as virtudes da Madre e os milagres realizados por sua intercessão. Em entrevista exclusiva ao O SÃO PAULO, ele argumentou que a santa dos mais pobres é também a santa das “coisas ordinárias”. Para ela, a nobreza de nossos gestos, ainda que pequenos, vem do amor com que os fazemos. “A maioria das ações de Madre Teresa é de coisas comuns, que todos nós podemos fazer”, observou. O Padre comentou as críticas à Madre, que será canonizada no domingo, 4, no Vaticano, e declarou que seus momentos de dúvida a tornam ainda mais admirável.

O SÃO PAULO – A Igreja diz que os santos são “amigos e modelos”. Que tipo de santa é Madre Teresa?

Padre Brian Kolodiejchuk – Ela é uma santa não só admirável, mas também imitável. A maioria das ações que ela fez, as suas obras de misericórdia, são ações comuns, coisas ordinárias, que todos nós podemos fazer. Ela diria “fazer pequenas coisas com grande amor”, ou “fazer coisas ordinárias com amor extraordinário”. É o amor com que fazemos as coisas que lhes dá os seus valores espirituais.

Isso resume as virtudes da madre?

Dentro disso, ela lembra a Igreja e o mundo da presença dos pobres. Ela conscientiza. Quando ela ia receber um prêmio, dizia que o fazia “em nome dos pobres”. Também usava cada ocasião para falar de Deus.

Ela tocou pessoas fora da Igreja…

Isso é bastante extraordinário! Esse eco fora da Igreja talvez não tenha acontecido desde São Francisco de Assis, uma influência além da Igreja. Você pode ver nos filmes, quando alguém diz: “Quem você pensa que eu sou? Madre Teresa?” A própria cultura identifica Madre Teresa com amor e bondade.

Os santos são pessoas incomuns, mas vivem dias difíceis. A Madre teve que fazer duras escolhas, fundar a sua congregação, estar entre os mais pobres, decidir entre a vida e a morte. Alguns a criticam por ela ter recebido apoio de ditadores. Como o senhor descreveria seus pontos fracos?

Então, tenha cuidado. Você mencionou aceitar dinheiro de pessoas de quem ela não deveria ter recebido. Se ela soubesse que o dinheiro era obtido de forma ilícita ou inadequada, ela recusava. Uma vez rejeitou uma doação de US$ 1 milhão por isso. Ela não recebeu nenhum dinheiro do [ditador François] Duvalier, do Haiti. 

Essa foi a crítica do jornalista Christopher  Hitchens…

Algumas críticas são simplesmente falsas. O fato está incorreto. Outras são de perspectiva. Quem critica Madre Teresa porque ela é contra o aborto, o que espera de uma freira católica? Outra coisa, alguns diziam: “Em Calcutá, você deveria ter construído um hospital para os pobres”, de estilo ocidental. Ela respondia: “Não, minha intenção era criar uma casa para os moribundos”, um lugar para manter pessoas que estavam morrendo, em seus últimos minutos, para que tivessem o consolo de ser amadas e cuidadas. Um homem que estava morrendo, em Kalighat, nos disse: “Eu vivi toda a minha vida na rua como um animal e agora eu estou morrendo como um anjo.” Madre Teresa não queria uma instituição grande. Essas pessoas receberam os cuidados médicos que podiam receber. E, se melhorassem, seriam enviadas para outra casa das irmãs.

E os textos da Madre que mostram seus momentos de dúvida?

Tivemos um capítulo sobre a “escuridão” na Positio [documento do processo de canonização sobre sua vida cristã]. Porque é um aspecto muito diferente e impressionante da sua santidade. Como o próprio Jesus no Getsêmani perdeu a sensação de presença do Pai, da mesma maneira Madre Teresa. Mas, paradoxalmente, ela viveu essa união ao não experimentá-la. É muito doloroso para uma mulher apaixonada por Jesus, que quer amá-lo mais do que Ele jamais foi amado, mas sente não ser querida. Apesar disso, ela viveu uma heroica vida cristã. Para mim, é o aspecto mais heroico da sua vida. Não foi fácil ser Madre Teresa. Nós pensaríamos que, ao menos, ela experimentava uma grande consolação na união com Jesus. Porém, descobrimos que foi o contrário, e mesmo assim ela fez tudo com alegria. 

Pode falar sobre a relação da Madre com os Papas?

Os santos são muito diferentes, mas têm três características: amor à Igreja, por meio do amor pelo Santo Padre, o amor à Eucaristia e o amor por Nossa Senhora. O amor da Madre pela Igreja foi expresso em sua fidelidade a São Pedro, ao Papa, quem quer que fosse. Ela teve contato com o Beato Paulo VI, porque recebeu dele o Prêmio João XXIII. Com São João Paulo II foi um relacionamento especial, porque ele foi eleito papa em 1978 e ela ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1979. Os anos em que ela foi mais visível são os de São João Paulo II como papa. Ela vinha a Roma, ia vê-lo, ia à missa, visitava, pedia conselhos. Como diz [o escritor] George Weigel em sua biografia de São João Paulo II, Madre Teresa pôs em prática muitos dos ensinamentos de João Paulo. O respeito pela vida, a dignidade humana, alcançar os pobres, o amor de Maria, o amor à Eucaristia.

Como o senhor acha que o Papa Francisco vê Madre Teresa?

Eu não acho que eles têm essa ligação pessoal. Ele diz que a encontrou uma vez num Sínodo dos Bispos. Muitas vezes ele a cita. Agora, quis essa canonização no Jubileu da Misericórdia, porque a misericórdia está em sua pregação e seu exemplo como papa. Acabei de lançar um livro sobre Madre Teresa e as 14 obras de misericórdia, corporais e espirituais. Há histórias maravilhosas sobre como ela viveu isso.

Poderia contar uma dessas histórias?

Sim, há uma que eu mesmo vi. A Madre estava num aeroporto e onde quer que ela fosse havia uma comoção pública. Havia muitas pessoas ao seu redor, e uma mulher entra, alheia à situação, e parece muito triste. Na hora de ir ao portão, Madre Teresa vai até essa mulher e diz: “Olá, meu nome é Madre Teresa. Aqui está o meu cartão de visita.” E o cartão não era típico. Tinha os dizeres: “O fruto do silêncio é a oração. O fruto da oração é a fé. O fruto da fé é o amor. O fruto do amor é o serviço. O fruto do serviço é a paz.” Uma irmã que estava com a Madre viu a mulher lendo o cartão e sorrindo. Uma pequena coisa. Numa multidão, a Madre notou essa mulher triste. Qualquer um de nós pode prestar atenção em uma pessoa, dar um gesto, um sorriso, dizer uma palavra de encorajamento. Ela dizia: “Você não tem que ir a Calcutá para encontrar os pobres. Olhe à sua volta.”

O segundo milagre da Madre foi no Brasil, em Santos (SP). O que aconteceu?

Foi em 2008. Um amigo de Fernanda [Rocha] deu a ela uma novena de Madre Teresa e eles começaram a rezar, porque seu marido, Marcílio [Andrino], tinha uma infecção no cérebro, o que levou a múltiplos abscessos e acúmulo de água [hidrocefalia]. Eles rezavam para Madre Teresa e, em 9 de dezembro de 2008, por volta de 2 da manhã, Marcílio sentiu muita dor por causa da pressão no cérebro. Entrou em coma. Ele estava quase morrendo. À noite, eles queriam drenar o líquido, mas não puderam. Houve alguma dificuldade técnica. Então, às 18h10, o médico foi à sala de cirurgia para se reunir com um outro, mas não o encontrou. Voltou às 18h40 e Marcílio estava acordado. E sem dor. Então, ele diz: “O que estou fazendo aqui?” Fernanda estava na casa de sua mãe, rezando, porque sabia que seu marido estava morrendo. E houve um “submilagre”, digamos assim. Eles haviam sido informados de que não poderiam ter filhos. Agora têm dois. É uma bela história.

Qual é o legado de Madre Teresa? O que devemos celebrar quando pensamos nela?

Todo santo tem a virtude da caridade. O trabalho para os pobres é parte do seu legado, mas também a fidelidade à sua vocação. Amar a Deus mesmo sem sentir sua presença. A experiência, muito dolorosa, de aparentemente não ter Deus. Em uma das cartas, ela diz: “O céu significa escuridão para mim.” No entanto, ela se levantava às 4 da manhã, era a primeira na capela. É uma fé heroica, irradiava alegria. Ela dizia: “Dê tudo o que Ele pedir, receba tudo o que Ele der, com um sorriso.”

Reportagem publicada no Jornal O SÃO PAULO - Edição 3117- 31 de agosto a 6 de setembro de 2016